Marlon Ramos Rocha

Resumo: Henrique Claudio de Lima Vaz, pensador brasileiro e contemporâneo, destaca a importância de buscar compreender a presença de Santo Tomás de Aquino no século XXI. Sendo assim, neste paper, buscaremos compreender a importância do Doutor Medieval que não foi só importante em sua época, mas que ainda traz pensamentos cruciais para a contemporaneidade. Destacaremos uma tentativa de esboço do próprio Lima Vaz na aurora do século XXI, buscando um possível lugar de Doutor Angélico neste horizonte que desponta.

Palavras-chave: Lima Vaz. Tomás de Aquino. Horizonte. Cultura.

O horizonte da filosofia no século XXI

No presente paper desenvolveremos as ideias de Tomás de Aquino, atualizando-as para o presente em que vivemos. Para isso, fundamentaremos nosso texto com o auxílio e contribuição do pensamento de Padre Henrique Claudio de Lima Vaz. Assim, nossa reflexão divide-se em três momentos, a saber: 1- Caminhos da filosofia de Tomás de Aquino no mundo da cultura cristã do século XX; 2- Tentativa de esboço de horizonte filosófico na aurora do século XXI; 3- Um lugar possível para Tomás de Aquino no horizonte filosófico que se anuncia.

Em primeiro lugar, é preciso afirmar que São Tomás de Aquino, que é muito importante para o mundo cristão, marca toda uma época moderna cristã que foi realçada sobretudo no Concilio de Trento; sua proclamação como Doutor da Igreja por São Pio V em 1567 confirma tal fato. Através do novo ciclo da presença de Tomás, assinalada no plano intelectual pela encíclica Aeterni Patris (1879), formou-se e fortaleceu-se na Igreja o movimento de ideias conhecido como neo-escolástica (VAZ, 2002, p. 246).

Com efeito, a consigna de Leão XIII havia sido vetera novis augere et perficere (aumentar e enriquecer o que é antigo com o que é novo), e ao novo tomismo cumpria em primeiro lugar, em força da sua própria razão de ser, apresentar-se como uma filosofia viva e com todos os títulos de legitimidade exigidos pela cultura moderna. (VAZ, 2002, p. 246)

O Tomismo no século XX vê-se diante de uma realidade avançada e é confrontado com um pensamento filosófico já construído no período da modernidade, rico de várias correntes filosóficas e fundado sobre “questões metodológicas, gnosiológicos, críticos e metafísicos…” (VAZ, 2002, p. 247). Diante disso, surge uma questão para Vaz: Como o tomismo irá lidar com esses vários pensamentos e correntes presentes no século XX? Perante o exposto, Lima Vaz expõe três tendências/modelos propondo definir um lugar para a filosofia de Tomás.

A primeira tendência parte da convicção de que o predicado da verdade inerente ao pensamento tomásico, restituído ao seu teor original e organizado segundo a ordem sistemática postulada pela razão moderna, assegura-lhe a única forma de presença compatível com a sua dignidade filosófica: a presença trans-histórica de uma verdade elevada acima das vicissitudes dos tempos (VAZ, 2002, p. 247).

A segunda tendência caracteriza-se por um senso mais agudo da história e pela consciência de que a verdade do ensinamento tomásico, que não é posta em discussão, deve, no entanto, comprovar os seus títulos de validez no confronto vivo com as ideias filosóficas modernas (VAZ, 2002, p. 248).

Nesta segunda tendência, Lima Vaz destaca 2 linhas que são muito importantes para que o pensamento de Tomás se firme no horizonte do Século XX. A primeira linha é o teórico do pensamento de Tomás, que é transmitido pelas suas obras e pela tradição dos grandes comentadores. A segunda linha é a histórica que irá retomar o grande Doutor Medieval, trazendo temas dele para a realidade, mostrando a perfeita atualidade de suas obras.  As duas linhas citadas acima são reafirmadas por dois nomes respeitáveis: Jacques Maritain (Linha teórica) e Etienne Gilson (linha histórica) (VAZ, 2002, p. 248).

Adentramos, por sim, na terceira tendência:

A terceira tendência é a mais audaz e também a mais cheia de riscos, devendo fazer face ao enorme desafio teórico de repensar doutrinas e conceitos pensados e formulados num mundo cultural já pertencente ao passado, cujos pressupostos e cuja evolução intelectual se encontram frequentemente em franca oposição ao primeiro (VAZ, 2002, p. 249).

Com efeito, os tomistas tiveram que repensar um meio de inserir o pensamento Tomásico no universo filosófico da modernidade. Tal foi o sentido da releitura das teses de Tomás, que era preciso de certa forma, estar em consonância com três grandes filósofos do pensamento moderno, sendo eles:  Descartes, Kant e Hegel. (VAZ, 2002, p. 249).

Em segundo lugar, Vaz tentará expor a importância do pensamento Tomásico no século XXI. Assim sendo, o autor diz que neste novo século não haverá grandes revoluções e rupturas profundas, como o plano cartesiano de Descartes, o pensamento Kantiano ou até mesmo a fenomenologia e da linguagem do século XX. Dessa forma, serão temas mais significativos do pensamento filosófico que permitirá traçar linhas prováveis do horizonte filosófico do século XXI. Trataremos de dois temas muito importantes para o horizonte do século XXI.

O primeiro tema que acompanhará o relevo do século XXI será a “Rememoração (traduzindo o termo hegeliano Erinnerung) histórica, tendo por objeto a própria possibilidade e legitimidade do exercício do pensamento filosófico ao longo do tempo.” (VAZ, 2002, p. 251). Esse processo de rememoração faz parte da prática do filosofar, tendo em vista a importância da história da filosofia como um conhecimento genuinamente filosófico.

O atual crescimento quantitativo e qualitativo da pesquisa histórica na atividade filosófica e os múltiplos paradigmas que são propostos para uma renovada hermenêutica dos grandes pensadores e das grandes épocas da história da filosofia atestam a importância e a eminente significação da rememoração histórica na prática da reflexão filosófica e são uma prova incontestável da necessidade da filosofia numa cultura como a nossa, que avançou tão longe na rota da razão. (VAZ, 2002, p. 252)

Portanto, para Vaz, o primeiro tema importantíssimo é o da rememoração, cuja intenção é pensar a história da filosofia como elemento intrínseco da estrutura teórica do filosofar. Depois de Hegel, essa dimensão histórica cresce, descobrindo uma espécie de retorno reflexivo da filosofia sobre si mesma na sua realização do tempo. (VAZ, 2002, p. 252)

O segundo tema é um extraordinário fenômeno de cultura, e mesmo de civilização. Sua origem remonta a mudança profunda nas estruturas de relações humanas, ou nas chamadas categoria de objetividade, que teve lugar no século XVII com o advento da nova ciência galileiana da natureza.

Sabemos, no entanto, que é na objetividade mundana que se dá nosso primeiro encontro com o ser e tem lugar a experiência decisiva da nossa finitude […]. É a nossa finitude que nos impele necessariamente na direção do outro, e primeiramente do mundo, em cuja objetividade lançamos a âncora da nossa frágil subjetividade para nos constituirmos ontologicamente seres-no-mundo. (VAZ, 2002, p. 253-254).

Dentro de uma transformação profunda da objetividade mundana, que é o próprio ser humano sujeito dessa “Mutação”, é refeito dentro do homem e ao redor dele o que chamamos de natureza, dando-lhe forma de cultura. A cultura ao longo da história mostrou que foi capaz de ir mudando e evoluindo. Com o advento e o predomínio da tecnociência, a transformação cultural do ser humano passa por uma ruptura desses dois termos que até o presente momento eram mantidos pela sociedade, natureza e a cultura. Surge nesse processo de ruptura o termo homem moderno (VAZ, 2002, p. 254).

Qual o perfil antropológico com que se apresentará, no próximo século, esse homem moderno? Quer queiramos ou não, essa forma (a tecnociência) já opera e já remodela nosso mundo e nosso ser. A forma de existir sob essa forma, rege todos os campos da nossa atividade: o conhecimento, o agir ético, o agir político, a criação artística, o trabalho (VAZ, 2002, p. 255).

A interrogação que aqui levantamos diz respeito à aptidão dessa forma de existir segundo a norma rectris da tecnociência para unificar e dar satisfação a todas aquelas exigências e tendências que se manifestaram historicamente e se justificaram reflexivamente como constitutivas de uma autêntica existência humana. Poderá, por exemplo, a tecnociência acolher e explicar a intencionalidade profunda da experiência religiosa e dar-lhe satisfação? Poderá transpor inteiramente para a sua esfera conceptual a vertente ética da vida humana e dar razão plena do imenso fenômeno da experiência moral da humanidade? (VAZ, 2002, p. 255)

Sendo assim, surgem as problemáticas acerca de um possível fim da metafisica, pois diante de uma realidade interna do ser, na qual a tecnociência não alcança, somente a metafisica pode explicar. Com efeito, a tecnociência é quem rebate a ideia de uma natureza metafisica. Em uma versão Heideggeriana, ela é a sucedânea legitima de uma metafisica que esgotou seu ciclo histórico, ou porque, em uma versão neopositivista, ela proporciona a prova do sem sentido (VAZ, 2002, p. 256).

Por fim, em terceiro lugar, Lima Vaz apresenta a seguinte problemática: Filosofia como história da filosofia e metafísica: será permitido prever, de alguma maneira, um lugar para Tomás de Aquino filósofo num horizonte de ideias onde dominem os temas e problemas daquelas duas disciplinas filosóficas (rememoração e cultura)? (VAZ, 2002, p. 258)

A cultura que cresce nesse período contemporâneo é um dos desafios de arranjar uma cadeira filosófica para Tomás. Numa civilização não-religiosa começa a crise da teologia. Nisso, Lima Vaz descreve a importância fundamental da presença de Tomás de Aquino nesse campo da teologia, na qual cada vez mais entra em crise e está a desagregar.

As ciências humanas ou sociais não conseguiram, por razões inerentes a sua própria natureza epistemológica, restituir à teologia nem a sua dignidade de ciência e sabedoria, nem alcançar-lhe a legitimidade pretendida no campo do saber moderno. (VAZ, 2002, p. 259)

Como então pensar uma atualidade do pensamento de Tomás em vista de um futuro incerto da teologia? Isso se tornaria uma problemática?

Em primeiro lugar, como já foi dito da importância da relação de Tomás de Aquino com a história da filosofia, não se trata apenas de dados históricos, mas propriamente filosóficos. Ademais, surge a importância também do processo de rememoração, como constitutiva do ato de pensar filosófico. Estes dois pontos são linhas fundamentais a compor o horizonte filosófico do século XXI.

Vaz levanta algumas posições importantes de Tomás de Aquino escrita em seus livros e que marcaram a história da filosofia, e de certa forma, da teologia.

a. Em primeiro lugar, a compreensão entre o religioso e o racional ou, em categorias cristãs, entre a fé e a razão, problema que remonta às origens gregas da filosofia e o anúncio cristão (VAZ, 2002, p. 261).

b. Em segundo lugar, a síntese, de decisiva significação na história posterior das ideias, entre a gnosiologia platônica, herdada e repensada por Santo Agostinho, e a gnosiologia aristotélica, estabelecendo a teoria do conhecimento sobre um fundamento metafísico […] (VAZ, 2002, p. 261).

c. Em terceiro lugar, a concepção da história a partir dos fundamentos metafísicos da existência humana, numa visão poderosa e original que só encontra paralelo na articulação entre história e Sistema em Hegel (VAZ, 2002, p. 261).

d. Finalmente, a obra mais famosa de Tomás de Aquino, conhecida como Suma teológica, possui uma significação para a história espiritual do ocidente e universalmente reconhecida, na qual o Doutor Angélico empreende a integração orgânica da ética clássica, herdada sobretudo de Aristóteles. (VAZ, 2002, p. 262)

Num segundo momento, o autor vai defender a existência da metafisica a partir de teses escritas pelo Doutor Medieval. A primeira dessas teses está relacionada a inteligibilidade intrínseca do existir (esse) na sua natureza de ato primeiro e constitutivo da realidade em-si do ser e objeto próprio da metafisica enquanto ciência. A afirmação da primazia do existir na ordem da inteligibilidade do ser, permite a Tomás encontrar fundamento na obra dele intitulada de ente et essentia. Esta pequena obra, mas de um vasto saber, possui temas importantíssimos como, a transcendência absoluta de Deus como Existir subsistente (Ipsum Esse subsistens) na perfeita identidade de essência e existência; a relação de criaturalidade como relação real de dependência na ordem da existência e da essência; princípios realmente distintos na constituição ontológica do ser finito e, em consequência, a unidade de ordem no universo. (VAZ, 2002, p. 262-263)

A segunda tese estabelece-se no campo hoje conhecido como metafisica do conhecimento. “Trata-se, em suma, de determinar, no curso da atividade intelectual, o ato específico pelo qual a nossa inteligência afirma a inteligibilidade intrínseca do existir.” (VAZ, 2002, p. 263). Santo Tomás, relendo Boécio na obra De Trinitate, aponta que o lugar inteligível do encontro entre a inteligência e o ser na sua plenitude existencial, opera a identidade, na ordem intencional, entre o sujeito cognoscente e o objeto real conhecido.

Com efeito, a afirmação do esse (existir) no juízo vai além necessariamente, no seu dinamismo intencional, da limitação eidética dos objetos finitos a que se aplica e, em virtude da limitação tética do próprio ato de afirmação, põe inelutavelmente, como horizonte último não contemplado mas dialeticamente implicado, o Existir subsistente infinito na sua absoluta transcendência, cuja existência, no âmbito da inteligibilidade analógica, será formalmente demonstrada nas provas clássicas da existência de Deus. (VAZ, 2002, p. 264)

Assim sendo, é notório que o pensamento de Tomás de Aquino não deixou de ser atual. As exposições de Lima Vaz, enaltecem e reafirmam a sua importância para o século XXI, tanto no campo da filosofia como na teologia. O próprio termo rememoração, apresentado por Lima Vaz, ilumina a reflexão acerca do pensamento tomásico, ou seja, traz para a atualidade o que, num passado distante, surtira efeitos significativos na história da filosofia, neste caso, a filosofia medieval.

Referência Bibliográfica

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Escritos de Filosofia VII: Raízes da Modernidade. São Paulo: Loyola, 2002.

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