Delvanir Maurílio
Muitos foram os filósofos que questionaram, de diversos modos, sobre o fim da filosofia. Mas, ao perpassar pelo pensamento filosófico e sendo influenciado por Edmund Husserl, o filósofo Martin Heidegger foi um dos primeiros pensadores que, com sua contribuição, favoreceu uma das mais complexas reflexões filosóficas da metafísica clássica e teórica para a modernidade, sobretudo em relação ao fim da filosofia e a tarefa do pensamento. De acordo com o tema proposto, o presente artigo tem como finalidade esboçar em alguns parágrafos o fim da Filosofia e a Tarefa do Pensamento na perspectiva heideggeriana. Nesta ótica se proporá uma reflexão sobre o mundo científico e a filosofia clássica, ou seja, sobre o fato de um olhar atento às novas ciências que estão transformando a filosofia clássica em técnicas instrumentais.
Heidegger deu sua contribuição questionando sobre a validade da tradição filosófica (a começar pela metafísica clássica) que, ao longo da historia do pensamento, foi o caminho para que se pudesse chegar a uma reflexão sobre o ser. Ao se deparar com as revoluções da modernidade, Heidegger percebe que a teoria filosófica clássica do discurso metafísico sobre o ser já não mais corresponde, com tanto exímio, as novas técnicas da modernidade que aponta para novos paradigmas. O filósofo se questionou sobre qual seria a forma que o pensamento filosófico ocuparia na contemporaneidade, quando já não se encontra mais espaço para a metafísica platônica.
Com a crise ou o fim da modernidade, as problemáticas filosóficas vão surgindo e com elas se destacam o fim da filosofia e a tarefa do pensamento. A teoria filosófica sobre a ontologia do ser metafisico platônico começa a dar lugar à técnica instrumental. “Em Marx, ela deveria chegar ao fim através da transformação da filosofia em mundo de sua “supressão” na “práxis” (STEIN, 1979, p.67). Para Marx, era preciso uma nova filosofia que correspondesse às novas exigências de sua época. Talvez ele tenha se enganado com o papel da filosofia de sua época como outro que resumia a filosofia em linguagem como aparecem: “Em Wittgenstein a filosofia deveria assumir, de uma vez, sua única função: realizar a terapia da linguagem. Cumprindo tal trabalho ela “desapareceria” (STEIN, 1979, p.67).
Para Heidegger, deve-se pensar no fim da filosofia não como um limite, ou seja, um ponto final, mas como algo que está em constante movimento, de um lugar ao outro:
Pelo contrário, quando falamos de um fim da filosofia queremos significar o acabamento da metafísica. Acabamento não quer dizer, no entanto, plenitude no sentido que a filosofia deveria ter atingido, com seu fim, suprema perfeição. Falta-nos apenas qualquer medida que permitisse estimar a perfeição de uma época da metafísica em comparação a outra. Não há mesmo nada que possa justificar tal maneira de proceder. O pensamento de Platão não é mais perfeito que o de Parmênides. A filosofia hegeliana não é mais perfeita que a de Kant. Cada época da filosofia possui sua própria necessidade. Que uma filosofa seja como é, deve ser simplesmente reconhecido. Não nos compete preferir uma a outra, como é possível quando se trata das visões do mundo (HEIDEGGER, 1979, p.72).
Vale ressaltar que, para Heidegger, o pensamento de um filósofo não é mais importante do que o pensamento de outro. Ambos devem ser respeitados em suas respectivas teorias, sobretudo quando se refere a filosofia ao mencionar a metafísica. Outro aspecto que vale destacar é que a filosofia platônica permanece intrigante em toda a história do pensamento filosófico. “A metafísica é platonismo. Nietzsche caracterizou sua filosofia como platonismo invertido” (HEIDEGGER, 1979, p.72). E para Heidegger essa filosofia platônica não corresponde mais à modernidade com suas técnicas às quais ele se refere como ciência cibernética .
Os novos avanços nas ciências modernas levaram a filosofia a perder seu espaço ou chegar ao seu fim por se transformar em ciências empíricas. Com a autonomia das novas ciências, como a psicologia, antropologia cultural e as ciências empíricas, fica mais difícil pensar em uma metafísica platônica, porque o modo de pensar o ser em proposto por Platão foi ficando esquecido pelos modernos, que estão a procura de resposta imediatas ou de uma filosofia que sirva de autoajuda aos parâmetros de seu tempo.
Diante desse novo caráter experimental de filosofia cientifica, as novas ciências revelam sua autonomia e independência diante da filosofia clássica, que aos poucos vem perdendo suas forças.
O desenvolvimento das ciências é, ao mesmo tempo, sua independência da filosofia e a inauguração de sua autonomia. Este fenômeno faz parte do acabamento da filosofia. Seu desdobramento está hoje em plena marcha, em todas as esferas do ente. Parece a pura dissolução da filosofia; é, no entanto, precisamente seu acabamento (HEIDEGGER, 1979, p.72).
No pensamento de Heidegger, as novas ciências vão se difundindo em novas técnicas instrumentais como meios de ações humanas que transforma a linguagem em um meio de comunicação através de mensagens. Essa técnica possibilita ao homem controlar o mundo de forma que permita o acabamento legítimo da filosofia.
“Heidegger acha que a filosofia enquanto metafisica, ou seja, enquanto pensamento fundante já encontrou na inversão que Max efeituou no pensamento de Hegel a última possibilidade de realização” (OLIVEIRA, 1989, p.128). Nessa perspectiva, os modernos teria que reinventar uma nova filosofia que pense em si mesma como afirma Husserl “não é das filosofias que deve partir o impulso para pesquisa, mas das questões e dos problemas” (HEIDEGGER, 1979, p.75). Caberia, no entanto, à filosofia se preocupar com suas questões e discutir o seu próprio fim, discutir o seu próprio pensamento filosófico.
Para Heidegger, a filosofia como metafísica, como solução última em resposta ao universo filosófico pode não ser possível, porque os filósofos se esqueceram do ser metafísico de Platão ao trilhar outros caminhos filosóficos. Talvez seria necessário não só pensar em um novo paradigma como também voltar as atenções sobre as novas ciências que estão revolucionando o mundo devido aos fins práticos de autoajuda imediata.
Afinal, a proposta de Heidegger em relação ao fim da filosofia foi acreditar que o conceito de alétheia pode ajudar a reflexão sobre o fim da filosofia e a tarefa do pensamento. Ainda mais, o filósofo deve entender que a metafísica de Platão fala da luz da razão e não da clareira como um feixe de luz entre os galhos de uma floresta. Este conceito da clareira deve ser usado para que se compreenda o ser que, por sua vez, pode, ao mesmo tempo, se desvelar e se ocultar.
Uma das propostas de Heidegger é como pensar – na modernidade – um novo modo de se falar sobre o ser que possa contribuir com o pensamento filosófico. É possível atribuir uma tarefa ao pensamento diante dos novos desafios de uma ciência que pode destruir seu próprio princípio? Caso não seja, para Heidegger, será mesmo o fim da filosofia e da tarefa do pensamento, tendo como resgate alétheia e clareira como apresentamos em concernência com o autor.
Referências
HEIDEGGER, Martin. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento. Trad. Ernildo Estein. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os pensadores).
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1989.
STEIN, Ernildo. Nota do tradutor. In: HEIDEGGER, Martin. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento. Trad. Ernildo Estein. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os pensadores).
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