Ildeu da Cruz Sílvio
No presente artigo, partiu-se de uma hipótese: a de que se faz necessário um novo filosofar. Como filosofar na contemporaneidade? É possível tal filosofia? Se é possível, como esta deve se constituir? Para tanto, tem-se como objetivo neste artigo a compreensão de conceito e de plano de imanência na obra O que é filosofia? de Deleuze e Guattari. Eles propõem entender o que seria fazer filosofia a partir de alguns conceitos como: conceito, plano de imanência, personagem conceitual e problema. Mas serão destacados neste artigo apenas os dois primeiros, uma vez que estes são centrais para o fazer filosófico deleuzoguattariana.
Deleuze e Guattari iniciam a sua obra O que é filosofia? afirmando que “não há conceitos simples. Todo conceito tem componentes e se define por eles. Tem, portanto uma cifra. É uma multiplicidade, embora nem toda multiplicidade seja conceitual.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.23) Tudo isso para afirmar que não existem conceitos sozinhos, pois todo conceito tem sempre um componente e este sempre nos remete a outro conceito. Daí já se pode concluir que, para eles, fazer filosofia é criação de conceitos. Isso não é algo particular de sua filosofia, mas que está presente em toda a história da filosofia.
Segundo Schopke (2004, p.131) eles “(…) não deixam margem para dúvida: a filosofia não é uma simples arte de inventar, de produzir os conceitos, ela é uma disciplina rigorosa, que tem como função primordial a criação de novos conceitos.” (SCHOPKE, 2004, p. 131) Com relação ao plano de imanência, pode-se dizer que este é o lugar em que os conceitos se distribuem sem romper-lhe a integridade, a sua continuidade. Com o se fosse um deserto em que os conceitos povoam e é ele que dá o suporte para os conceitos. Cabe agora se perguntar o que exatamente é um conceito? O que significa criar conceitos? Qual a função do conceito? Qual o lugar do conceito no plano de imanência? Qual a relação entre conceito e plano de imanência?
Agora o que cabe é tentar responder a esses questionamentos. Com relação à primeira questão: Este
(…) é, portanto, ao mesmo tempo absoluto e relativo: relativo aos seus próprios componentes, aos outros conceitos, ao plano a partir do qual se delimita, aos problemas que se supõe deva resolver, mas absoluto pela condensação que opera, pelo lugar que ocupa sobre o plano, pelas condições que impõe ao problema. (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.29).
Além do mais, os filósofos franceses irão dizer que o conceito é também “um incorporal, embora se encarne e se efetue nos corpos.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.29) que o conceito sempre diz o acontecimento. Segundo Schopke o conceito “como incorporal, o conceito tem uma espécie de “subsistência” ou “insistência” no tempo (…) e como todo acontecimento, ele tem uma dualidade: ele aponta, ao mesmo tempo para as proposições (sem as quais ele não seria possível de expressão) e para os corpos (nas suas efetuações espaço-temporais).” (SCHOPKE, 2004, p.140) Tudo isso para dizer que sempre o conceito vai dizer o acontecimento, é um acontecimento, sendo assim, se não diz a essência ou a coisa, mas diz o evento, o conceito é sempre devir.
Outra característica do conceito é o fato dele possuir uma história, apesar de ser sempre singular, ele nunca será um conceito sozinho, pois sempre guardará em si componentes advindos de outros conceitos. O que ocorre é justamente recortar, demarcar e delimitar um novo problema, de tal jeito que o conceito assuma novas formas, ou seja, possui agora uma nova ambiência.
Diante do dito, fica perceptível que um conceito nunca será sozinho devido ao fato de que um sempre remete a outro e assim até o infinito, pois, como já afirmado acima, o conceito tem um devir, além de ter vindo de outro conceito e este veio de outro e assim continua, ou seja, ele é uma multiplicidade. Assim afirmam Deleuze e Guattari: “Num conceito, há, no mais das vezes, pedaços ou componentes vindos de outros conceitos, que respondiam a outros problemas e supunham outros planos.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.26) Não se pode esquecer ainda de que entre os conceitos há uma ligação apesar de permanecerem distintos, algo de indiscernível existe entre os dois. Um domínio A e B se tornam indiscerníveis, são estas zonas ou inseparabilidade que dá consistência interna ao conceito. Portanto, um domínio AB pertence tanto a A quanto a B, desse modo A e B se tornam indiscerníveis. No entanto, eles têm um exoconsistência com outros conceitos. ( DELEUZE; GUATTARI, 1992)
Com relação ao segundo questionamento, pode se afirmar que criação de conceitos é feita justamente a partir do levantamento de questionamentos, problemas, idéias que um filósofo vai colocando. Desse modo, um filósofo cria um conceito para responder, e remeter a um problema e assim tentar responder a eles, como afirma Schopke (2004, p.133): “os conceitos apontam sempre para outros conceitos.”
Segundo Leite,
Sem dúvida, formular conceitos sem problemas a serem resolvidos é uma tarefa inútil, desagradável, visto que se ganha em trivialidade ao criar pelo simples fato de criar sem nada a resolver. Os conceitos devem ser colocados de modo coerente, ou seja, remetendo-se a problemas, pois estes são o sentido da invenção conceitual; assim, deve-se criar conceitos para solucionar problemas que se considera mal vistos ou mal colocados pela filosofia.
Além do mais, criar conceitos é justamente colocar um pensamento, uma problemática dentro de um plano de imanência sem buscar uma referência fora deste, apesar de terem ligação com outro conceito. Como já se sabe, dentro da filosofia de Deleuze e Guattari um plano sempre responde a um conceito e vice e versa.
Sendo assim, a criação de conceitos é um ato da filosofia segundo Deleuze e Guattari, mas para tanto é necessário que se instaurem planos de imanência para que os conceitos sejam criados. Porém, um não deve ser confundido com o outro, pois “os conceitos e o plano são estritamente correlativos, mas nem por isso devem ser confundidos. Por conseguinte, o plano de imanência não é um conceito, nem o conceito de todos os conceitos.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.45)
Esta é uma das características do fazer filosófico de Deleuze e Guattari que necessariamente precisa ser destacado, a saber: o construtivismo e este segundo os autores em questão afirmam que ele “(…) tem dois aspectos complementares, que diferem em natureza: criar conceitos e traçar plano. Os conceitos são como as vagas múltiplas que se erguem e que se abaixam, mas o plano de imanência é a vaga única que os enrola e desenrola.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.45). Diante disso, Pelloso diz: “(…) o filósofo precisa se tornar um construtor-criador.” (A imanência como lugar de ensino da filosofia). Este filósofo pode ou não criar um pensamento que subverta toda uma antiga ordem, entretanto cria conceitos e em seu plano de imanência este conceito criado existe independentemente do mundo fora dele. (C.f SCHOPKE, 2004, p.137
Assim pode-se passar para a outra questão que é a função do conceito. Pode-se dizer que este tem como pretensão permear o plano de imanência. Com relação ao último questionamento o que se pode afirmar é que o conceito tem por finalidade preencher todo o plano, uma vez que para cada plano de imanência existe um conceito. Por conseguinte, ele tem por função responder ao problema ali colocado.
Poderia se perguntar, Para que assim se entenda melhor a relação intensa que existe entre o plano de imanência e o seu conceito. O que significa um “plano de imanência” na filosofia deleuzoguattariana? O plano de imanência é fundamental para a criação filosófica, portanto ele é o solo e ao mesmo tempo horizonte da produção de conceitos. Segundo Regina “(…) um conceito não pode ser completamente entendido fora do plano que lhe dá consistência e vida própria, apesar de que se deve ter cuidado para não confundi-lo com o próprio plano. O conceito não existe fora dele, embora não possa ser distinto dele. O conceito é como um raio que corta o céu cinzento; o raio não é o céu, mas também não existe fora desse mesmo céu. Na verdade um não pode ser visto sem o outro, ainda que sejam distintos um do outro.” (SCHOPKE, 2004, p.139). Portanto, não se pode confundir os dois, pois só há conceito no plano e só há plano povoado por conceito. “Os conceitos são acontecimentos, mas o plano é o horizonte dos acontecimentos, o reservatório ou a reserva de acontecimentos puramente conceituais.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992,p.46)
Ainda a respeito do plano de imanência pode-se dizer que ele é também um “Uno-Todo”, ou seja, é ele que compreende todos os conceitos, por isso, se pode dizer que se a filosofia tem seu início com a criação de conceitos, o plano de imanência deve consequentemente ser considerado como pré-filosófico pelo fato de que para existir um conceito ele tem que ter como pressuposto um plano de imanência, nenhum conceito pode ser criado ao léu. Como afirma Deleuze: planômeno é como se fosse uma mesa, “(…) não é um conceito, nem o conceito de todos os conceitos (…)” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.45), é o lugar onde os conceitos são constituídos. Além do mais, esse pré-filosófico pode ser entendido como anterior a filosofia, no entanto, ele é uma condição necessária para que a filosofia exista. Por conseguinte, pode se afirmar que conceito e plano nascem juntos. Assim, filosofia é criação de conceitos e instauração de planos. Diziam Deleuze e Guattari: “O conceito é o começo da filosofia, mas o plano é a sua instauração. (…) é o plano de imanência que constitui o solo absoluto da filosofia (…) sobre os quais ela cria seus conceitos. Ambos são necessários, criar conceito e instaurar o plano, como duas asas ou duas nadadeiras.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.52)
Diante do dito acima, fica mais fácil perceber a grande proposta dos filósofos franceses. Um filósofo sempre irá criar conceito ou conceitos, mas para tanto é necessário o plano de imanência. Este é o fazer filosófico deleuzoguattariano, a proposta de uma nova filosofia, para ser mais preciso uma geo-filosofia que seja localizada, que irá responder a um problema de um determinado lugar, ou até mesmo problemas que outros filósofos colocaram. Não há como usar conceitos diferentes em lugares diferentes. Eis a originalidade da atividade filosófica de Deleuze e Guattari, a criação conceitual. Portanto, quem se proponha a fazer filosofia deve ter como pressuposto criar conceitos e traçar planos de imanência.
Mas mesmo diante desta conclusão, como ficará a filosofia a partir de agora se cada filósofo cria o seu conceito dentro de seu próprio plano de imanência? A filosofia se tornará relativista? Se com a filosofia de Deleuze não se pode falar de uma “verdade” que seja universal, como ficará tal conceito? Como os filósofos farão para discutir se cada um está em um plano de imanência diferente? Haverá uma sustentabilidade para a filosofia doravante?
Referências
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia?. Tradução Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992.
GELAMO, Pelloso Rodrigo. A imanência como “lugar” de ensino da filosofia. Educação e pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, p.127-137. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext>. Acesso em: 27 maio 2011.
LEITE, Fernandes B. Costa Alexandre. Auto-referência do conceito e solilóquio da filosofia. Consciência. Disponível em: <www.consciencia.org/deleuzeowl.shtml >. Acesso em: 27 maio 2011.
SCHOPKE, Regina. Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensamento nômade. São Paulo: Edusp, 2004.