Douglas Lopes Amaral
No presente artigo, pretendemos analisar o pensamento de Giordano Bruno[1], filósofo renascentista, acerca do universo, nos atentando para a questão da sua infinitude.
Bruno rejeita a visão cosmológica que predominava em sua época e que se fundamentava na cosmologia aristotélica e na astronomia de Ptolomeu, que afirmava ser a Terra um ponto imóvel no universo. Ele vê na teoria heliocêntrica de Copérnico “a premissa necessária para o desmantelamento de toda falsa arquitetura cosmológica do aristotelismo” (BARACAT FILHO, 2009, p. 55), cosmologia essa que é duramente criticada por ele. Porém também critica Copérnico por este ter reduzido suas descobertas a uma visão puramente matemática. Indo além da astronomia copernicana Bruno afirma que o centro do universo não está no sol ou na terra que, ele não se encontra em lugar algum ou em todos os lugares simultaneamente.
A tradição cristã anterior a Bruno, influenciada pela releitura de Aristóteles feita pelos escolásticos, concebia Deus como primeira causa, motor imóvel, um Deus transcendente que estaria numa realidade diferente das criaturas. Bruno, por sua vez, concebe a causa ou princípio primeiro não como os aristotélico-cristãos, e sim como princípio originário de todas as coisas, sendo por isso “mente por sobre as coisas”; fala também de um intelecto universal que na sua concepção panteísta, seria imanente e idêntico ao universo, podendo ser considerado, desta forma, o próprio universo. Com isso podemos dizer que, de certa maneira, Bruno diviniza o cosmos e a natureza.
Na concepção bruniana, o universo é considerado como um todo onde todas as coisas se movimentam, inclusive a terra. Esse movimento é produzido pela própria estrutura ontológica do universo. Como sinalizamos acima, Bruno acredita que todas as coisas contidas no universo possuem uma alma, sendo essa alma “o princípio vital, a fonte, a origem e a causa do movimento” (BARACAT FILHO, 2009, p. 57). Sua concepção de universo nesse sentido é monista, pois ele acredita que a alma e a matéria formam uma totalidade. Essa é uma diferença fundamental do universo de Bruno ante a concepção de universo aristotélica.
Contudo é bom que deixemos claro que “Bruno recusa a transcendência no sentido tradicional, mas não o papel da divindade na criação, que estaria estreitamente unida ao universo, onde todas as criaturas compostas de matéria são dotadas de animação em razão de sua participação na alma universal”. (BARACAT FILHO, 2009, p. 71).
Ainda sobre o universo, Bruno acreditava na existência de outros mundos infinitos como o nosso, contidos no universo infinito, frutos da infinita bondade divina: “o universo é infinito porque é bom que seja assim, tanto quanto a bondade divina não poderia criá-lo de outra forma, pois é da essência divina este bem” (BARACAT FILHO, 2009, p. 90).
Como dissemos, Bruno concebe o universo como infinito, mas é bom que deixemos claro que existe uma diferença entre a infinitude do universo e a infinitude de Deus. O Universo é todo infinito por não possuir limite, mas não totalmente infinito, pois é constituído de partes finitas, e os mundos nele contidos também o são. Deus é em si mesmo infinito e seus atributos também. Portanto, podemos afirmar com Bruno que Deus é totalmente infinito por causa de seus atributos infinitos e por estar ele inteiramente no todo e em cada uma das partes. Vejamos suas próprias palavras:
Eu considero o universo “todo infinito” por que não possui limite, nem termo, nem superfície; digo não ser o universo ‘totalmente infinito’ porque cada parte que dele possamos pegar é finita, e cada um dos inúmeros mundos que contem é finito. Digo que Deus é “todo infinito” porque exclui de si qualquer termo, e cada um dos seus atributos é uno e infinito; e digo que Deus é “totalmente infinito”, porque está inteiramente em todo o mundo, e em cada uma de suas partes, infinita e totalmente; ao contrário da infinitude do universo que reside totalmente no todo e não nas partes (…). (BRUNO, 1988, p. 21).
Por fim, poderíamos afirmar que na visão de Bruno, a infinitude do universo torna-se algo necessário, visto que o universo não poderia ser de outra maneira, uma vez que ele é causado por um princípio infinito e nada mais é que um reflexo do mesmo, apesar de ser infinito de um modo diferente.
Referências
BARACAT FILHO, Antônio Abdalla. O infinito segundo Giordano Bruno. [s.d.]. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2009.
BRUNO, Giordano. Sobre o infinito, o universo e os mundos. Tradução de Helda Barraco, Nestor Deola. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os Pensadores).
[1] Giordano Bruno nasceu em Nola, Itália, em 1548. Entrou para a ordem dos dominicanos onde durante dez anos viveu a vida conventual até doutorar-se em teologia em 1575. Tido como herege, foi condenado pelo tribunal da inquisição, sendo executado no campo das Flores em 1600.
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Caro Douglas!!! Parabéns, seu texto ficou bom.
Gostaria de deixar-lhe duas questões. No seu texto tem a seguinte frase:
A tradição cristã anterior a Bruno, influenciada pela releitura de Aristóteles feita pelos escolásticos, concebia Deus como primeira causa, motor imóvel, um Deus transcendente que estaria numa realidade diferente das criaturas. Bruno, por sua vez, concebe a causa ou princípio primeiro não como os aristotélico-cristãos, e sim como princípio originário de todas as coisas, sendo por isso “mente por sobre as coisas”.
Qual a diferença entre “primeira causa” para “princípio originário de todas as coisas” ?
O que seria “mente por sobre as coisas”? Pois no texto não ficou claro.
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Boa noite, Douglas, prazer em conhecê-lo e obrigado pela leitura da minha dissertação.
Quanto à dúvida do João Paulo, não é fácil respondê-la de forma sintética e foi objeto de acalorado debate na sessão de defesa da dissertação, pois a posição de Bruno varia de uma radicalização da transcendência até a imanência absoluta na relação entre Deus e Universo. Mas em resumo: para ele Deus é Causa Primeira de todas as coisas e sua relação com o Universo é a de um causador que não interfere na dinâmica soberana de sua perfeita criação. Neste sentido, Deus e Universo são uma totalidade única, mas Deus não se confunde com o Universo, sendo assima inletigência suprema, ou “mente por sobre as coisas”.
Abraço e estou à disposição para a troca de ideias.
Antonio A. Baracat Filho
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Primeiro parabéns pelo texto,excelente e muito didático. O pouco que sei sobre Giordano Bruno é o filme italiano sobre ele com o Gian Maria Volonté, por sinal excelente. Meu interesse maior é sobre história e a figura de Giordano bruno é maravilhosa justamente por seu pensamento ousado, sua paixão por suas idéias e sua coerência até na hora da fogueira. Baracat, existe alguma similaridade entre o pensamento de Giordano Bruno e o filósofo holandês Baruch de Spinosa? Gentileza me esclarecer. Obrigado e muito sucesso em 2012!
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Oi, Vane!
Giordano Bruno ainda é uma proscrito nos arraiais intelectuais e isso por dois motivos: do lado dos supostos espiritualistas, a interdição do cristianismo dogmático, ou seja, a recusa ao debate com os argumentos e proposições que ele apresentou contra o eclesiocentrismo (veja artigo de minha autoria, publicado no Jornal O TEMPO, de Belo Horizonte, em 19 de janeiro de 2012 em http://www.otempo.com.br/otempo/acervo/?IdEdicao=2285&IdNoticia=193394); do lado dos niilistas e outros materialistas pela óbvia razão de que sequer admitem a existência de Deus, que aliás lhes assegura o direito de exercer sua liberdade como bem entenderem, inclusive negando-O.
No entanto, dificilmente terá existido um filósófo que se deu às especulações metafísicas – bem entendido o sentido de metafísica -, como são os caso de Descartes, Pascal, Spinoza, Leibniz e outros, que não tenham lido pelo menos parte das obras de Giordano Bruno, e neste sentido há sinais claros da presença de Bruno na Filosofia de muitos dos pensadores que veiram depois dele, dentre os quais Spinoza. Sua percepção está correta.
Mas sugiro que, quando tiver tempo, baixe a minha dissertação que está disponível no site da CAPES e da UIFMG e leia, pois assim poderá aprofundar ainda mais no pensamento e na biografia de Bruno.
Obrigado pelo contato e pelo comentário.
Um abraço,
Antonio Abdalla Baracat Filho
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O universo é, necesariamente, infinito, porque Deus é infinito, e, portanto, tem que haver um infinito para caber a infinitude de DEUS…………………!!!!!!!!!!!
Ronaldo Figueiredo, Rio de Janeiro.