Gilmar Lopes da Silva
Júlio César Ferreira
Nos dias atuais muito se pergunta sobre o fim da arte, e como ele surgiu e se realmente ela morreu. Mas antes de abordarmos este tema façamos uma breve retomada do conceito arte ao longo da história a partir das grandes linhas da classificação das artes proposta por Hegel.
A arte traduz o modo daquilo que está na imaginação e procura escapar aquilo que está na natureza. “O ideal do belo” [1] designa a maneira pela qual a ideia do belo se realiza historicamente em formas particulares da arte, pensando que cada uma dessas formas é um período determinado da história.[2] Essas formas são a arte simbólica, arte egípcia, a arte clássica (arte grega) e por último, arte romântica.
A arte simbólica que também podemos chamar de egípcia, tem um conteúdo e uma ideia que ainda não encontrou sua verdadeira expressão, ou seja, ela é uma forma “pré-artística” e que não se separou da intuição sensível, sendo prisioneira da natureza exterior e da natureza humana, é um modo que expressa em símbolos misteriosos, Hegel cita os egípcios:
[…] suas obras de arte permanecem misteriosas e mudas, sem eco e imóveis, pois o espírito ainda não encontrou sua encarnação verdadeira e ainda não conhece a língua clara e límpida do espírito.[3]
Já na arte clássica (grega) podemos ver a perfeita adequação da forma e do conteúdo, nela os artistas não se exaurem figurando de maneira simbólica, aspirações mais ou menos confusas ao divino, podemos observar as obras dessa mesma época e assim como as mitologias, suas técnicas são consideravelmente perfeitas e dominam plenamente a matéria sensível e as ordens daquele que é o Criador.[4]
Por último na “arte romântica” [5] aquela que atingiu o máximo da espiritualidade, é mostrado uma arte da interioridade absoluta e da subjetividade consciente de sua autonomia e de sua liberdade. Nessa arte, onde é enfatizada a representação do divino, é colocada de lado a referência de natureza, ou seja, realidade sensível. Se por um lado na arte grega o conteúdo era seus deuses, na arte romântica era a história do Cristo.[6]
Mas com o advento do iluminismo e da super valorização da técnica em uma sociedade que perdeu seus fundamentos, acontece uma desvalorização da arte por meio da reprodução em grande escala.
Benjamim dá uma contribuição para distinguir arte convencional e a arte “reprodutível”. A partir do conceito de “aura” (característica que falta totalmente nessa), afirma que mesmo que aconteça a mais perfeita reprodução falta o “aqui e o agora” da obra de arte.[7] A “arte” é agora apenas produto estético da mass-media; não é um meio da massa, que a constitui como tal, mas sim uma esfera pública do consenso, dos gostos e dos sentimentos comuns. A reprodutibilidade técnica é destacada mediante o valor do culto e o valor da exposição da obra de arte. A invenção da fotografia foi o primeiro meio pelo qual se reproduzia as imagens das artes fazendo a arte não ser contemplada em si.
A morte da arte é um conceito hegeliano, e como muitos outros conceitos de Hegel, esse se fez profético juntamente com respeito aos desenvolvimentos efetivamente verificados na sociedade industrial super avançada. [8]
Sendo assim, a obra de arte mais do que morta é o ocaso. Afinal a arte passou do conteúdo eterno divino para o finito o que possibilitou sua libertação, fazendo-a ter inúmeros e infinitos sentidos.[9] Sendo assim,
O que morre não é a arte, tampouco a obra, e sim o deus que constitui seu conteúdo originário. Desse modo, a arte passa a ser tão somente profana, aceitando cada vez mais dentro de si a contingência e a particularidade do mundo prosaico, perdendo cada vez mais a sua poesia originariamente mítica para dar lugar a uma prosa dessacralizada. Admitindo o feio, o dissonante, o finito…[10]
Trata-se, portanto, de uma outra visão sobre a arte, e não do fim de sua existência ou da perda de sua credibilidade.
Referências
GONÇALVES, Márcia. A morte e a vida da arte. Kriterion n° 109, jun.2004.
JIMENEZ, Marc. O que é estética?Trad. Flávia M. L. Moretto. São Leopoldo: Unisinos, 1999.
VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
DUARTE, Rodrigo. Teoria crítica da indústria cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
[1] “…a idéia hegeliana do belo difere da idéia platônica . Para Platão, a idéia do Belo, como a da Verdade e do Bem, é abstrato, intemporal, aistórica. Em Hegel o belo é a própria realidade concreta, apreendida em seu desdobramento histórico. Quando esta realidade toma a forma sensível do belo artístico, ela determina o Ideal do belo artístico. ” cf. JIMENEZ, Marc. O que é estética?. p. 171.
[2] JIMENEZ, Marc. O que é estética?Trad. Flávia M. L. Moretto. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 172.
[3] JIMENEZ, Marc. O que é estética? Trad. Flávia M. L. Moretto. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 172. Apud HEGEL, Esthétique, Paris, Aubier, éditions Montaigne, 1944. Trad. S. Jankélévitch.
[4] JIMENEZ, Marc. O que é estética? Trad. Flávia M. L. Moretto. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 173.
[5] “Hegel confere um sentindo particular a palavra – cobre o período mais longo da história conhecida, visto que parte dos inícios da cristandade para culminar na época de Hegel, naquela em que a significação filosofica ultrapassa o conflito entra a forma e o conteúdo.” Cf. JIMENEZ, Marc. O que é estética? p. 174.
[6] JIMENEZ, Marc. O que é estética? Trad. Flávia M. L. Moretto. São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 174.
[7] DUARTE, Rodrigo. Teoria crítica da indústria cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2003. p. 22.
[8] VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade:Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 39.
[9] GONÇALVES, Márcia. A morte e a vida da arte. Belo Horizonte: Kriterion n° 109, Jun/2004. p. 56.
[10] GONÇALVES, Márcia. A morte e a vida da arte. Belo Horizonte: Kriterion n° 109, Jun/2004. p. 55.