Tiago Rafael Jerônimo da Silva*

Resumo: O presente artigo apresenta, de forma atenuada, a apresentação do que seria a influência dos mitos na cultura e nos relacionamentos dos povos por meio da explicação de algumas histórias. Para falar de tal tema, primeiro será exposto um pouco da missão recebida por Hesíodo das musas: a de cantar os poemas das divindades. Depois explicaremos algumas histórias importantes para o contexto grego antigo. O artigo pretende também chamar a atenção para um ponto importante: a crítica do antropomorfismo dos deuses, ou seja, criar deuses com estilos humanos. Para expor esta crítica, apresentaremos um pouco do argumento do filósofo pré-socrático Xenófanes.

Palavras-chave: Hesíodo. Teogonia. Influências. Xenófanes. Antropormofismo.

INTRODUÇÃO

Um dos conceitos que mais foram discutidos dentro da História da Filosofia e no estudo das antigas culturas é, sem dúvida alguma, a influência dos mitos. Para muitos pode ser intrigante a forma pela qual os antigos deuses ditavam o modo de vida dos povos antigos. Para os gregos, as divindades interferiam desde os fenômenos naturais até mesmo aos comportamentos humanos, além de servirem para justificar soberania e certas posições e encargos exercidos por alguns na sociedade.

Perguntar sobre o motivo de tamanha influência pode ser demasiado complexo. Há muitos questionamentos acerca deste antigo conhecimento. Um deles é se o mito realmente pode ser considerado uma forma de conhecimento ou mera fantasia. Houve filósofos, um deles, Xenófanes (576-480 a.C.), que criticaram os deuses gregos contados por Homero e Hesíodo, afirmando que era apenas um processo de antropomorfismo . E, se realmente assim eram, por que estes deuses tinham tanta influência sobre os gregos? Será que os gregos realmente acreditavam em suas divindades e em suas histórias?

Este artigo pretende demonstrar as influências dos deuses na cultura grega, através dos mitos de Hesíodo, contando um pouco da identificação deste povo com os mitos e mostrando explicações de certas relações, que eram consideradas, reflexo dos relacionamentos divinos. E diante de atitudes divinas, muitas vezes parecidas com as humanas, questionar se aqueles são ou não realmente frutos de um processo de antropomorfização.

1. O MITO DE HESÍODO

Os gregos colocaram Homero e Hesíodo como os dois grandes poetas de sua cultura. Os poemas da Ilíada e da Odisseia escritos por Homero, e a Teogonia de Hesíodo buscavam contar o que acontecia antes do tempo, ou seja, no tempo primordial. A Teogonia de Hesíodo conta, portanto, o nascimento, a origem, a gênese dos deuses.

Os acontecimentos da Teogonia teriam sido contados a Hesíodo, um simples camponês, pelas chamadas Musas, que eram filhas de Zeus e Memória e portadoras de todas as verdades, as verdades do presente, do futuro e até das que existiram antes delas. As histórias dos deuses serviam para embasar determinadas situações na vida grega, como a soberania dos reis, por exemplo. Também, para explicar as causas de fenômenos naturais ou mesmo o surgimento das coisas e do universo.

Com efeito, Hesíodo, no exercício da missão dada pelas Musas, consegue contemplar todas as faces do povo grego e não apenas da parcela de indivíduos que ele representava: os camponeses. “Mas Hesíodo não nos põe ante os olhos só a vida do campo como tal. Também nele descortinamos a ação da cultura nobre e do seu fermento espiritual- a poesia homérica- nas camadas mais profundas da nação” (JAEGER, 1995, p. 86).

Em Hesíodo revela-se a segunda fonte da cultura: o valor do trabalho. O título de Os trabalhos e os Dias, dado pela posterioridade ao poema rústico e didático de Hesíodo, exprime isso perfeitamente. O heroísmo não se manifesta só nas lutas em campo aberto, entre os cavaleiros nobres s os seus adversários. Também a luta silenciosa e tenaz com os trabalhadores com a terra dura e com os elementos tem o seu heroísmo e exige disciplina, qualidades de valor eterno para a formação do Homem. (JAEGER, 1995, p. 85).

Grande parte das pessoas se identificava com os deuses de Hesíodo e suas histórias; e encontravam nelas, o que acreditavam ser as explicações de muitas questões. Acreditavam que o destino estava regido pelos deuses. Alguns dos mitos eram demasiado apreciados pelos indivíduos porque buscavam explicar suas realidades. É o que se entende a partir do trecho:

Também para o povo os mitos eram um assunto de interesse ilimitado, incitavam a uma afinidade de narrações e reflexões e constituíam toda a Filosofia daqueles homens. Assim, na escolha inconsciente do assunto das sagas manifesta-se a orientação espiritual própria dos camponeses. Os preferidos são os mitos que exprimem a concepção da vida realista e pessimista daquela classe ou as causas das misérias e necessidades da vida social que os oprimem: o mito de Prometeu, no qual Hesíodo encontra a solução para o problema do cansaço e dos sofrimentos da vida humana; a narração das cinco idades do mundo, que explica a enorme distância entre a própria existência e o mundo resplandecente de Homero, e reflete a eterna nostalgia do Homem por melhores tempos; o mito de Pandora, que é alheio ao pensamento cavalheiresco e exprime a concepção triste e prosaica da mulher como fonte de todos os males (JAEGER, 1995, p. 89).

Algumas das histórias contadas por Hesíodo já eram conhecidas entre os gregos. Mas a sua importância vem justamente do modo como ele as conta, de modo que elas passem a fazer parte do que é a “verdade” para aquela sociedade.

2. A IMPORTÂNCIA DOS DEUSES NA CULTURA GREGA

Havia, para cada uma das diferentes realidades da vida grega (a guerra, a fertilidade, o amor, o vinho, o mundo subterrâneo, o céu, o oceano etc), uma divindade correspondente.

Para exemplificar a influência dos deuses, basta analisar algumas realidades da Grécia antiga. A primeira análise que tomaremos seria a das constantes guerras que aconteciam entre as cidades. As batalhas eram uma realidade tão próxima dos povos antigos que se tornaram cenários de importantes histórias mitológicas como a Guerra de Tróia, por exemplo, que conta a saga do grande Aquiles.

Todavia, mediante a influência de tal realidade, havia um deus que era invocado para conseguir a vitória nas guerras, o chamado: Ares. Sendo assim, Ares era um deus de grande importância para os povos antigos. Já que o destino estava ligado à vontade dos deuses, agradar ao deus da guerra era garantia de êxito e se assim não fosse, seria porque a divindade não havia se agradado do culto prestado.

Outro fator importante de se analisar na Grécia é a dificuldade da agricultura mediante infertilidade das terras. “O seu solo é formado de múltiplos vales estreitos e paisagens cortadas por montanhas. Quase não tem as vastas planícies, fáceis de cultivar, do norte da Europa, o que obriga a uma luta incessante com o solo para arrancar dele o que só assim ele consegue dar” (JAEGER, 1995, p. 86).

Assim entendido, a figura da deusa Deméter, a deusa da fertilidade, aquela que rege os tempos de plantio e colheita e as estações do ano, é, também de extrema importância para os gregos. O bom êxito da prática agrícola estava justamente em agradar Deméter.

Ela era responsável também pelo ciclo das estações do ano. Esta importância é contada a partir do mito do rapto de Perséfone, filha de Deméter, por Hades, o deus dos infernos.

Através do intermédio de Afrodite e seu filho, Cupido, Hades se apaixona por Perséfone e a rapta e a leva para o mundo subterrâneo. A tristeza de Deméter ao saber do acontecido faz com que ela entre em tamanha depressão e se descuide da terra por vários meses. A deusa da fertilidade foi pedir a Zeus que interviesse na situação e pedisse a Hades sua filha de volta. A solução encontrada pelas divindades foi de que Perséfone ficaria uma metade do ano com Hades e a outra com Deméter.

Concluindo e interpretando a história, durante o tempo em que Deméter tem a filha junto de si ela está feliz e por isso a terra é fértil. Quando Perséfone volta para Hades, a mãe chora e fica deprimida, neste período de tempo, a terra é infértil.

Os gregos buscavam também valorizar muito a beleza, o físico e os prazeres da carne. Daí, deuses como Afrodite, Apolo e Dionísio que simbolizavam tais realidades. Daí também, as esculturas dos deuses que sempre buscavam mostrar o físico dos deuses como um ideal de beleza.

3. O ANTROPOMORFISMO

Diante de tamanha influência dos mitos na cultura e na vida grega, alguns filósofos lançaram um questionamento: Os deuses não são apenas uma representação exagerada dos seres humanos? Não seriam eles, apenas um processo de antropomorfização?

Um dos grandes defensores desta ideia foi o filósofo pré-socrático Xenófanes (576-480 a.C.) que criticou duramente os deuses gregos afirmando não serem eles nada mais que representações exageradas dos seres humanos em suas formas e atitudes.

Para ele, as divindades que sentiam medo, raiva, cometiam atrocidades diversas, se relacionavam com humanos e cometiam adultério eram nada mais que uma forma do homem se representar. Não havia nada de diferente nelas. E assim eram pelo simples fato de serem idealizadas e criadas pelos seres humanos de uma ou outra cultura.

Agudamente, Xenófanes objeta que se os animais tivessem mãos e pudessem fazer imagens de deuses, os fariam em forma de animal, assim como os etíopes, que são negros e têm o nariz achatado, representam seus deuses negros e com o nariz achatado ou os trácios, que têm olhos azuis e cabelos ruivos representam seus deuses com tais características (REALE; ANTISERI. 1990, p. 48).

Segundo o filósofo, os deuses também deveriam ser eternos e, uma vez que nascem, não o são. Em outra passagem o filósofo afirma: “Mas os mortais acham que os deuses nascem, que têm roupas, vozes e vultos como eles. Homero e Hesíodo atribuem aos deuses tudo aquilo que é desonra e vergonha aos homens: roubar, cometer adultério, enganar-se mutuamente” (REALE; ANTISERI. 1990, p. 48). Dessa forma, Xenófanes critica não só aos deuses mas, também, aos poetas que contavam suas histórias: Homero e Hesíodo.

Na busca da arché, o princípio fundante de todas as coisas, Xenófanes procurou desmistificar muitas das coisas que eram explicadas como interferência, graça ou castigo dos deuses. Em uma destas tentativas ele desmistifica a deusa Íris, o arco íris dizendo: “Aquela que chamamos Íris, porém, também ela é uma nuvem, purpúrea, violácea, verde de se ver.” (REALE; ANTISERI. 1990, p. 48).

Portanto, a ideia dos deuses, como era concebida, recebia agora uma série de críticas quanto ao fato de eles não serem eternos, nem se diferenciarem dos seres humanos em suas virtudes, e muitas vezes cometerem os mesmos- ou até piores – erros que os homens e mulheres mortais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim deste artigo, se houver retidão em nosso pensamento, é possível concluir que é inegável a influência dos deuses na forma de vida grega. Era a forma que eles tinham de explicar todas as questões existenciais antes do surgimento da Filosofia. De fato, a crítica de Xenófanes nos proporciona pensar em que valor poderiam ter tais divindades, mas mostra também que o fato de tais histórias terem certo teor fantasioso não diminui sua importância para a formação cultural da Grécia.

REFERÊNCIAS

JEAGER, Werner. Paideia: A formação do homem grego. Tradução Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. v.1 (Filosofia)

NOTAS:
*Bacharelando em Filosofia- FAM

¹Entende-se antropomorfismo, segundo o dicionário básico de Filosofia de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, por: (do gr. anthropos: homem, e morphé: forma) Atitude de espírito que consiste em conceber Deus à imagem e semelhança do homem e em atribuir-lhe modos de pensar, de sentir e de agir idênticos ou semelhantes aos modos humanos.

²Xenófanes segundo dicionário básico de Filosofia de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes: (séc.IV a.C.) Filósofo grego, nascido em Cólofon, Asia Menor, e fundador da escola eleática (de Eléia, Sul da Itália), Xenófanes, opondo-se aos pensadores jônicos, afirmava a unidade e a imobilidade do Ser: as mudanças não passam de aparências. Ridicularizou os deuses mitológicos e zombou das honrarias conferidas aos atletas olímpicos, porque “o nosso saber vale muito mais do que o vigor dos homens Não é justo preferir a força ao vigor do saber”. Para ele, a substância primitiva e fundamento de tudo é a terra, “pois tudo sai da terra e volta à terra”. Os próprios homens nascem da terra. E ao combater o antropomorfismo, essa doutrina que atribui a Deus uma forma humana, Xenófanes defendeu a unidade de Deus que é um e tudo, que se funde com o todo e a tudo governa com o pensamento (panteísmo que identifica Deus com o universo).

1 comentário


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