Geraldo Fábio de Menezes*
Resumo: O presente artigo tem como finalidade apresentar relação da problemática da linguagem e a interioridade na obra De magistro de Agostinho, um tema de cunho gnosiológico, interioridade pela qual o ser humano está em busca da verdade. Agostinho apresenta a problemática da linguagem como uma condição humana necessária para se chegar à verdade e que as palavras possuem a função de nos estimular a encontra-la no nosso interior. Esta verdade é revela por Deus em nosso interior, onde habita Cristo mediador entre o sensível e o inteligível.
1 Introdução
O homem possui características próprias que o difere dos demais animais. Uma delas é a possibilidade de se comunicar, isto é, com mais propriedade que os animais irracionais. A linguagem é fundamental ao homem para alcançar a verdade, mas quando surgem problemas de comunicação faz com que nos questionemos acerca da contingência da linguagem e do que somos capazes de aprender e ensinar. Em suma, consiste em um problema gnosiológico.
A esse respeito, Agostinho declarou nas Confissões sua angústia na busca da verdade, pois chegou ao ponto que ele não encontrava mais a possibilidade de conhecer por meio do exterior o que sempre esteve no seu interior: “Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu estava convosco!” (AGOSTINHO, Confissões, X, 27). Tendo como base a obra De magistro de Agostinho, o presente artigo tem como objetivo apresentar o problema da linguagem na busca da verdade e a interioridade como única forma de conhecer a verdade, e também esclarecer se é possível ensinar e aprender por meio das palavras.
2 O problema da linguagem para alcançar a verdade
Agostinho no capítulo VIII do De magistro, faz uma retratação de tudo o que foi abordado nos capítulos anteriores dizendo a seu filho Adeodato que deveriam abandonar algumas pequenas questões tratadas e aprofundar nas coisas que significam. Então, após esta pausa, Agostinho retoma o diálogo com Adeodato perguntando-lhe: “[…] diz-me se ‘homem é homem’” (De magistro, VIII, 22). O objetivo de Agostinho ao introduzir esta pergunta é para que seu filho respondesse com rapidez o que significa e não o sentido da frase, portanto que depois ele separa a palavra homem em sílabas para demonstrar a significação da palavra ao objeto.
Tomada a palavra homem por si mesma ela não é a coisa em si, mas sinaliza a coisa. Sobre isto Agostinho afirma que a palavra é somente som, quando não examinada pela razão: “[…] depois de ter o sinal, a mente vai examinar o que este significa, e após o exame é que concede ou nega o que se diz.” (De magistro, VIII, 23). Para que haja entendimento são necessários três elementos, como analisaremos a seguir:
A voz não articula nem porta significação, pode ser tanto animal como humana, a palavra é articulada e pode ser apresentada de forma escrita também, mas ema não possui significação a priori: é o significante como vocal articulado; e o logos é duplamente caracterizado pelo fato de que ele é o significante e o portador de significação. (FORATINNI, 2009, p. 100).
Com isso, a palavra sendo sinal não tem senão o objetivo de apontar outro sinal. Assim, Agostinho aponta o problema da linguagem a partir da compreensão de palavra, pois se tudo será sinalizado pela palavra que também é sinal, a realidade é sinalizada e não é ela mesma. A partir desta problemática o capítulo décimo tem como objetivo discutir se é possível ensinar algo sem sinais e que as coisas não se aprendem pelas palavras.
O questionamento de Agostinho ao seu filho: “Ensinar e significar são a mesma coisa ou diferem em algo?” (De magistro, X, 30), introduz uma problemática de compreender ensino e significação com o mesmo sentido, mas se assim for, o ensino também seria imperfeito como é a significação. Com isto não seria possível o conhecimento. Então, o filósofo afirma: “Se, portanto, usarmos os sinais para ensinar, não ensinamos para usar os sinais: uma coisa é ensinar e outra é usar os sinais (significar)” (AGOSTINHO, De magistro, X, 30). Mas será possível ensinar sem usar sinais?
Não é possível ensinar sem usar sinais, pois ensinar, podemos dizer, é marcar com sinal, pois toda realidade necessita ser sinalizada a fim de ser ensinada. Já que pela palavra (sinal) em si não conhecemos a essência das coisas e que não é possível ensinar sem o uso de sinais, sua função é despertar à busca da verdade:
Pois, quando aprendi a própria coisa, não acreditei nas palavras de outrem, mas nos meus olhos; talvez acreditasse também nelas, mas apenas para despertar a atenção, ou seja, para procurar com os olhos o que era para eu ver. (AGOSTINHO, De magistro, X, 35).
3 A verdade que ensina interiormente
Após toda a problemática da linguagem, que com as palavras não aprendemos nada mais que palavras, Agostinho leva-nos do esgotamento do ensino exterior ao conhecimento adquirido pelo interior. E para exemplificar esta mudança, da exterioridade à interioridade, o filósofo utiliza da história bíblica dos jovens Ananias, Azarias e Misael:
[…] os jovens Ananias, Azarias e Misael; nem os seus nomes me ajudaram ou poderiam ajudar a conhecê-los. E confesso que, mais que saber, posso dizer acreditar que tudo aquilo que se lê naquela narração histórica aconteceu naquele tempo assim foi escrito; e os próprios historiadores a que emprestamos fé não ignoravam esta diferença. Diz profeta: “Se não credes, não entendereis”; certamente não diria isto se não julgasse necessário pôr uma diferença entre as duas coisas. Portanto, creio tudo o que entendo, mas nem tudo que creio também entendo. (AGOSTINHO, De magistro, XI, 37).
Esta narração bíblica encontra-se no Livro de Daniel, capítulo terceiro. O rei da Babilônia, Nabucodonosor, condenou os três jovens hebreus à fornalha, pois se recusaram a adorar a estátua de ouro erigida pelo próprio rei. Porém, eles suplicaram a Deus que os libertasse das chamas e das mãos do rei e assim aconteceu. Então, o que Agostinho quer demonstrar com esta narração é que os três jovens recusaram adorar a um sinal falso, em favor do verdadeiro Deus. Por isso, Agostinho cita o profeta Isaías¹ , porque é necessária a fé para se conhecer o verdadeiro Deus e confessa que somos incapazes de compreender tudo o cremos. Assim, o que ouvimos exteriormente nos estimula a encontrar a verdade que reside em nosso interior:
Quem é consultado ensina verdadeiramente, e este é Cristo, que habita, como foi dito no homem interior, isto é: a virtude incomutável de Deus e a sempiterna Sabedoria, que toda alma racional consulta, mas que se revela a cada um quanto é permitido pela própria boa ou má vontade. (AGOSTINHO, De magistro , XI, 38).
Assim, Cristo que reside em nosso interior está além de ser o mestre e o guia, mas ele é a própria verdade que habita em nós. Com isto, não é possível aos homens conhecer a verdade pelas palavras, isto é, pela exterioridade, mesmo que há homens que acreditam aprender pelas palavras, mas ao encontrarem a verdade interior esta é a Sabedoria eterna que habita em nós, o próprio Cristo. Cristo é o mediador entre Deus e os homens, entre o sensível e o inteligível. Por isto é Deus quem revela ao homem a verdade no seu interior:
Por conseguinte, nem sequer a este, que vê coisas verdadeiras, ensino algo dizendo-lhe a verdade, porque aprende não pelas minhas palavras, mas pelas próprias coisa, que a ele interiormente revela Deus; por isto, interrogado sobre elas, sem mais, poderia responder. (AGOSTINHO, De magistro, XII, 40).
4 Conclusão
A declaração de Agostinho na sua obra, Confissões, sobre a sua busca pela verdade, que é possível percebermos dois sentimentos, a angústia, pois encontrou tardiamente o que procurava fora e a felicidade, pois sempre estiveram juntos no seu interior. Isto já nos infere que é necessário a razão e a fé para encontrarmos a verdade. Mas sabemos que Agostinho se converteu ao cristianismo e para ele é fácil conciliar fé e razão, porém ele apresenta na sua obra, De magistro, a dificuldade de se aprender por meio das palavras e que só encontraremos a verdade no interior, e esta é o próprio Cristo.
Para Agostinho as palavras são sinais que sinalizam outro sinal, pois isto não é possível conhecer a verdade pela exterioridade. Mas também não é possível ensinar ou aprender sem usar os sinais ou palavras, com isto a função da palavra é despertar e estimular o homem a encontrar a verdade interior. Então não é o mestre que ensina ou aprendemos por si mesmos, mas Deus revela a verdade em nós, ela é o próprio Cristo mediador entre o conhecimento sensível e o inteligível:
Aquele que procura conhecer um dos objetos da inteligência ou dos sentidos, ou seja, qualquer forma de conhecimento, opera na interioridade, sem que nada do exterior penetra nesta. O que ocorre é que ao notar (ouvir, ver ou ler) um signo, este estimula o homem a procurar o conhecimento, o estimula a aprender. Se o que foi dito é verdade ou não, cabe somente a Cristo, que é nosso Mestre Interior, nos ensinar. (FORATINNI, 2009, p. 106).
Então, não encontraremos a verdade no exterior devido ao problema da linguagem humana e a razão humana chegar ao ponto de se esgotar. Mas estimulados pelas palavras buscaremos encontrar a verdade no nosso interior. A verdade habita em nós, pois Deus nos revela Cristo com a verdade eterna e é ele que nos ensina.
Notas
* Bacharelando em Filosofia – FAM.
¹ Se não o crerdes, não vos mantereis firmes. (Is. 7, 9).
Referências
AGOSTINHO. Confissões. Tradução J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os Pensadores).
______. De Magistro. Tradução Angelo Ricci. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os Pensadores).
FORATINNI, Fernando Miramontes. Interioridade, Exterioridade e Linguagem em Santo Agostinho. Primeiros escritos, v. 1, n. 1, p. 97-107, 2009. Disponível em: <http://www.academia.edu/1312502/Interioridade_Exterioridade_e_Linguagem_em_Santo_Agostinho>. Acesso em 20 maio 2014.