Júlio César Divino Vigiano
Será possível tolerância entre as religiões? Aquelas pessoas que não professam sua fé na mesma religião são hereges? Esses, dentre outros questionamentos, são comuns de todo ser humano. Locke, em sua carta acerca da tolerância religiosa, nos mostra que a tolerância é possível desde que cada pessoa faça a sua parte e respeite o outro. A tolerância é um sinal que diferencia uma verdadeira religião das demais e está em total acordo com o evangelho e com a razão, embora muitos pareçam estar cegos diante deste princípio que se apresenta de forma tão clara.
Segundo Locke[1], a igreja é uma sociedade livre de homens e mulheres que se reúnem por iniciativa própria para o culto público a Deus. Ela deve também ter suas leis para estabelecer o número e o lugar das reuniões para o futuro dos membros. Aquelas pessoas que professam sua fé em Deus, mas são intolerantes com as outras religiões, não manifestam, de certa forma, zelo pelos princípios de Deus. Nenhuma pessoa, por mais que possua o livre arbítrio, pode discriminar ou atacar o semelhante por professar outra religião ou forma de culto, uma vez que cada ser humano tem a possibilidade de escolher qual culto quer praticar. Por isso é de suma importância tolerar para ser tolerado. Ninguém tem o direito de impor uma fé natural, nem deve rejeitar os que não comungam da mesma fé, ou não a expressa, pois cabe ao próprio indivíduo cuidar da sua alma do modo que ele considerar conveniente.
Os indivíduos comumente recebem de seus pais ou de seus avós uma religião (independentemente qual seja) como herança. Sobre isso, Locke diz que:
Considero a igreja como uma sociedade livre e voluntária. Ninguém nasceu membro de uma igreja qualquer; caso contrário, a religião de um homem, juntamente com sua propriedade, lhes seriam transmitidas pela lei de herança de seu pai e de seus antepassados. Ninguém está subordinado por natureza a nenhuma igreja ou designado a qualquer seita, mas une-se voluntariamente à sociedade na qual acredita ter encontrado a verdadeira religião e forma de culto aceitável por Deus. (LOCKE, 1978)
Fica evidente então que é possível sim haver tolerância religiosa entre as diversas manifestações religiosas desde que cada um cumpra sua parte.
Acerca da heresia, Locke esclarece que a pessoa que professa sua fé em uma religião diversa das demais pessoas não é considerada herege, mas sim protestante. É considerado herege quem, no seio de uma mesma religião, não vive verdadeiramente os princípios desta.
A carta acerca da tolerância religiosa não é pensada nem criada na tentativa de estabelecer ou mostrar qual é a verdadeira religião e a verdadeira igreja, mas para mostrar que é possível a vivência religiosa em meio à diversas manifestações sem resultar em discriminação. Mas isso infelizmente não aconteceu na história e nem acontece na contemporaneidade, porque é difícil respeitar o outro nas diferenças, ainda mais quando se trata de religião. No entanto podemos chegar à conclusão, ao findar de nossas reflexões, que uma fé religiosa, pela sua própria natureza, não pode ser imposta pela força ou por desejo que uma pessoa que conhecemos seja seguidora da mesma religião que nós seguimos, mas ela no seu livre arbítrio escolherá qual religião lhe “agradará”[2], e a nossa atitude diante isso é respeitar a pessoa, mesmo que não gostemos daquela religião.
Referências
LOCKE, John. Carta Acerca da Tolerância. Tradução de Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. 2. ed. São Paulo: Abril cultural, 1978.(Os Pensadores)
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. São Paulo: Edições Paulinas, 1981. (Coleção filosofia, 3)
[1] Locke nasceu em Wrington, na Inglaterra, aos 19 de agosto de 1632. Fez os estudos, em parte, na própria família e, em parte na universidade de Oxford. Converteu-se à filosofia no inverno de 1670-1671 quando, durante uma discussão com amigos, deu-se conta de que seria inútil continuar o debate enquanto não se estabelecesse o valor do conhecimento. Dedicou-se por mais de vinte anos de modo especial ao problema do conhecimento.
[2] Às vezes nenhuma religião agrada à pessoa. O problema diante disso não está na religião, mas na forma que a pessoa reza ou até na sua própria fé em Deus.