Rodrigo Artur Medeiros da Silva
Tendo em vista que Jean-Paul Sartre (1905-1980) é um autor conhecido e respeitado por seu pensamento de crivo existencialista no meio filosófico, o presente artigo tentará explanar um pouco mais da compreensão sartreana acerca do conceito de liberdade, conceito este que para ser fundamentado e, consequentemente, defendido, deve primeiro ser pensado como inerente ao ser humano bem como atrelado a outros conceitos tais como consciência, angústia e responsabilidade.
Em resumo, os três últimos conceitos supracitados são respectivamente entendidos no vértice filosófico sartreano como o cimo que distingue o ser humano dos demais seres (MONDIN, 1983), a consequência de o ser humano não ser o tutor apenas de seu próprio destino, ou seja, do dever de suas escolhas serem benéficas tanto para si quanto para outrem (SARTRE, 1978) e, por fim, atrelada a esta tutela, como a consciência de o homem ser o autor e o responsável pelos acontecimentos humanos de modo geral (SARTRE, 1997).
Mas vale ressaltar que embora, como fora dito, a consciência eleve o ser humano com relação aos demais seres, esse alce não pode ser entendido como no pensamento da modernidade, no qual é de fato a consciência – porém entendida como razão – que distingue o ser humano em relação aos demais seres como, por exemplo, com Descartes e Kant.
Descartes, ao inaugurar o período filosófico moderno, transfere o conhecimento do transcendente para a consciência do sujeito, uma vez que somente este a possui: o pensamento cartesiano concerne em o homem só afirmar algo extrínseco após afirmar a sua existência. Enquanto Kant – pós Descartes – idealiza o homem, devido à sua consciência, como objeto e horizonte de toda a filosofia, em virtude das faculdades de conhecer, fazer e esperar, as quais lhe são peculiares pela consciência. Assim sendo, de certa forma pode-se entender a consciência como essência do ser humano no período filosófico moderno.
Já a conceituação de Sartre sobre consciência discorre em conjeturar esta como modo-de-ser[1] do ser humano e, portanto, como constitutivo essencial de cada ser-para-si[2], o qual tem por tarefa, a partir da consciência, projetar-se a ponto de almejar uma plenificação de ser[3] – na linguagem sartreana, tornar-se um ser-Em-si.
O conceito de liberdade no pensamento de Sartre é entendido como consequência desse projetar humano por meio da consciência, posto que o fato desta ser um nada[4]-de-ser do para-si é que o condiciona a uma situação de liberdade na qual a única escolha vigente é a de ser um Em-si.
Isso confirma a impossibilidade de um não atrelamento do conceito de liberdade ao conceito de consciência, visto que, de acordo com o existencialismo sartreano, a liberdade decorre da consciência, a ponto do para-si ser impresso pelo nada-de-ser num caráter de condenação: “Todo homem está condenado a ser livre” (SARTRE, 1997).
Certamente esta condenação a que Sartre se refere acarreta no para-si um sentimento arraigado de angústia pelo projetar de sua consciência a um fim impossível: o homem, na visão de Sartre, jamais conseguirá ser um ser plenamente acabado.
Considerando, pois, esta condenação, o homem sartreano passa a ser o tutor de si mesmo como também da realidade para-si que o circunda. Essa tutela, por conseguinte, faz com que o sentido não apenas de si como também de outrem seja uma constituição particular de cada ser humano; daí a fundamentação argumentativa sartreana de que o homem está condenado, por si mesmo, a inventar o homem (SARTRE, 1978).
O encargo do para-si de dar sentido a si mesmo e ao outro faz com que o existencialismo sartreano margeie a contemporaneidade a afirmar o sujeito, tendo em vista que o homem, ao se perceber como um ser de responsabilidade, consequentemente deve perceber-se também como um ser de decisões: as consequências do sentido que o eu dá a si mesmo e ao outro dependem da forma como o eu conduzirá o processo tutelar.
Este, por sua vez, confirma o sentimento de angústia presente no para-si, visto que até mesmo o fato de cada indivíduo não escolher tutelar a si mesmo e aos outros, já se trata de uma escolha, ou seja, não há como o eu não fazer escolhas, pois estas já lhe são indeléveis.
Portanto, considerando que, para Sartre, o conceito de liberdade restringe-se ao homem e à sua forma de dar sentido a si mesmo e à realidade que lhe é exterior, e ainda, que este sentido só lhe é possível devido à sua consciência, não seria equívoco entender o existencialismo sartreano como pessimista. Ora, para-si – ao responsabilizar-se pelo significado de toda a realidade – angustia-se devido ao fato de todas as suas escolhas serem vãs no sentido de que nem ele próprio, nem seus convivas conseguirão alcançar o futuro que vislumbram.
Isto corrobora a tese que atrela ao conceito de liberdade os conceitos de consciência, angústia e responsabilidade. A consciência imprime em cada ser humano o caráter do projetar-se, o qual, por sua vez, o condiciona a ser livre para buscar um fim último. Por fim, pela impossibilidade deste fim ser alcançado, o para-si se enxerga numa situação que o angustia. (SILVA, 2007).
Referências
MONDIN, Batista. Curso de filosofia: os filósofos do ocidente. São Paulo: Paulus, 1983.
SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)
_____. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997.
SILVA, Franklin Leopoldo. Liberdade em Sartre: somos livres para nos tornarmos livres. Mente, cérebro & filosofia. São Paulo, p. 55 – 61, jul. 2007
[1] Modo-de-ser significa que o homem é um ser inacabado. Mais adiante aparecerá o conceito nada-de-ser que tem basicamente a mesma significação.
[2] Ser-para-si em Sartre significa homem que se projeta.
[3] O homem busca fugir da sua condição de ser em construção e, por conseguinte, tornar-se um ser acabado.
[4] Sartre conceitua a palavra “nada” no sentido de que o homem é um ser em plena construção. Logo, um nada-de-ser significa que o homem não é.
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Parabéns Rodrigo pelo artigo.
Deixo uma pergunta:
Para Sartre, no ser humano, “a existência precede a essência”. Esta essência é construida na medida em que o ser humano faz suas escolhas, no entanto, nunca ela se tornará acabada ou pronta, uma vez que o homem sempre estará escolhendo. Porém, você disse que a consciência é”constitutivo essencial de cada ser-para-si”, neste sentido, uma coisa me inquieta: se a consciência é constitutivo essencial do ser humano, ele não teria uma essência pronta e acabada ?
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Pois é, João…
Segundo o que eu entendi, no pensamento de Sartre, devemos entender consciência não como razão (responsável pelo conhcimento), mas como um projetar-se do para-si (ser por acabar) a fim de chegar a ser um Em-si (um ser pronto e acabado). Portanto, quando eu digo a consciência como um constitutivo essencial do para-si – entendendo o para-si como incompletude -, creio que não se pode afirmar uma essência pronta e acabada na consciência sartreana.
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Pois é, João…
Segundo o que eu entendi, no pensamento de Sartre, devemos entender consciência não como razão (responsável pelo conhecimento), mas como um projetar-se do para-si (ser por acabar) a fim de chegar a ser um Em-si (um ser pronto e acabado). Portanto, quando eu digo a consciência como um constitutivo essencial do para-si – entendendo o para-si como incompletude -, creio que não se pode afirmar uma essência pronta e acabada na consciência sartreana.
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Olá Rodrigo,
Gostaria apenas de ressaltar esta frase sua: “um projetar-se do para-si (ser por acabar) a fim de chegar a ser um Em-si (um ser pronto e acabado)”. Em minhas leituras de Sartre, encontrei a seguinte passagem em O Ser e o Nada (capítulo 1 da segunda parte): “(…) o próprio Para-si é que se determina perpetuamente a não ser Em-si” (SARTRE: 2005, p. 135). Parece-me que o ser-para-si, no mais íntimo de seu ser, é uma negação da coincidência com o ser-em-si. Se isso estiver correto, o seu próprio projetar-se deve ser como negação do ser-em-si, com o objetivo de realizar um síntese reconhecida por Sartre como impossível: a síntese do em-si-para-si.
Agradeço o momento de diálogo,
Tiago.
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Caro Tiago,
Obrigado pelo seu comentário. Confesso que não sou leitor assíduo de Sartre, mas vou fazer uma leitura mais sistemática da obra “Ser e nada” – sobretudo da parte que você acentuou – e ver se encontro uma resposta para resolver esta problemática que nos apareceu e que, por sinal, achei muito pertinente.
Aguarde uma intervenção minha.
Mais uma vez, agradeço-lhe pelo seu comentário.
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será que dá pra você me passar esse artigo?
SILVA, Franklin Leopoldo. Liberdade em Sartre: somos livres para nos tornarmos livres. Mente, cérebro & filosofia. São Paulo, p. 55 – 61, jul. 2007