Geraldo Felício da Trindade
José Henrique Coêlho
Rangel Vinícius Xavier
Wilhiam Luiz de Lima
Quaeramus aliquod non in speciem bonum, sed solidum et aequale et a secretiore parte formosius; hoc eruamus. Nec longe positum est: inuenietur, scire tantum opus est quo manum porrigas; nunc uelut in tenebris uicina transimus, offensates ea ipsa quae desidarmus.[1]
Uma das questões em que a Filosofia mais se atém é o estudo do fim último do homem. Pretende-se responder: qual a intenção de uma ação?
Tales de Mileto, imbuído pelo espírito grego de perfeição física, considerava que feliz era aquele que dispunha de corpo forte, sadio; mas também de uma alma bem formada. Já para Platão, a felicidade está no cumprimento da função e dos deveres que são incumbidos ao homem em uma determinada situação. Porém, o filósofo, através da ascese rumo à contemplação do mundo das ideias é que alcançaria a felicidade. Esse caminho não está restrito somente ao filósofo, mas a todos. Aristóteles afirma que a felicidade, que é o bem ao qual tendem todos os seres racionais; todas as ações tendem para o sumo bem, ou seja, para a felicidade.
Santo Agostinho se deparou com a felicidade completa em Deus, que estava escondido nos recônditos de seu ser. Passa-se do exterior ao interior, do interior ao espírito. Deus é o maior bem, acima dele não há outros, não há felicidade. Posterior a ele, Boécio afirma que a beatitude, a vida feliz, é um bem e não permite que se deseje outro, pois ela é o conjunto de todos os bens. Santo Tomás de Aquino ensina que há um bem supremo, um fim último, que é a causa primeira em relação a todos os fins particulares. Este é a felicidade e o homem o procura e o busca.
A obra A divina comédia de Dante, segundo Carvalho apresenta essa ânsia de felicidade:
Dante, perseguido pelas tempestades públicas e mais ainda pelo terrível vendaval que perturbava seu coração, perdido em funda atribulação, atravessava, um dia, a região de Luni. Após perambular longo tempo por lugares ermos, chegou a um velho mosteiro. Parou silencioso debaixo dos arcos do convento. Um monge se aproximou e ficou abismado com a tristeza estampada no rosto do poeta. Indagou-lhe o que buscava. A resposta foi instantânea: a felicidade.[2]
Da vida feliz (De vita beata) é obra-prima do filósofo Sêneca[3], na qual discorre sobre o problema da felicidade e o que faz uma vida feliz. Apresenta meios para resolver o problema, ou seja, para definir uma vida feliz e chegar à felicidade.
Viver feliz, […], todo mundo quer, mas ninguém sabe ao certo o que torna a vida feliz; e não é fácil conseguir a felicidade, uma vez que, quanto mais ardentemente cada um procura, se erra o caminho, mais dela se distancia; se o caminho o leva no sentido oposto, a própria velocidade aumenta a distância. Portanto, em primeiro lugar, devemos estabelecer antecipadamente o que buscamos atingir; depois, devemos examinar por onde podemos chegar lá mais rapidamente, e veremos, pelo caminho, desde que seja o certo, quanto avançamos cada dia e quanto nos aproximamos do objeto para o qual nos impele um desejo natural[4].
A escrita dessa obra deu-se no contexto da vida de Sêneca no qual servia ao imperador Nero, tornando-se assim mentor deste, associado à vida política e podia, dessa forma, inspirar as medidas tomadas pelo príncipe.Sêneca escreveu, ainda, duas obras Da vida feliz e Dos benefícios, tendo como objetivo mostrar a verdade e a utilidade do estoicismo para a vida pessoal e a conduta do Estado.
A escola filosófica estóica tem seus motivos especialmente “na profunda tristeza dos tempos e na profunda sensibilidade ao mal, por causa do qual se torna dolorosa a vida do homem que procura na filosofia um consolo, uma orientação moral, achando-a, enfim, na renúncia ao mundo e à própria vida”[5].
A escola estóica designa o sítio de Atenas em que esses filósofos se reuniam. Essa escola iniciou-se na Grécia por volta do século IV a. C. e inspirou muitas condutas.
Há distinção de três períodos nessa escola. Primeiramente com os fundadores: Zenão de Cítio (336-264), Cleontes de Assos (331-232) e Crísipo de Soles (280-210). Sabe-se deles por Diógenes Laércio. Depois, com Panécio de Rodes (180-110) e Possidório de Apameia (135-50). E por último co Sêneca (4 a. C – 65 d. C), Epicteto (século I d. C.) e o imperador Marco Aurélio (121-180), é o chamado estoicismo imperial.
A preocupação dessa época é com a ordem moral e consiste basicamente em um “[…] guia da vida espiritual adaptada aos tempos perturbados da era imperial”[6]
A partir do De vita beata Sêneca apresenta o preceito de não seguir a concepção de felicidade do vulgo, pois este está guiado pelo conformismo, não pela razão. Aqueles que perscrutam por esses caminhos sempre erram. Dessa forma, deve-se levar em conta a própria opinião e apreciar, acima de tudo, a alma. Declara seu pressuposto teórico que, como todos os estóicos, segue a natureza e defende que é errado afastar-se dela e desobedecer às suas leis, pois o humano faz parte da physis. Essa se compara ao logos, que é a razão universal; sendo que esse rege o universo. Uma vida feliz é uma vida ajustada com a “natureza” (physis), o homem se auto-governa, e consequentemente torna-se sábio.
A vida adequada à natureza, proposta por Sêneca, não é a vida dada à irritação e à insatisfação. Contrapõe-se a isso, a tranquilidade da alma, que é consequência de se viver de acordo com a natureza. Quanto aos prazeres frívolos, estes são fugazes e não dão nem equilíbrio, nem paz. Viver de acordo com a natureza, segundo Sêneca, é se deixar guiar pela razão, e não pelos impulsos e prazeres.
Então, ao definir mais profundamente o homem feliz, expõe um resumo dos princípios estóicos: o sumo bem é um querer virtuoso; o homem não se deve deixar abater por sua sorte, mas aceitá-la, desdenhando os prazeres e tudo o que não se consegue alcançar por si próprio. Exprimindo-se de outra maneira, Sêneca afirma que o único mal é a desonra; ou seja, não ser fiel à virtude. Uma vontade sujeita à virtude, e não ao prazer, deve experimentar uma tranqüilidade perene e ao mesmo tempo liberta da escravidão dos impulsos e dos caprichos. “Quem se aproxima da virtude demonstra possuir um caráter nobre […]”[7]
A virtude para os estóicos tem um novo significado e passa a ser concebida como a própria felicidade. A finalidade do homem é ser feliz, para essa finalidade concorrem todas as ações do homem. Sendo a virtude viver conforme a natureza, aquela torna-se assim um curso natural da vida, equiparando felicidade com virtude. Ressalta-se que o que é bom é virtuoso e o que é mal, vicioso. O fim para os estóicos, conforme se pôde verificar na obra De vita beata, é uma vida segundo a virtude. Não há, pois meio termo, ou se é vicioso ou se é virtuoso.
No que se relaciona à virtude, os estóicos apresentam que não se trata de deixar- -se levar por todos os movimentos que animam, mas de obedecer à natureza própria na medida em que ela exprime a natureza universal. Isso faz com que se refreie os movimentos passionais. Dessa forma, a virtude, que é a prudência sábia, permitirá ao sábio romper os encantamentos viciosos e evitar os falsos deslizes oriundos de falta de discernimento.
Que o sumo bem se eleve, pois, a um ponto do qual nenhuma força o possa tirar, onde não haja lugar, nem para esperança, nem para o temor, nem para coisa alguma que enfraqueça os seus direitos; ora, somente a virtude pode subir a esse ponto. Seu passo precisa vencer esse aclive; ela se manterá firme, suportará todos os acontecimentos, não só pacientemente, mas com prazer; saberá que toda a dificuldade na vida é o efeito de uma lei da natureza e, como um bravo soldado, suportará seus ferimentos, contará suas cicatrizes e, transpassadas pelos dados, ela morrerá amando o chefe por quem caiu. Ela terá sempre presente o velho preceito: “Segue Deus”.[8]
No estoicismo, o mundo é pleno e uno, sem lugar para a indeterminação e engloba todos os existentes, do mineral até o homem e os deuses. Assim, a Teologia é parte integrante da Física e, assim, Deus e natureza se coincidem. É formando um imenso ser vivo, que é constituído por individualidades coerentes em si e ligadas umas às outras. A Cosmologia estóica considera que “compreender o mundo, do qual se encontra excluído o ocaso, é reconhecer que tudo acontece segundo o Destino para o maior bem do Todo.”[9]
Ante a obra De vita beata torna-se claro que se deve viver fiel à natureza humana, que é a razão. O homem só consegue, entretanto, a felicidade quando é senhor de si; ele a alcança pela filosofia, que é o caminho para o domínio de si; obediência ao logos; o sábio é independente dos reveses da sorte e da fortuna, permanecendo-se imperturbável.
Portanto, o fundamento imutável da vida feliz é um juízo reto e firme. Então, realmente, a alma é pura e livre de todos os males, capaz de evitar não somente as dilacerações, mas, também, os arranhões, disposta a se manter sempre onde parou e a defender sua posição, mesmo contra os furores e os embates da sorte.[10]
A moral estóica não é fatalista ou passiva é a real convicção do sábio que compreendendo que as coisas não podem ser de outro modo, aceitar ser mais sensato, acomodar-se e então prever tanto quanto possível e suportar os ânimos advindos daí. Destarte, o filósofo é, em paralelo ao estóico, não aquele que pretende mudar o curso das coisas, mas antes e acima de tudo, a opinião que se tem.
Ao longo de toda a história, os esforços, as lutas, os empreendimentos do homem, buscam somente a felicidade. Indubitavelmente, cada um, a partir de seu modo de vida, deseja ardentemente um mesmo e único objetivo, a ventura; e cada um se empenha pelo viver bem, desde o mais recôndito lugar do mundo até às mais altas cortes e escolas; no mais simples esforço ao maior empreendimento.
Referências
ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia. vol. 1. 5ª ed. Paulus: São Paulo. 1990.
CARVALHO, Côn. José Geraldo Vidigal de. Reflexões filosóficas. Viçosa: Folha de Viçosa, 2006.
CASTAGNOLA, Luís; PADOVANI, Umberto. História da filosofia. 15ª ed. Melhoramentos: São Paulo, 1990.
IERPHANGNOM, Lucien (dir.). Dicionário das grandes filosofias. Trad. Manuel Peir e Dias. São Paulo: Lexis, s/d.
REIS, Émilien Vilas Boas. O conceito de virtude no jovem Agostinho: evolução ou revolução?. Porto Alegre: PUCRS, 2006. (Dissertação de Mestrado em Filosofia)
SÊNECA. Sobre a vida feliz. Trad. João Teodoro d’Olim Marote. São Paulo: Nova Alexandria, 2005.
[1] “Busquemos um bem, não na aparência, mas sólido, homogêneo e de uma beleza ainda maior por ser secreta; desenterrêmo-lo. Não está tão longe: nós o encontraremos; bastará saber para onde estender a mão; mas, efetivamente, como se estivéssemos no meio das trevas, nós passamos ao lado, muitas vezes, tropeçando no próprio objeto que desejamos.” SÊNECA, Sobre a vida feliz. III, 1, p. 25.
[2] C. J. G. V de CARVALHO. Reflexões filosóficas.
[3] “Lúcio Aneu Sêneca nasceu em Córdoba, na Espanha entre o fim da era pagã e princípio da era cristã. Em Roma participou ativamente e com sucesso da vida política. Condenado por Nero ao suicídio em 65 d.C., Sêneca matou-se com estóica firmeza e admirável força de espírito.” ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia. vol. 1, p. 306.
[4] SÊNECA, Sobre a vida feliz. I, 1, p. 19.
[5] CASTAGNOLA, Luís, PADOVANI, Umberto. História da filosofia, p. 164.
[6] Lucien IERPHANGNOM (dir.). Dicionário das grandes filosofias.
[7] SÊNECA, Sobre a vida feliz. XII, 4, p. 53.
[8] SÊNECA, Sobre a vida feliz. XV, 5, p. 59.
[9] Lucien IERPHANGNOM (dir.). Dicionário das grandes filosofias.
[10] SÊNECA, Sobre a vida feliz. V, 3, p. 31-33.
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Os estoicos são, para mim, a essência da filosofia prática. Sêneca, nessa carta deixou um caminha para a felicidade própria da alma humana. Parabéns pelo artigo.
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para uma vida feliz precisamos de etica adorei felicidades
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Hum. Bom.
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Interessante.
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Muito bom