Jackson de Sousa Braga
Rodrigo Marcos Ferreira
Este trabalho tem a intenção de provocar a discussão sobre a à questão do dito “fim da filosofia” e pretende expor de modo sucinto em que consiste tal fim.
Devemos inicialmente destacar que a palavra fim pode ser entendida de vários modos, porém nos atemos a vê-la em dois sentidos: primeiro como télos: cumprimento ou perfeição[1]; e o segundo como fines: limite, marco, fim de uma coisa[2]. Assim, este trabalho pretende expor como a Filosofia chega a sua plenitude (télos) e também como ela chegou ao seu término (finis), quando se fragmentou em filosofias, ao sendo mais uma unificadora.
1. O fim da Filosofia como plenitude
O fim da Filosofia como plenitude acontece em Hegel, pois ela parece estar totalmente concluída no pensamento deste. Para melhor explicarmos este fim da Filosofia devemos apontar como a Filosofia nasce e qual o seu intuito, para depois podermos expor como ela chega a sua plenitude.
O nascimento da Filosofia e seu objetivo
A Filosofia nasce em um contexto grego, no qual predominava a vivência do mito, a qual toma as experiências vividas pelo ser humano e a aplica a sua existência, através de sentenças e oráculos: “…tenta unificar as formas da vida imediata através da sabedoria gnômica, das sentenças ou oráculos que procuravam exprimir as certezas elementares e os valores básicos da existência do homem grego no contexto político social das polis em formação”[3]. Mas, o pensamento da época via que os mitos não eram mais capazes de explicar a realidade, eles não eram capazes de reconstruir as coerências das expressões simbólicas da existência num plano superior ao da vida imediata: “A vida não seria capaz de justificar-se a si mesma de maneira imediata”[4].
Disto nasce a Filosofia que procurava explicar de forma racional a vida, ainda conservando a forma de universalidade efetiva capaz de autojustificar-se pela própria lógos:
o termo philósophos designa a forma de saber regida pela theoría, pela contemplação desinteressada da verdade. O aparecimento dessa forma de saber só é possível quando se faz sentir a exigência de uma nova unidade ideal, capaz de reconstruir a coerência das expressões simbólicas da existência num plano superior ao da vida imediata [5]
A Filosofia surge, porque a força unificadora da vida se perdeu ou está ameaçada. Ela tem o intuito de usar a razão para unificar, pois o caos original já ameaça o pensamento vigente.
A Filosofia terá por intenção uma radical universalidade que se expressa na mutação semântica pela qual a língua grega tornou-se a língua filosófica e elevou os vocábulos tradicionais a uma prodigiosa altura de abstração. Ela formula, então, duas questões primordiais que irão reger o seu pensamento: “O que é o ser?” e “O que é pensar?”. A partir de agora as questões do ser e do pensar tentam reunir novamente os fios que permanecem suspensos desde quando se rompeu a unidade do universo simbólico que tinha apoio no mito.[6]
Portanto, a filosofia surge desejando explicar de forma racional e universal a vida, pois os mitos já não eram capazes. Seu objetivo é justificar-se pela razão que se expressa na linguagem, tendo duas questões como primordiais: o Ser e o Pensar.
O sistema hegeliano e a plenitude da Filosofia
Não temos o intuito de esclarecer exaustivamente o sistema hegeliano, mas pretendemos expor com base no pensamento de Habermas como se pode compreender o fim da Filosofia em Hegel.
Para Habermas, Hegel coloca o “ser” na história, no contexto: “Hegel pôs o eterno em contato com o transitivo, o intemporal com o atual e deste modo transforma radicalmente o caráter da Filosofia” [7]. Para Habermas, a Filosofia de Hegel tem consciência de sua temporalidade, pois Hegel sabia que seu pensamento era de uma determinada época, diferente das filosofias anteriores que não tinham esta consciência[8]: “no que diz respeito ao individuo, cada um é filho de seu tempo; do mesmo modo também, a filosofia resume seu tempo no pensamento.” [9]. Fazendo, então, como que a filosofia hegeliana não tivesse seu pensamento colocado somente no abstrato, mas que ele pudesse se voltar para o real, o vivencial[10].
Habermas, partindo disso mostra que a Filosofia de Hegel é a última das filosofias que pretendiam abarcar todo o ser e o pensar, pois nela se consegue trazer o que era abstrato para o concreto, o vivencial, o histórico[11].
Neste sentido, observamos que a filosofia, a qual no início pretendia explicar racional e universalmente a vida, chega ao seu auge, porque Hegel consegue trazer o que se considerava ideal para a vivência concreta, ou seja, o ser e o pensar se articulam na história concreta e tem seu devido momento histórico primordial: “A filosofia é o fundamento do racional, é a inteligência do presente e do real e não a construção de um além que não se sabe onde se encontraria […] é tarefa da filosofia conceber o que é, pois o que é, é a razão” [12].
2. A fragmentação da Filosofia
Sabe-se que no início da civilização ocidental, a capacidade do homem para dar ao mundo significados e transformá-lo era completamente muito reduzida, logo o instrumento que estava disponível ao homem para se defender e salvar do devir do mundo não pode consistir senão num modo de buscar interpretar o mundo e a própria vida.
Na busca de ultrapassar a interpretação mítica, a interpretação filosófica do mundo torna-se o esforço mais elevado para se defender o terror da vida mediante uma atitude cognitiva, uma configuração do pensamento[13]. Com o decorrer da história da filosofia, com a ciência e a técnica modernas, as capacidades do homem para transformar o mundo de acordo com os projetos que ele rapidamente lhe determina, crescem de um modo magnífico e sem nenhuma possibilidade de confronto o que passou.
A ciência e a técnica em todo esse processo mostram-se capazes de regular e conduzir o percurso do mundo em formas e modos que estão perante os olhos de todos. Os grupos sociais que se sentem protagonistas e não espectadores passivos da história não vêem na filosofia a capacidade de resolver os problemas específicos que, de vez em quando, se desenham sob o fundo do terror da vida.
O sentido grego, inaudito do devir evocado pela filosofia desenvolveu-se até orientar o próprio comportamento das massas: atualmente, até um ignorante sabe que as coisas que o rodeiam vêem do nada e a ele voltam. Avançando nossa reflexão, perguntamos: Como falar em filosofia nos dias atuais? Poder-se-ia dizer que não existe “a filosofia”, mas muitas filosofias, ou seja, muitos modos e razões para se dizer filósofo.
Também porque se fala mais apropriadamente e freqüentemente de filosofias aplicadas (da política, da ciência, da religião) e não tanto da filosofia como saber, reflexão e instrumento do pensar. Um outro momento de desfacelamento da filosofia é porque se suspeita que ela como tal não exista, ou seja, um resíduo inútil herdado da cultura ocidental, que se torna incapaz de dialogar com as outras formas de saber e de propor respostas para os problemas da atualidade[14].
Sendo assim, o pensamento contemporâneo torna-se multiforme, tornando maior a dificuldade de adotar uma perspectiva no próprio pensamento, neste caso o pensamento filosófico. Franca D’Agostini (apud: Paiva- 1997) busca argumentar sobre as tendências filosóficas do século XX. A primeira é a hermenêutica – essa é um ponto de chegada de um longo processo que compreende o historicismo, o existencialismo e a fenomenologia. Depois, a filosofia analítica que compreende a herança do neopositivismo, pragmatismo; a teoria critica que engloba o conjunto do pensamento da Escola de Frankfurt; o pós-estruturalismo que é a configuração global que inclui a filosofia de Nietzsche e do estruturalismo e o pós- modernismo. Por fim a epistemologia pós-positivista que toma como posição: se a filosofia não aplicada é uma metafilosofia, é-lhe essencial a “aplicação” ao problema da ciência.
Com efeito, no século XX, o homem viveu a possibilidade do fim nos mais variados setores – o fim da filosofia, o fim da metafísica, o fim da história. Para se fazer uma abordagem do pensamento contemporâneo nesta perspectiva do fim, é preciso entender o que seria essa cultura do fim. Na filosofia a idéia de fim se coloca para alem de seus próprios limites, nos confrontos da filosofia com a ciência, no niilismo contemporâneo. [15]
É preciso, portanto, buscar analisar a situação proposta e buscar construir uma reflexão sobre a própria identidade da filosofia diante da pluralidade na atualidade. Filosofar segundo Paiva é dar razão da nossa cultura, mediante o empenho ético.
3. Considerações finais
A filosofia, portanto, chegou a seu fim em dois aspectos diferentes, a saber: plenitude e fragmentação. O pensamento filosófico chega à sua plenitude, pois consegue abarcar toda a realidade vivencial, ou seja, a questão do ser e do pensar esclarecendo-se em um sistema: “Com Hegel, a Filosofia aparecia totalmente concluída, pois o filósofo tinha acolhido e integrado a razão do sistema e as razões do movimento tinha conciliado o ser e o não-ser na concretude filosófica do conceito.”[16]
E também a Filosofia chega ao seu cume, pelo fato de na contemporaneidade ocorrer um esgotamento de seu próprio processo de reflexão, ou seja, sua fragmentação. Onde se encontra a filosofia dos primeiros tempos? Fragmentada na ciência e na técnica e não mais na busca de seu saber puro.
Fica, portanto, a questão: como filosofar hoje?
Referências
ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote Ltda., 1990.
PAIVA. Márcio Antônio. O fim da filosofia: uma imagem da filosofia contemporânea. Horizonte, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, 2004, p. 33-48.
RUSS. Jaqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 2003
SEVERINO. Emanuele. A filosofia contemporânea. Lisboa: Edições 70, 1986.
VAZ, H. C. de Lima. O problema da Filosofia no Brasil. Síntese. 1984.
[1] ABBAGNANO. Nicola. Dicionário de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982. p. 435.
[2] RUSS. Jaqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 2003. p. 115. (citado a partir de agora como RUSS, 2003, p.)
[3] VAZ, H. C. de Lima. O problema da Filosofia no Brasil. In: Revista Síntese. Rio de Janeiro: Gráfica Cervantes Editora Ltda, 1984. v. 30. p. 13 (citado a partir de agora como VAZ, 1984, p.)
[4] idem
[5] idem
[6] VAZ, 1984, p. 14.
[7] HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote Ltda., 1990. p. 57. (citado a partir de agora como HABERMAS, 1990, p.)
[8] Idem
[9] RUSS, 2003, p. 144.
[10] HABERMAS, 1990, p.57.
[11] HABERMAS, 1990, p. 58.
[12] RUSS, 2003, p. 144.
[13] SEVERINO. Emanuele. A filosofia contemporânea. Lisboa: Edições 70 Lta, 1986. p. 17
[14] PAIVA. Márcio Antônio. O fim da filosofia: uma imagem da filosofia contemporânea. In: Horizonte. Belo Horizonte: PUC Minas, 2004. p. 34. (citado a partir de agora PAIVA, 2004, p)
[15] Idem.
[16] PAIVA, 2004. p. 35.