Márcio Henrique da Silva[1]
A existência de uma mente inteligente superior à humana e ilimitada é para o pensamento filosófico de Gottfried Leibniz certa. Leibniz denomina essa mente de Deus, um ser que ao longo dos séculos causa questionamentos aos mais diversos pensamentos; com isso, sua existência se torna afirmação de uns e negação de outros. A pertinência deste tema se dá pelo fato de ser uma indagação de muitos, e tal é sua relevância para o homem, antigo e hodierno, que podemos dizer que está inerente ao pensamento humano, por isso o nosso desejo de aprofundá-lo.
Partimos da existência de um ser eterno, perfeito, inteligente, capaz de governar toda a existência; tendo como hipótese a capacidade intelectiva do homem de conhecer esse Ser, cuja inteligência abarca a totalidade das coisas. Propomo-nos a explanar o pensamento leibniziano acerca da existência de Deus, valendo-nos do método dedutivo.
Estamos contidos numa realidade física. Porém há uma outra realidade para além desta, a qual denominamos de metafísica, que se ocupa das realidades não-físicas. Dentro dessa metafísica, o filósofo Leibniz procura desvelar a existência de um ser eterno, perfeito, imutável, onipotente, qual a compreensão que podemos ter a respeito desse ser supremo.
Na incansável busca pelo conhecimento das coisas, o homem se torna autor sedento de conhecer uma possível mente que tudo move; e só o é capaz porque lhe foi incutida a faculdade racional da qual faz uso para conhecer. Essa possibilidade de conhecimento, diz Leibniz, é dom de Deus:
Deus tendo dado à nossa alma as faculdades de que está ornada, não deixou de imprimir nela o seu testemunho; pois os sentidos, a inteligência e a razão nos fornecem provas manifestas de sua existência. (LEIBNIZ, 1988, p.151)
Através desse dom divino, a capacidade humana consegue conhecer esse ser que tudo move sem ser movido ou se mover. Após apresentar a faculdade da razão, presente na alma, Leibniz passa a apresentar argumentos que, segundo ele, são provas concludentes a respeito da existência de Deus; não sendo necessária a fé, mas aquilo que é próprio a cada um: a razão. Primeiramente, Leibniz se utiliza da palavra Substância para dizer que ela é a responsável pelo universo, ou seja, razão pela qual todas as coisas são.
E assim a razão última das coisas deve estar em uma substância necessária, no qual o detalhe das mudanças se encontre de modo eminente, como na própria fonte: e é esta Substância aquilo que chamamos Deus. (REALE, 2006, p. 65)
Todas as coisas que têm sua razão última convergem para uma razão suficiente, que subsiste por si própria, sem dependência de outrem. Nessa substância não encontramos mudança, pois sendo imutável, permanece desde sempre e para sempre na mesma forma. Leibniz, denomina essa substância de Deus.
(…) Deus é o maior, ou – como diz Descartes – o mais perfeito dos seres, ou então um ser de uma grandeza e de uma perfeição suprema, que envolve todos os graus. Esta é a noção de Deus. Eis como a existência se conclui desta noção. Existir é algo mais do que não-existir, ou seja: a existência acrescenta um grau à grandeza ou à perfeição, e, como afirma o Sr. Descartes, a própria existência constitui uma perfeição. (LEIBNIZ, 1988, p. 153)
O pensamento leibniziano encontra respaldo no pensamento de Descartes, sobre as definições acerca de Deus, cuja característica e/ou atributo, dentre outros, é a perfeição; entendida aqui como a excelência no existir. Aquilo que não existe já se apresenta de modo imperfeito, pois existir é mais perfeito que não existir, e a perfeição de Deus confirma sua existência. “A perfeição, com efeito, é a grandeza exata da realidade positiva, captada prescindindo dos limites ou confins das coisas finitas” (REALE, 2006, p. 65).
Leibniz escreve ainda sobre o intelecto de Deus, pois é n’Ele que está contida toda a forma de existência possível. No intelecto divino há uma certa organização que permite as realidades serem. Porém, se a mente divina não existisse, certamente estaria presente o nada, e algo estaria impossibilitado de vir a ser. A organização do cosmos, a constituição dos seres, os mínimos detalhes que permitem uma ordem no universo se devem ao controle mental desse ser divino.
O intelecto de Deus é, com efeito, a região das verdades eternas, ou seja, das ideias das quais tais verdades dependem. Sem o intelecto divino, portanto, nenhum real estaria contido no possível, e não só nada existiria, mas nada poderia jamais existir. (REALE, 2006, p. 65)
As provas apresentadas por Leibniz, sobre o conhecimento e a existência de Deus, são acessíveis a qualquer pessoa que as possa analisar. Isso o próprio filósofo nos assegura, e questiona aqueles que porventura podem afirmar o contrário.
Se houvesse alguém suficientemente irracional para supor que o homem é o único ser dotado de conhecimento e sabedoria, e que teria sido formado por puro acaso, e que é este mesmo princípio cego e destituído de conhecimento que conduz todo o resto do universo, eu o advertiria a examinar a censura inteiramente sólida e cheia de ênfase de Cícero (De Legibus, Livro II). Certamente – diz ele – ninguém deveria ser tão totalmente orgulhoso para imaginar que existe dentro dele um entendimento e uma razão,e que sem embargo não existe nenhuma inteligência que governe o céu e todo este vasto universo. (LEIBNIZ, 1988, p. 151-152)
Leibniz pretende, com seus argumentos, mostrar provas da existência de Deus. Para ele, o ser humano e as coisas que existem não são obra do puro acaso, não são fruto do nada, mesmo porque o nada, nada é. Uma pessoa que negue a existência divina, bem como a sua capacidade de ordenar as coisas, é desprovida de razão por crer que a própria razão seja suficiente. Porém o homem não se compõe simples e puramente de razão. Sua realidade está na capacidade de buscar e tentar compreender o que se lhe apresenta, e de maneira racional e sensitiva. Do contrário se tornaria escravo da própria razão, que não lhe pode dar o conhecimento ulterior das coisas que o rodeiam nem mesmo de si.
Em Leibniz, há a certeza da existência de Deus e do seu conhecimento pelo ser humano. Sabemos que o labor filosófico pode apresentar-nos evidências, bons argumentos, indícios, mas jamais um ser finito poderá ultimar sobre o infinito. Nenhum pensador pode querer esgotar a discussão sobre quaisquer assuntos. As vias teológica, científica, sociológica, dentre outras, podem apresentar pareceres sobre um mesmo assunto, mas é preciso que cada homem se interpele e busque respostas para seus questionamentos, seja em que campo for. O homem não deve se estagnar em um pensamento, mas ir ao encontro de outros.
Referências
REALE, Giovani. História da filosofia. Vol. IV. São Paulo: Paulinas, 2006.
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos ensaios sobre o entendimento humano. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1988. (Os pensadores, 2).
[1] Estudante do 3º período do curso de bacharelado em filosofia, pela Faculdade Arquidiocesana de Mariana.
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muito bom esse resumo sobre Leibniz,palavras simples e objetivas sobre a tese de um filosofo que em parte usa o pensamento medieval pra fundamentar sua tese quando diz que o homem pode conhecer a Deus através do pensamento inteligível.
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Estou escrevendo um artigo sobre isto. Como referencio o seu artigo?