Carlos Heitor Fideles¹
Pensar Deus sempre foi um desafio para a Filosofia. Muitos foram os que fizeram de Deus objeto de seu pensamento, porém poucos conseguiram tratar de Deus racionalmente com a profundidade de Tomás de Aquino. Neste trabalho buscaremos apresentar a compreensão de Tomás acerca da essência e da existência de Deus, mostrando como ele as compreende e como as articula.
Na pesquisa metafísica o problema da existência e da essência sempre se fez presente, fazendo com que diversos posicionamentos se confrontassem na busca em oferecer uma resposta satisfatória. Se ao tratar da essência das coisas cuja existência parece evidente ainda há discordância no que concerne a essência e a relação desta com a existência, quanto mais ao tratar dos mesmos problemas, mas quanto a Deus, cuja existência não é tão evidente.
O primeiro problema ao qual Tomás se vê obrigado a responder é quanto à existência de Deus, que como dito, não parece ser tão evidente. O próprio Tomás (Suma Teológica I, q.2, a.1. RESP.) afirma que “como não conhecemos a essência de Deus, esta proposição não é evidente para nós”. Essa proposição deixa claro quão próximos são a existência e a essência de Deus, visto que pela afirmação de Tomás, é justamente por não se conhecer a essência de Deus que não se pode também afirmar a evidência de sua existência. Todavia, Tomás não se dá por satisfeito com essa ideia de que a existência de Deus não é evidente e busca provar que de fato Deus existe, dizendo que “Pode-se provar a existência de Deus, por cinco vias.” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica I, q.2, a.3. RESP) Porém, não é do intento do presente trabalho detalhar as vias propostas por Tomás, apenas acenar para essa solução de Tomás quanto ao problema de existência de Deus.
Passada a questão da existência de Deus, Tomás vê a necessidade de discorrer sobre a essência de Deus. Uma pergunta que se coloca neste momento é se em Deus a existência precede a essência ou a essência precede a existência. Antes de buscar apresentar a solução para esse problema da anterioridade da essência ou da existência, é preciso demonstrar o caminho que Tomás percorre antes de propor uma solução ao problema anteriormente citado.
Tomás entende que Deus é ato puro de existir, sendo simples e não composto de nada. Primeiro Tomás busca demonstrar que em Deus não existe um corpo. O próprio Tomás (Suma Teológica I, q.3, a.1, RESP.), a esse respeito, assim afirma: “É preciso dizer de modo absoluto: Deus não é um corpo”. Completa ainda esta afirmação, o que Tomás afirma ao dizer da impossibilidade de em Deus existir uma composição de matéria e forma, dizendo que “É impossível haver em Deus alguma matéria. 1. Porque a matéria é o que está em potência. Já se demonstrou que Deus é ato puro”. (Suma Teológica I, q..3, a.2, RESP.) É precisamente neste ser incorpóreo, que se encontram, ao mesmo tempo, o problema e o princípio da solução apresentada por Tomás. Se encontra o problema, uma vez que, como dito antes, nos seres corpóreos é mais fácil identificar a existência e a relação desta com a essência. Mas ao mesmo tempo se encontra o princípio de solução uma vez que a partir deste ato puro de existir que Tomás irá resolver o problema da existência e da essência de Deus.
Na compreensão de Tomás de Aquino, em Deus não há uma anterioridade nem da existência e nem da essência, mas sim uma coincidência. Visto que Deus é ato puro de existir, não havendo nele composição, somente “afirmando a completa identidade entre essência (essentia) e existir (esse) em Deus, que alcançaremos a absoluta simplicidade divina.” (SOUZA, p.6-7). Desse modo, percebe-se que somente procedendo pelo caminho percorrido por Tomás, de afirmar a identidade da existência e da essência de Deus é que se pode satisfazer a condição de ato puro de ser de Deus. Tomás (O ente a essência, 61) afirma que “há algo, como Deus, cuja essência é seu próprio ser”. Em outro passagem, Tomás (Suma Teológica I, q.3, a.4, RESP.) diz que “Deus não somente é sua essência, como foi demonstrado, mas também seu ser”.
Afirmado que em Deus essência e existência coincidem, Tomás busca mostrar as razões pelas quais formula sua ideia. A partir da ideia de que Deus é causa sui, Tomás tenta mostrar que precisamente por essa condição de Deus, nele essência e existência precisam coincidir
“o que existe em algo que não pertence à sua essência tem de ser causado ou pelos princípios da essência […] ou por algo exterior […]. Portanto, se o próprio ser de uma coisa é distinto de sua essência, é necessário que este ser seja causado ou por algo exterior ou pelos princípios essenciais dessa coisa. É impossível, no entanto, que o ser seja causado apenas pelos princípios essenciais da coisa;[…] É preciso, pois, que o que tem o seu ser distinto de sua essência, o tenha causado por um outro. Ora, não se pode dizer isso de Deus, porque dizemos que Ele é a causa eficiente primeira. Logo, é impossível que em Deus uma coisa seja o ser e outra a essência. (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica I, q.3, a.4, RESP)
Outro ponto levando e consideração por Tomás em sua argumentação é em relação a categoria aristotélica de ato e potência. Para ele, se a essência e a existência não coincidirem em Deus, seu ser será entendido como atualização de uma potência em relação a sua essência, mas em Deus nada há de potencialidade. A esse respeito, Tomás (Suma Teológica I, q. 3. a.4. RESP) diz que
o ser é a atualização de qualquer forma ou natureza. […]É preciso então que o ser seja referido à essência, que é distinta dele, como o ato em relação à potencialidade. E como em Deus nada é potencial, […] segue-se que nele a essência não é distinta de seu ser. Sua essência é, portanto, seu ser.
Tomás discorre ainda sobre a participação no ser. Para ele Deus é o ser e não um ente por participação. Caso Deus fosse um ente por participação ele não seria um ente por essência. “se [Deus] não fosse seu próprio ser, Ele seria um ente por participação, e não por essência. Não seria então o primeiro ente, o que é um absurdo. Logo, Deus é o seu ser, e não apenas sua essência” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica I, q.3, a.4, RESP)
Enfim, nota-se que Tomás de Aquino realiza um esforço racional em solucionar de modo satisfatório o problema da existência e da essência de Deus. O modo como Tomás responde a esse problema é um modo bastante coerente com todo o seu pensamento. Além disso, a riqueza do pensamento de Tomás contribui para pensar Deus também no período posterior ao “doutor angélico”, muito por causa da profundidade da reflexão Tomista.
Referências
AQUINO, Tomás. O ente e a essência. Tradução Carlos Arthur do Nascimento. Petrópólis: Vozes, 1995.
_____. Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. v. I.
CAMPOS, Sávio Laet de Barros. O Esse de Deus em Tomás de Aquino. Disponível em <http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Esse_Deus.pdf>. Acesso em 29 mai. 2015.
Notas
¹ Graduando em filosofia na FAM