Renato Cesar de Lima
Quem nunca teve a curiosidade, nem que seja mínima, de saber como é o primeiro segundo após a morte? Nunca ninguém “retornou” para contar. Já se ouviu experiências de pessoas que alegam terem presenciado o momento pós-morte. Mas nada concreto. Para Montaigne[1], a expressão morrer vai muito além de seu sentido natural que normalmente é empregado. Para ele, há duas formas de se deparar (ou ter a experiência) com a morte: o estudo e a contemplação. “Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade” (Ensaios, XX: Filosofar é aprender a morrer) e é basicamente sobre isso que ele tanto insiste em seus ensaios. E é de alguma forma que este estudo e esta contemplação nos levam a uma experiência extracorpórea.
A morte nos surpreende de várias formas, leva a todos sem distinção de raça, cor, nacionalidade, idade… De Reis e Rainhas ao Papa e ao próprio Jesus Cristo. É a única certeza deste mundo: de que um dia morreremos. E para onde iremos? Ninguém sabe. É por isso que Montaigne compara o fato da morte com o filosofar. “Temo que tenhamos os olhos maiores do que a barriga, e mais curiosidade do que capacidade.”. E assim é o mundo hoje. Se filosofar é raciocinar tirando induções, argumentar, discutir com sutileza, Montaigne vai muito além. Todas as reflexões, argumentações que se observam neste mundo nos levam a um pensar único: não ter medo de morrer. Até mesmo as Sagradas Escrituras revelam que não há a necessidade de se ter medo da morte ou mesmo do que vem antes ou após ela, pois todo o esforço tende à felicidade e o bem viver. “Em Montaigne o Ceticismo convive com uma fé sincera, porque ele é estrutural desconfiança na razão e, justamente por isso, não pode por em causa a fé” (REALE; ANTISERI, 2005).
A vida virtuosa é equiparada a vida feliz, sendo essa virtude tudo aquilo que faz o homem ser bom naquilo que é fazendo ser aquilo que deve ser. Sendo que à luz do pensamento de Montaigne, ele mesmo conclui que um dos principais benefícios da virtude é o menosprezo pela morte. Em seus escritos, Montaigne aponta para o acontecer inevitável e universal da morte e da preparação para a mesma. Não há idade para morrer, nem lugar. E o motivo desta morte pode ser de qualquer forma. A “(…) morte é o objetivo de nossa caminhada, é o objeto necessário de nossa mira (…)”. E há também aqueles que se julgam capazes de não pensar na morte, como contesta Montaigne, contra a tolice de negar este pensamento. Negar a morte tende a aumentar mais o sofrimento, pois quando ela se aproxima e tal pessoa se dá conta de sua aproximação é tomado pela dor e desespero. A virtude está ligada ao aprendizado da morte. Aprender a morrer é aprender a viver.
Pensar na morte nos afasta do terrível sentimento que ela apresenta: o inesperado, o desassossego do desconhecido, o susto. Habituando-se a ela, tendo-a no pensamento, conclui-se que está próxima e que nada pode ser feito. É com tranquilidade que Montaigne almeja se deparar com a própria morte: “Quero (…) que a morte me encontre plantando minhas couves, mas despreocupado dela, e mais ainda de meu jardim imperfeito.”
Montaigne nos apresenta uma íntima relação entre a vida e a morte, impossível se pensar em ambas separadamente. Para o Cristianismo, a morte é o ínicio da vida eterna, por exemplo. Filosofar é aprender a morrer, talvez seja este o papel da Filosofia. Mas esta expressão, “filosofar é aprender a morrer”, não é um termo de fundamento cristão. Montaigne faz uma alusão a Jesus Cristo, decerto, mas só por conta de sua morte aos trinta e três anos. O cristianismo entra em algumas questões montaignianas, mas sem implicações religiosas e nem são tributários de esperança cristã.
O ato de pensar na morte não é para a salvação da alma, mas tem a função de transmitir sua tranquilidade. Montaigne tenta criar, assim, uma “melhor visão” da morte. A máxima que se pode extrair insere-se no conjunto de lições éticas de felicidade: “A premeditação da morte é premeditação da liberdade”. Ou ainda: “Quem ensinasse os homens a morrer estaria ensinando-os a viver”.
É de grande valia preparar-se para a morte. A própria natureza nos auxilia na preparação para a morte, como por exemplo, quando estamos doentes ou estamos na fase da velhice, o desapego da vida: “(…) percebo que à medida que me enfronho na doença começo a ter naturalmente um certo desdém pela vida.”
Aguardemos nossa morte. Preparemos para tal. Aproveitemos… Montaigne assim encerra seu pensamento acerca da morte: “Feliz é a morte que nos surpreende sem que haja tempo para semelhantes preparativos!”
Referências
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção Os Pensadores)
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Vol. 3; 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005.
TURRI, Márcia Hoffmann do Amaral e Silva. Filosofar é aprender a morrer. Disponível em <http://www.ajufesp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=172:filosofar-e-aprender-a-morrer&catid=68:artigos&Itemid=114>, acesso em: 22/02/11.
[1] Filósofo do período renascentista. Nasceu na França em 1533 e morreu em 1592. Sofreu influências do estoicismo, ceticismo e epicurismo. Obra: Ensaios (1580 e 1588).
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Bom tema!!!
só não gostei de ter relacionado-o com o cristianismo. Poderia ter desenvolvido mais a proposta do autor e, principalmente, a primeira parte do artigo.
Concordo com Montaigne, a morte faz a gente pensar na vida. E realmente :” Aprender a morrer é aprender a viver”.
Parabéns pelo texto…
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Renato, boa noite!
Parabéns pelo texto!!!
Sou graduando em filosofia na Universidade Metodista de São Paulo e minha monografia e possivelmente meu primeiro livro trata da morte nos ensaios de Montaigne. Concentrareime na dicotomia existente entre os ensaios do primeiro e do terceiro livro onde Montaigne tem posturas diametralmente opostas diante da morte.
É possivel conversarmos sobre o tema e trocarmos impressões a respeito? Aos colegas pesquisadores em filosofia estendo o convite ao diálogo.
Abraço!