Antônio Marcos Maciel Ferreira[*]

 Resumo: O Argumento Ontológico da existência de Deus foi pensado, primeiramente, por Anselmo de Aosta, Arcebispo de Cantuária e uma das principais figuras do pensamento escolástico. O Argumento Ontológico está presente na Obra Proslogion (1078) na qual Anselmo mostra que Deus é o ser do qual não se pode pensar nada maior e, também, que é impossível pensá-lo não existente. À luz da fé e da razão, Santo Anselmo mostra aos insipientes a existência de Deus.

INTRODUÇÃO

O Argumento Ontológico da existência de Deus foi pensado, primeiramente, por Anselmo de Aosta, prior do Mosteiro de Bec, eleito Arcebispo de Cantúária em 1093 e uma das principais figuras do pensamento escolástico.  Anselmo quis atender ao pedido dos Monges para elaborar uma argumentação totalmente racional, sem depender das Sagradas Escrituras, e que fosse capaz de provar a existência de Deus; o pedido dos monges levou Anselmo a escrever a sua primeira obra chamada de Monologion, publicada em 1077. Esta obra atendia o pedido dos Monges, mas estava muito complexa devido ao entrelaçamento das argumentações, fator este que o levou a escrever no ano seguinte, em 1078, a obra Proslogion, cujo coração é o argumento ontológico, argumentos “válidos por si e em si” e escritos para aqueles que não creem em Deus. Apresentaremos neste artigo, de forma sintética, os principais aspectos destes argumentos, apresentando, primeiramente, alguns pontos fundamentais e, posteriormente, uma breve análise dos mesmos.

  1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DEMONSTRAÇÕES ONTOLÓGICAS

Segundo Alain de Libera, autor do livro Filosofia Medieval, o século XI é reconhecido por vários estudiosos como o século em que aconteceu o nascimento de uma verdadeira Filosofia Medieval; aqui também queremos recordar algumas figuras importantes que se destacaram profundamente neste período do medievo[1] como Chartres, Lanfranco e, sobretudo, o filósofo o qual analisamos nesta obra acadêmica, Anselmo de Aosta. Um período marcado por vários eventos importantes que, ao tentarmos enumerá-los, podemos nos esquecer de alguns, mas queremos destacar aqui, fundamentados nos estudos de Libera, a forma especulativa adotada neste período, sobretudo na interpretação da famosa obra Órganon do filósofo antigo, Aristóteles; as diversas mudanças no cenário político, social, intelectual e religioso.

É nesse mesmo contexto, marcado por diversas situações, que encontramos Santo Anselmo, o encontramos no século XI, um século “rico em individualidades de toda espécie, de Berengário de Tours a Pedro Damião, é um século de teólogos versados nas artes da linguagem que redescobrem Aristóteles e fazem uma análise sistemática dos fragmentos do Órganon”. (LIBERA, 1998, p. 282).

Houve, em determinados momentos da história, a afirmação equivocada que consistia em dizer que fé e razão não poderiam andar juntas, ambas eram separadas; esse pensamento foi anulado por muitos pensadores ao dizer que fé e razão andam, sim, juntas, e ambas se complementam; a fé não suprime a razão nem a inteligência, mas acontece justamente o contrário, ambas se despertam e se tornam ainda mais precisas.

A vida de fé, de certo modo, provoca na pessoa uma série de sentimentos que o faz ter sede de compreensão daquilo que se busca, é certo que ninguém ama aquilo que não conhece; se se ama, desejamos aprofundar no objeto amado e “apossar-se espiritualmente dele mediante a compreensão”, é nesse sentido que dizemos que Anselmo deixou-se guiar por este desejo de compreensão e formulou a prova puramente racional da existência de Deus.

Em suas obras, Anselmo nos diz que é negligente aquele que, uma vez confirmado na fé, não busca conhecer aquilo que diz amar. A partir de agora nos ocuparemos em apresentar, de fato, os argumentos ontológicos[2] apresentados por Anselmo para provar a existência de Deus.

  1. O CAMINHO ANSELMIANO DA EXISTÊNCIA DE DEUS

Primeiramente, Anselmo parte da concepção de que de Deus não se pode pensar algo que seja maior, aqui temos um aspecto importante que consiste em dizer que Deus não é o ser maior, mas o ser maior que eu posso pensar. “Ens perfectíssimum (ser perfeitíssimo). Deus é aquele ser tão perfeito, perfeitíssimo, que deve ser incluída na sua perfeição, aquela perfeição que é a existência”. (TOMATIS, 2003, p. 18) Muitos estudiosos consideram que esse termo “maior” não se refere a uma grandeza espacial, mas a ordem do ser, Deus é maior do que todos os seres porque ele é maior do que os mesmos na ordem do ser, ele é perfeitíssimo.

Observo que o termo “maior” que Santo Anselmo usa, não deve, claramente, se referir a algo espacial, mas se trata de maior ordem do ser. (Poderíamos talvez, entendendo-a bem, usar a palavra “grandeza” para caracterizar o que Santo Anselmo chama de “grande”). Ou seja, um ser é tanto maior, quanto “mais de ser” ele tem. Ou ainda, um ser é maior que outro se ele for mais perfeito. Assim, neste sentido, o ser humano é “maior” que qualquer planta. (FERREIRA, 2011, p.1)

O que há na minha mente que eu tenho como algo maior? Seja qual for a resposta, Deus é o ser do qual não se pode pensar nada de maior; essa afirmação é compreendida até mesmo pelo insensato, o fato de o insensato compreender isso significa para nós que ele está no pensamento. Também levemos em consideração a passagem da via do pensamento para a realidade; a existência de Deus independe do nosso pensamento. Se Deus existisse apenas no pensamento, ele não seria o ser do qual não se pode pensar nada de maior, pois, o ser perfeito é aquele que existe no pensamento e na realidade. O argumento ontológico de Santo Anselmo é resumido por Javier Leach da seguinte forma:

Se o maior dos seres que se pode pensar não existir necessariamente, não é de fato o maior dos seres que se pode pensar. Portanto, Deus tem que existir, porque do contrário, a lógica se tornaria absurda. ‘Se existe somente na mente, pode ser pensado existindo também na realidade, que é maior. (FERREIRA, 2011, p. 2)

Para a construção deste argumento Anselmo percorre o seguinte caminho: pensa no ser que se quer negar, e depois nega, de fato, o ser pensado. Neste segundo caminho que o insipiente nega o ser, ele acaba afirmando a existência do mesmo; o ser maior é aquele que existe no pensamento e na realidade, quando o insipiente nega a existência desse ser maior, ele compreende tal expressão a qual nos diz que não se pode pensar nada maior e, por essa razão, ao pensar nesse ser maior e tentar negá-lo, automaticamente se afirma a existência de Deus, porque o ser maior é aquele que existe tanto no pensamento quanto na realidade.

O insensato pensa em Deus como não existente; mas, embora como não existente, pensa em Deus. Mas, pensando em Deus, não pode não pensá-lo existente, portanto já pensou nele como existente no próprio momento em que pensa nele como não existente. O insensato, quando pronuncia a palavra Deus, de fato usa um simples termo emitindo um som, mas não entende verdadeiramente aquela que é a ideia de Deus, ou seja, aquilo que não pode ser pensado como não-existente. (TOMATIS, 2003, p. 21)

A última parte do Argumento Ontológico de Santo Anselmo consiste em dizer que não se pode pensar que não existe, o grande absurdo é pensar na não existência de Deus; o insipiente pensa que Deus não existe, mas quando ele pensa na não existência de Deus há uma contradição no sentido de que a premissa foi aceita e a conclusão negada, no ponto de vista lógico isso é impossível. Não se pode pensar que Deus não existe porque esta ideia foi concebida no pensamento, e se foi concebida no pensamento, não se pode aceita-lo como não existe.

Há duas referências da obra “O Argumento Ontológico”, de Francisco Tomatis, que foram colocadas anteriormente e que são de suma importância; o insipiente diz que Deus não existe, mas ele pensa em Deus, pelo simples fato dele pensar em Deus, o insipiente acaba afirmando a sua existência; o grande aspecto que Tomatis aponta em sua obra é que o insipiente até pensa em Deus, mas ele não compreende a grandeza do mesmo, “Deus para o insipiente é apenas mais um termo”. Se o insipiente diz que Deus não existe, ele não está pensando naquilo que não se pode pensar nada maior.

Existe, portanto, verdadeiramente ‘o ser do qual não se pode pensar nada maior’; e existe de tal forma, que nem sequer é admitido pensa-lo como não existente. E esse ser, ó Senhor, nosso Deus, és Tu. Assim, tu existes, ó Senhor, meu Deus, e de tal forma existes que nem é possível pensar-te não existente. E com razão. Se a mente humana conseguisse conceber algo maior que tu, a criatura elevar-se ia acima do Criador e formularia um juízo acerca do criador. Coisa extremamente absurda. (ANSELMO, 1979, p. 103)

Diante de todas essas informações, Deus não é somente um ser perfeitíssimo, como nos diz Tomatis, mas é também um ser necessário; se pensa em Deus a sua existência é necessária. Concluindo a sua argumentação Anselmo agradece a Deus em vista do argumento. Aqui Tomatis coloca que Anselmo agradece a Deus englobando o crer e o entender, são as duas dimensões de fé e razão que colocamos no início deste artigo, a fé não anula a razão e vice-versa, mas, ambas se completam. “Agradeço-te, Senhor bom, agradeço-te, porque aquilo em que cri pelo teu dom, agora compreendi pela Tua iluminação, de tal modo que mesmo se não quisesse crer que existes, não poderia não compreendê-lo”[3]. (TOMATIS, 2003, p. 17)

CONCLUSÃO

O Argumento Ontológico de Santo Anselmo é um tema bastante complexo, a sua complexidade é provada na marca que o mesmo deixou no tempo e deixa até os dias atuais com os pensadores contemporâneos; vários filósofos se dedicaram a entender  melhor este argumento anselmiano, muitos expuseram suas críticas, outros apresentaram suas defesas quanto aos argumentos de Anselmo para a existência de Deus. Sabe-se que hoje existem outros caminhos formulados por outros filósofos para provar a existência de Deus.

Foi no século XI, marcado por vários acontecimentos históricos, que Anselmo de Cantuária formula seus argumentos para mostrar, à luz da fé e da razão, a existência de Deus; uma formulação totalmente lógica, destinada àqueles que não tem fé, que leva o insipiente, por meio da negação, a afirmação da existência de Deus, ser perfeitíssimo e necessário, ser do qual não se pode pensar nada de maior e que é impossível pensa-lo como não existente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANSELMO, Santo. Vida e obra de Santo Anselmo e Aberlado; Monológio; Proslógio; A verdade; O Gramático (Os Pensadores). Traduções Ruy Afonso da Costa Nunes, Angelo Ricci. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

_______ Monologio; Proslógio; A Verdade; O gramático; Lógica; A história das minhas calamindades. Tradução Angelo Ricci. 1.ed. São Paulo: Abri Cultural, 1973.

TOMATIS, Francesco. O Argumento Ontológico – A existência de Deus de Anselmo a Schelling. Tradução Sérgio José Schirato. São Paulo: Paulus, 2003.

LIBERA, Alain de. A Filosofia Medieval. Tradução Nicolás Nyimi Campanário, Yvone Maria de Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

FERREIRA, Padre Pedro M. Guimarães. O argumento ontológico para a existência de Deus. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/157808497/O-Argumento-Ontologico-para-a-existencia-de-Deus. Capturado em: 14/5/2018

MARTINES, Paulo Ricardo. A interpretação do Proslogion por Karl Barth. Trans/Form/Ação[online]. 1996, vol.19, pp.231-239. ISSN 0101-3173.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31731996000100018.

[*]Graduando em Filosofia na Faculdade Dom Luciano Mendes (FDLM)

[1] O período medieval que envolve, também, o século XI, é marcado por diversos aspectos políticos, sociais, intelectuais e religiosos conforme citamos acima. Aqui não queremos cair na pretensão de citar todos e fazer uma análise de cada um, mas apenas mostrar de forma sintética aquilo que apresentamos. No que diz respeito ao âmbito social, citamos a instauração do feudalismo com traços de vassalagem, como nos diz o autor; também no âmbito político, Libera coloca o progresso de conquista espanhola, a cruzada no Oriente, a fundação do Principado de Antioquia, entre outros. O âmbito intelectual parece ser amplo, temos as próprias argumentações de Anselmo, a gramática, a dialética, o Corpus da Lógica descoberto por Fleury, enfim. Por último, no âmbito religioso, colocamos a retomada da controvérsia sobre a Eucaristia iniciada ainda no século IX.

[2] Antes de tudo e em breves palavras, convém fazermos ressalva daquilo que denominamos “ontologia”. Muitos estudiosos definiram a ontologia como a ciência que estuda o ser, ainda completaram dizendo que grande parte dos pensadores consideram que é difícil conceber ontologia como ciência, uma vez que o estudo dela é algo metafísico e não empírico.

[3] Gratias, tibi, bone Domine, gratias tibi, quia quod prius credidi te donante, iam sic intelligo te illuminante, ut si te esse nolin credere, non possim non intelligere.

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