Daniel Filipe da Silva
Este artigo tem por objetivo apresentar, de modo panorâmico, o paradigma moderno e o pós-moderno, destacando, primeiramente, as possíveis significações da Modernidade, o surgimento do seu respectivo saber, de seu objetivo, de suas contradições e de sua crise. Em seguida, falar-se-á acerca da Pós-Modernidade e de seus significados e, por fim, será abordado o emergir do saber pós-moderno, em que ele consiste e suas principais implicações.
Mas, antes de se fazer esse itinerário, aqui se coloca a seguinte pergunta, cuja resposta será o ponto de partida para a reflexão sobre esses dois períodos: afinal, o que é paradigma? Essa expressão designa um conjunto de pensamento que valida uma determinada regra, podendo significar também um exemplo que é tomado como modelo, como um padrão, e o seu fim é representar os conteúdos de uma cosmovisão, de uma mundividência própria de um dado período, uma vez que é um “conjunto de pressupostos, de conceitos e métodos articulados em um referencial exemplar” (AZEVEDO, 1993, p.21-22).
1. Modernidade e seus possíveis significados
Modernidade é um conceito que tem uma história bem longa, pois já no século V d.C., o termo latino modernus foi usado para diferenciar o cristão oficial presente do romano pagão passado (HARVEY, 2002, p.35). Porém, esse termo, mais tarde, passou a denotar um período no qual há um retorno aos clássicos gregos e romanos, visando se viver, nesse período (Modernidade), aqueles ideais clássicos. Essa tentativa de retorno – esse sair do homem de um longo estado de coma, no qual havia entrado durante a Idade Média, pode ser lido a partir de quatro perspectivas.
A primeira está relacionada ao sentido etimológico, em que modernidade significa novo (modus + hodiernus). A segunda ligada ao aspecto estético, no qual se chama a atenção para o modernismo (culto ao novo), movimento modernista ocorrido no século XX. Essa perspectiva se refere às artes, posto que o período moderno na filosofia ocorreu no século XV – XVIII. A outra perspectiva está vinculada à dimensão sócio-econômica, que diz respeito à modernização – ao predomínio técnico-industrial. Portanto, nessa ótica, o moderno era tudo o que estava mais elaborado industrialmente. Já o quarto e último modo de se ver o significado de modernidade se refere ao aspecto cultural, cujo marco é o Iluminismo, que trouxe para o centro o homem, a razão e a liberdade.
2. O nascimento do saber moderno, seu objetivo, suas contradições e sua crise
Com isso, o saber que florescerá na Modernidade é, exatamente, aquele que consiste em um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas para desenvolver a ciência objetiva, a moral, a lei e a arte, que são universais nos termos da própria lógica interna delas. Paira, sobre os ares da modernidade, a ideia de se usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da emancipação humana, do enriquecimento da vida diária e do domínio científico da natureza, o que prometia o fim da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades da natureza, pois:
O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio na própria natureza humana (HARVEY, 2002, p.23).
Com essa citação, percebe-se que o pensamento iluminista abraçou fortemente a ideia de progresso e buscou ativamente a ruptura com a história medieval, visto que se procurou desmitificar e dessacralizar o conhecimento e a organização social para libertar o ser humano de seus grilhões.
Como se vê, a promessa do projeto da modernidade era, através da racionalização da vida, possibilitar ao homem a sua realização, sua liberdade e afirmava, com muita convicção, que o primeiro passo, para que isso ocorresse, seria criticar a religião ( OLIVEIRA, 1990, p.183).
Em partes, a modernidade cumpriu sim o seu projeto, mas, por outro lado, ela hoje é proclamada como perversa, como uma força ambivalente, pois gerou uma crise, na qual o homem domina a natureza e o outro (OLIVEIRA, 1990, p.183).
Eis aí o paradoxo da modernidade, que repousa sobre a sua promessa de emancipação humana, desde que o homem “deixasse de lado a religião”. Porém, esse projeto acabou levando à reificação do homem, dado que se exagerou na confiança no logos poiético – na razão, no saber instrumental. A razão instrumental, na qual a modernidade se fechou, deve ser entendida como a capacidade de poder intervir na natureza segundo objetivos humanos pré-estabelecidos, que é, p. ex.: o de utilizar as forças da natureza em favor do homem (OLIVEIRA, 1990, p.184).
Devido a essa confiança desmedida na razão instrumental, que se apoiava apenas no logos poiético, o saber moderno entrou em crise, no entanto esta propiciou uma chance histórica de se perceber qual dimensão da razão que tinha sido hipervalorizada em detrinimento de outra e, por fim, efetuar-se o resgate daquele aspecto do saber de que se havia esquecido (OLIVEIRA, 2002, p.184).
3. A Pós-Modernidade e seus significados
Após essa crise do saber instrumental, inicia-se a Pós-Modernidade, cujos “pilares” são Marx, Freud e Nietzsche. Aquele, a partir de uma análise, cria a teoria do materialismo histórico. Em oposição a Hegel, mostrará que a história da sociedade não é a de idéias, mas sim a história de condições sociais. Já Freud, porque, através de sua teoria do inconsciente, conseguiu “demonstrar” que o homem é mais inconsciente que consciente e Nietzsche se destaca pela sua constatação e anúncio do niilismo metafísico – morte de Deus e dos valores dogmáticos e estabelecidos.
Mas, o que é Pós-Modernidade? Tal expressão se refere a um período que pode ser entendido a partir de quatro pontos de vista distintos. O primeiro denota a ideia de que a época atual – Contemporaneidade – não é, por enquanto, algo passivo de definição, pois ainda não houve a ruptura com a Modernidade e que, portanto, é cedo demais para se ter um resultado. Foucault é dos muitos filósofos que concebem a Pós-Modernidade assim.
O segundo é uma posição defendida, sobretudo, por Habermas e pode ser definido com a compreensão do momento presente, como continuação da Modernidade, como Hipermodernidade, i. é, a crença de que, atualmente, os frutos da Modernidade estão sendo colhidos e que se deve aproveitar para se rever o conceito razão ( saber) que paira nos ares atuais. É tido como o tempo ideal para se viver a modernidade, uma vez que há todas as condições necessárias para vivê-la.
O outro modo de se ver a Pós-Modernidade é baseado na concepção de que os últimos tempos são a explicitação da ruptura com a Modernidade, o que significa que esse momento presente é uma Antimodernidade, dado que denota exatamente que, no instante, vive-se a ruptura com a Modernidade. Porém, crê-se piamente que ainda não se chegou à Pós-Modernidade e os principais representantes desse modo de ver o tempo atual fazem parte da Escola de Frankfurt.
O quarto e último significado tem, como principais expoentes, os filósofos Deleuze, Vattimo e Lyotard, que criticam a Modernidade e apologizam a ideia de que ela foi superada pela Pós-Modernidade, sendo necessário, consequentemente, que se busque um outro modo de pensar, pois a partir da Modernidade já não é possível pensar filosoficamente de modo metafísico ( BARBOSA, 1998, p. VII).
4. O florescimento do saber pós-moderno, em que ele consiste e suas principais implicações
Barbosa (1998, p. VIII) afirma que, após se ter vivido a revolução técnico-industrial, que marcou profundamente os tempos modernos, pode-se dizer que a Pós-Modernidade traz, como principal característica, o seu aspecto cibernético-informático e informacional. Uma prova disso é que, no cenário pós-moderno, reinam mais estudos e pesquisas sobre a linguagem e a inteligência artificial. Quanto àquelas, asserte que seu fim é conhecer a mecânica da produção da linguagem e estabelecer compatibilidade entre ela e a máquina informática; já no que concerne às análises e estudo sobre a inteligência artificial, diz que seu objetivo é entender o funcionamento do cérebro humano e o mecanismo da vida (BARBOSA, 1998, p. VIII).
Na Modernidade, a ciência era tida como uma atividade “nobre”, cujo escopo se resumia em romper com o mundo do senso comum, das crenças tradicionais – o mundo das “trevas”, posto que se acreditava que isso propiciaria o esclarecimento, a emancipação e realização humana. Porém, a era pós-moderna investiu em sua “vocação” e no saber científico chamado informático e informacional, o que possibilitou descobrir que a fonte de todas as demais fontes é a informação e que a ciência é um modo de organizar, estocar e distribuí-la (BARBOSA, 1998, p. IX).
E, com isso, percebe-se que, na Pós-Modernidade, a ciência começa a ser vista como um conjunto de mensagens que pode ser traduzido em “quantidade” (bits) de informação, pois toda pesquisa científica se tornou condicionada pelas possibilidades técnicas da máquina informática e o que supera essa capacidade não é informação, não é algo operacional, dado que não pode ser decodificado em bits (BARBOSA, 1998, p. X).
Ao lado dessa nova concepção de atividade científica, vem se impondo uma ideia de ciência, enquanto tecnologia intelectual, como valor de troca, como algo desvinculado do sujeito que a produz e do consumidor, uma vez que “é uma prática submetida ao capital e ao Estado, atuando como essa particular mercadoria chamada força de produção” (BARBOSA, 1998, p. X).
Esse processo – que é consequência da crise dos dispositivos modernos de explicação da ciência – fez com que temas, como p. ex., acaso, ganhasse evidência nas discussões científicas e filosóficas, pois o saber pós-moderno não só é instrumento de poderes para quem o possui, mas também é algo capaz de aguçar a sensibilidade do indivíduo para as diferenças, reforçando-lhe a capacidade de suportar o incomensurável (LYOTARD, 1998, p. XVII).
Consequentemente, torna-se impossível fazer a submissão de todos os discursos ou jogos de linguagem a um metadiscurso que pretenda sintetizar o significante, o significado e a significação (BARBOSA, 1998, p. XI).
Diante disso, nota-se que, se a Revolução Industrial revelou que, sem riqueza, não se tem tecnologia, a condição pós-moderna vem mostrando que, sem saber técnico-científico, não há riqueza, já que a competição econômica e política entre as nações ditas pós-industriais se dá em função da quantidade de informação técnico-científica e não mais em função das milhares de toneladas anuais de matéria – primas ou manufatura que eles podem produzir (BARBOSA, 1998, p. XI). Todas essas informações são exatamente o que as universidades e centros de pesquisas desses países são capazes de produzir, estocar.
Segundo Lyotard (1998, p. 3), quando se analisa o saber nas sociedades informatizadas, percebe-se que ele muda de estatuto, ao mesmo tempo que a sociedade entra na idade dita pós-industrial e essa passagem se iniciou na década de 50. Porém, afirma que esse saber é ou pode ser atingido em suas principais funções que são: pesquisa e transmissão de conhecimento.
No que concerne à pesquisa, diz que um exemplo que a ilustra bem é dado pela genética, cujo paradigma teórico se deve à cibernética (LYOTARD, 1998, p. 4). Já quanto à segunda função, que é a transmissão de conhecimento, evidencia que há uma multiplicação, uma “vulgarização” das máquinas informacionais e isso afeta e afetará a transmissão de conhecimento, dado que, agora, o saber é e será produzido para ser vendido e é e será consumido para ser valorizado numa nova produção, deixando ele de ser para si mesmo seu próprio fim, pois “perde seu valor de uso” (LYOTARD, 1998, p. 4).
5. Considerações finais
Portanto, após ter feito essa passagem pela Modernidade, nota-se que esse período abrange todas as mudanças que ocorreram nos vários níveis da sociedade da metade do século XV ao final do século XIX, nos quais foi possível perceber que ser moderno é encontrar-se num ambiente que promete poder, alegria, crescimento, transformação de si e do mundo, ao mesmo tempo em que ameaça destruir tudo o que se tem, que se sabe e que se é, posto que o ponto central da Modernidade é a colocação do homem no centro do universo e o que marcou a visão de futuro nessa era se relaciona com a crença no progresso e na realização humana por meio da racionalização da vida (LYON, 1998, p.35).
Porém, ficou evidente que, com o tempo, a Modernidade não foi capaz de cumprir plenamente seu objetivo, uma vez que a dimensão do saber hipervalorizada por ela foi a do logos poiético, que acabou levando à reificação do homem, não lhe propiciando a sua realização e resultando em uma crise. Dessa crise, surgiu a Pós-Modernidade que se refere especificamente ao esgotamento da Modernidade, que, enquanto tal, tem a ver com as mudanças sociais muito significantes que ocorreram a partir da década de 50.
Esse novo período tem, como marcas, dois elementos. O primeiro é a incredulidade perante o metadiscurso filosófico-científico, que trouxe, como conseqüência, a crise dos conceitos “razão”, “sujeito”, “totalidade”, “verdade” e “progresso”; e o segundo elemento é o esforço científico, tecnológico e político no sentido de informatizar a sociedade. Porém, esse segundo elemento impele todo homem a pensar criticamente sobre esse avanço e mundanização da tecnologia informática, i. é, refletir acerca de questões éticas, como p. ex.: direito à informação, sobre questões ontológicas que concernem à privacidade ( à vida privada), sobre questões jurídico-políticas (as transmissões, a transfronteira de dados), acerca de questões da soberania e a censura estatal e sobre questões político-sociais, que se referem à democratização da informação, rediscussão da censura e a pertinência sócio-cultural da informação.
Referências
AZEVEDO, Marcello de C.. Não-Moderno, Moderno e Pós-Moderno. In: Revista de Educação AEC. v.22, n.89, out-nov 1993, p.19-35.
BARBOSA, Wilmar do Valle. Tempos pós-modernos. In: LYOTARD, Jean François. A condição Pós-Moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa, posfácio: Silvano Santiago. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. p. VII – XIII.
HARVEY, David. Parte I: Passagem da modernidade à pós-modernidade na cultura contemporânea. In: ______. Condição Pós-Moderna. 11 ed. São Paulo: Loyola, 2002. p. 13-109.
LYON, David. A Modernidade e suas insatisfações. In:______. Pós-Modernidade. Trad. Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 1998. p.35-58.
LYOTARD, Jean François. A condição Pós-Moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa, posfácio: Silvano Santiago. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
OLIVEIRA, Manfredo de Araújo. Filosofia da religião e teologia. In:______. A filosofia na crise da Modernidade. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1990. p.183-195.
TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Trad. Elia Ferreira Edel. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.