Alex Cristiano dos Santos
Introdução
Pelo presente artigo abordar-se-á a concepção humeana a respeito da possibilidade de ocorrência de milagres, baseando-se fundamentalmente na seção X “Dos milagres” de sua obra “Investigação acerca do entendimento humano” e em alguns comentadores. Para Hume o milagre é uma violação das leis da natureza, utilizado pelas religiões para sua autoafirmação e fundamentado primordialmente em testemunhos. Um dos problemas de sua fundamentação encontra-se na passagem entre percepção sensorial e testemunho. Quanto maior a distância entre percepção sensorial e testemunho maior é a perda de importantes detalhes que poderiam elucidar os acontecimentos. Tais perdas se dão pelo processo rememorativo na medida em que o testemunho se distancia da experiência. As leis da natureza são fundamentadas em experiências firmes sendo, portanto, invioláveis. Se houvesse possibilidade de violação de tais leis, elas não seriam realmente leis da natureza.
David Hume designa por milagre os eventos miraculosos que violam as leis da natureza e por extraordinários os eventos que não ocorrem com frequência, mas não violam tais leis.
Segundo Hume, as leis da natureza fundamentam-se em experiências firmes e são, portanto, invioláveis. Tais leis são constituídas através de dados captados pela experiência e transformados em conhecimento empírico. Todo acontecimento observável contraposto às leis da natureza resultam num índice de probabilidade de ocorrência de tais acontecimentos (HUME, 2001, p. 46). Segundo Hume existe a possibilidade da ocorrência de acontecimentos pouco frequentes, mas que não quebram as leis da natureza. Tais leis são de impossível violação, pois se fossem violáveis não seriam, portanto, leis da natureza. Com isso, para Hume, torna-se impossível a ocorrência de milagres, ou seja, a ocorrência de qualquer tipo de evento miraculoso que viole tais leis.
Milagre, experiência e probabilidades
Utilizando a terminologia de Hume, milagre é um evento miraculoso, evento que viola as leis da natureza, as experiências naturais baseadas nessas leis, diferentemente de eventos raros e que não ocorrem com frequência, mas que não violam tais leis, eventos esses, segundo Hume, chamados extraordinários.
Segundo Hume (2001, p. 48), na observação dos acontecimentos, “devemos dar preferência aos [argumentos] que se fundam sobre maior número de experiências passadas. Porquanto, procedendo segundo esta regra, rejeitamos rapidamente um fato raro e inacreditável em escala ordinária”.
Na seção X das “Investigações sobre o entendimento humano”, Hume argumenta que todo conhecimento fundamentado empiricamente possui maior valor que qualquer testemunho que venha a sustentar qualquer suposto milagre (FIESER, 2001, p. 5).
Fundamentação do milagre
Para Hume, o milagre é um meio utilizado para difusão do sagrado, difundido principalmente entre bárbaros e ignorantes como mecanismo de estabelecimento das religiões. O possível esclarecimento pelos doutos acaba tornando-se impossível devido à desatenção inicial com relação aos acontecimentos. Quando se interessam por revelar a farsa, a documentação e as testemunhas necessárias para tal já acabaram por se perder no tempo, o que impossibilita sua elucidação. (HUME, 2001)
Um dos problemas encontrados na fundamentação dos milagres é a diferença entre a percepção sensorial e o testemunho. O distanciamento temporal entre percepção sensorial e testemunho resulta na perda de importantes detalhes que poderiam esclarecer os acontecimentos devido às perdas do processo memorativo à medida que tal se distancia da experiência. (HUME, 2001, p. 45)
Portanto, segundo Hume, não há testemunho suficiente para comprovar qualquer milagre, porque a distancia temporal e a passagem entre experiência e relato ocultam dados que poderiam esclarecer o suposto “milagre” como evento natural de rara frequência ou acontecimento fraudulento.
O milagre e as leis naturais
Na concepção humeana, o milagre é uma violação das leis da natureza e, se tais leis da natureza pudessem ser violadas, isto apenas mostraria que não eram realmente leis. Para que as leis da natureza realmente o sejam é necessário que se baseiem em “experiência firme e inalterável” (CHAVES, 1978, p. 3) sendo assim invioláveis. Portanto, é impossível que haja milagres.
Hume (2001, p. 47) acrescenta: “Um milagre é uma violação das leis da natureza; e como uma experiência constante e inalterável estabeleceu estas leis, a prova contra o milagre, devido à própria natureza do fato, é tão completa como qualquer argumento da natureza que se possa imaginar”.
David Hume e os milagres
Segundo o pensamento exposto na seção X “Dos milagres” na obra “Investigação acerca do entendimento humano”, Hume declara impossível a crença em milagres que, segundo a sua concepção, seriam violações das leis da natureza. A seção X “Dos milagres” se divide em duas partes: na primeira parte, Hume diz que “a experiência uniforme das leis da natureza tem mais valor que o testemunho de qualquer suposto milagre”. (FIESER, 2001, p. 5) Na segunda parte, Hume faz quatro contestações contra os testemunhos de milagres: (1) Integridade das testemunhas; (2) propensão ao sensacionalismo; (3) capacidade intelectiva dos povos; (4) suporte religioso. (FIESER, 2001, p. 5)
Hume apoia-se nas leis da natureza para evidenciar seu argumento de que qualquer evento de ordem miraculosa – milagre – que rompa com tais leis, aproxima-se mais da velhacaria e desonestidade que da veracidade dos fatos, concluindo seu pensamento com a impossibilidade da ocorrência de milagres.
Portanto, David Hume concebe a possibilidade de ocorrência de eventos extraordinários, ou seja, eventos de rara frequência, mas que não violam as leis da natureza, mas não a possibilidade do acontecimento de eventos miraculosos – milagres. Para Hume é impossível à ocorrência de qualquer evento miraculoso – milagre, pois tais eventos violariam as leis da natureza e tais leis são invioláveis, pois se não o fossem não seriam realmente leis da natureza.
Referências
CHAVES, Eduardo O. C. Milagres, a história e a ciência: uma análise do argumento de Hume. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/milagre.htm. Acesso em: 13 fev. 2012.
FIESER, James. Escritos sobre religião. The Internet Encyclopedia of Philosophy. Tradução de Jaimir Conte. 2001. Título original: Writings on Religion. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~conte/txt-fieser2.pdf. Acesso em: 13 fev. 2012.
HUME, David. Dos milagres. In: ______. Investigação acerca do entendimento humano. p. 45 – 54. Tradução: Anoar Aiex. Disponível em: br.egroups.com/group/acropolis/. Acesso em 13 fev. 2012.