Alessandro Ferreira de Andrade Blanck
Há tempos o homem vem procurando conhecer a totalidade das coisas, e através destas buscas surgem alguns questionamentos tais como: poderá o homem conhecer todas as coisas? Poderá o homem ser perfeitamente feliz? Não estará buscando apenas por vaidade? Por que busca o divertimento? Em que consiste a grandeza e miséria do homem? Neste artigo tentaremos responder estes questionamentos, procurando apresentar soluções para tamanho problema a partir da análise do artigo II – “Miséria do homem sem Deus” – da obra Pensamentos, de Blaise Pascal (1623-1662).
O ser humano possui um desejo demasiado pelo conhecimento. O homem é uma parte, que não pode, não consegue conhecer, “mas a parte pode ter, pelo menos, a ambição de conhecer as partes, as quais cabem dentro de suas próprias proporções” [1]. Deseja conhecer a totalidade das coisas, com intuito de ser útil a si mesmo e aos outros, sente paixão e se aproxima de paixões, ama e deseja ser amado, mas tudo isso é vaidade. “Eis a visão final do sábio rei: tudo é vaidade, tudo é afficção de espírito…” [2]. Os homens acreditam que é possível conhecer a totalidade das coisas usando apenas a razão, pois acreditam que ela é superior a todas as coisas, mas o mundo possui dimensões tão pequenas, as coisas se dividem em tantas partes que a vista, a razão do ser humano não consegue compreender e apreender, pois elas estão para além de onde se pensa ser o limite. “Todo esse mundo visível é apenas um traço imperceptível na amplidão da natureza, que sequer nos é dado conhecer de modo vago” [3].
O homem é um grande problema para si mesmo, visto que não consegue conhecer a si mesmo, sua própria realidade e nem a totalidade das coisas existentes. “Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas como o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve” [4]. Nem um ser humano finito poderá conhecer o início e nem o fim das coisas, visto que o homem está instalado neste universo, o ser humano em relação ao nada é tudo, já em ralação ao tudo é um nada, o ser humano é uma espécie de meio termo entre o nada e o todo; e apenas o criador de tal magnitude, o criador de todas as coisas poderá conhecê-las em sua totalidade. “(…) O autor destas maravilhas conhece-as; e ninguém mais” [5]. E estando a razão inserida no homem, este que é uma pequena parte neste universo, ela se vê nas mesmas ou piores dificuldades ainda de conhecer; se ela fosse infinita e não fizesse parte deste universo, certamente ela poderia conhecer a realidade existente, a totalidade das coisas, mas não está, e consequentemente, não poderá conhecer, pois “Nossa inteligência ocupa, entre as coisas inteligíveis, o mesmo lugar que nosso corpo na magnitude da natureza” [6]. E com a grande impossibilidade de conhecer todas as coisas, o ser humano se depara com a sua própria miséria, seu limite e sua impotência. Mas ao reconhecer sua miséria, sua limitação e sua impossibilidade diante do universo do saber torna-se o ser mais grandioso de todo o universo, pois sua grandeza está, justamente, no reconhecimento de sua miséria, de sua limitação, de sua pequenez em relação ao universo. “O homem é grande porque se reconhece miserável” [7].
Ele é comparado a não mais que um “caniço”, que é frágil, é agitado pelo vento para todos os lados, quebra-se com facilidade, mas que possui um pensamento, pensamento este que possibilita o reconhecimento de sua miséria. E ao reconhecer a sua miséria, limitações e impotências, torna-se relativamente superior a todas as outras criaturas, pois estas não podem reconhecer que são miseráveis, vista que não possuem o pensamento para tal reconhecimento. “O homem não é mais que um caniço, o mais débil da natureza; mas é um caniço que pensa” [8]. E juntamente com a miséria vêm todos os tormentos, as aflições, os sofrimentos batendo a fundo no coração do ser humano, e o será necessário descansar e acalmar seu íntimo e procurar algo que o tire do tédio. “A presente miséria produz nele um tormento de nostalgia pela sua passada grandeza, e este tormento o incita o instinto de uma verdade superior, a aspiração de um bem que somente pode satisfazê-lo” [9].
Para que o tédio não se torne uma profunda solidão, é necessário que o homem procure algo para não se angustiar cada vez mais, e é aí que entra o divertimento para livrá-lo do tormento, levá-lo à felicidade, mas que acaba conduzindo-lhe a outro caminho. “A única coisa que nos consola das nossas misérias é o divertimento e, no entanto, essa é a maior das nossas misérias” [10]. O divertimento afasta o homem de si mesmo, da morte e o impede de ver suas limitações e suas misérias. “Não tendo conseguido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se, para ser felizes, de não pensar nisso tudo” [11]. Por outro lado, o divertimento livrar o ser humano de um tédio, de uma depressão, de uma angústia, de uma náusea, pois logo que começa a pensar na sua condição humana limitada e também miserável causa um profundo desgosto. “Mas tirai o divertimento e os vereis consumir-se de desgosto; sentem então o seu nada, sem conhecê-lo” [12]. Por isso, o ser humano está constantemente buscando o divertimento para fugir da sua miséria, pois deixa de pensar em suas questões latentes, tentando tornar-se demasiadamente feliz e buscar uma forma de esperar e suportar a morte.
“É mais fácil suportar a morte, quando não se pensa nela, do que pensar na morte sem perigo” [13]. O divertimento tem força suficiente de conduzir um homem de um estado de tristeza, abatimento e miséria a um estado de felicidade. Dentro da visão pascaliana, a condição humana está marcada por uma miséria ontológica. E essa é a verdadeira condição do ser humano; condição que lhe torna capaz de saber com certeza e o faz ignorar o absoluto. Embora este tenha perdido um ente querido e se encontre num estado deprimente, enquanto ele estiver no divertimento será feliz, pois “sem divertimento não há alegria, com divertimento não há tristeza” [14]. Mas ele estará vivendo uma pseudo-felicidade e não uma felicidade plena, que não carece de nada mais, pois para Pascal a felicidade plena não se dá nesta vida, mas somente em Deus, só será plenamente feliz com a morte do corpo, onde se estará definitivamente com Deus. “E Pascal bem sabia que só haveria paz quando o corpo fosse destruído”. [15]
Com base no que foi apresentado, surgem alguns questionamentos: o que é o homem na natureza? E Pascal responde que o ser humano é um “(…) nada com relação ao infinito e um tudo em relação ao nada (…)” [16]. Se o homem não se deparasse primeiro com a vaidade, e sim com o divertimento, o que aconteceria? Ele não conheceria sua miséria, não se tornaria grandioso e não saberia onde encontrar felicidade absoluta. É possível ao homem conhecer? Sim, mas o que conhece não lhe é satisfatório, sempre falta algo amais.
Testifica-se, assim, que tanto a vaidade como o divertimento tem grande importância na vida do ser humano: a vaidade por envaidecer o seu coração com a possibilidade de conhecer e conduzi-lo à miséria, que consequentemente o reconduzirá à grandeza, que é o reconhecer a sua própria miséria; o divertimento resgata-o do tédio, da angústia, da tristeza, da depressão, do sofrimento, dos tormentos e o fortalece para suportar sua morte e esperar o seu encontro definitivo com Deus, quando então será feliz.
Referências
FIGUEIREDO, Jackson de. Pascal e a inquietação moderna. Rio de Janeiro: Annuario do Brasil. 1912. (Coleção Eduardo Prado).
PASCAL, Bleise. Pensamentos. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores).
SCIACCA, Michele Federico. Pascal. Tradução de F. F. Ruiz Cuevas. Barcelona: Luis Miracle. 1955.
[1] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 72. p.59
[2] FIGUEIREDO, Jackson de.p.59
[3] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 72. p.55
[4] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 72. p.56
[5] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 72. p.56
[6] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 72. p.57
[7] SCIACCA. M. F. p.182. (“El hombre es grande porque se reconoce desgraciado”).
[8] SCIACCA. M. F. p.182. (“El hombre no es más que una caña, la más débil de la naturaleza; pero es una caña que piensa”).
[9] SCIACCA. M. F. p.183. (“la presente miseria le produce el tormento de la nostalgia por su pasada grandeza; y este tormento le enciende el instinto de una Verdad superior, la aspiración a un bien que sólo puede satisfacerlo”).
[10] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 171. p.84
[11] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 168. p.83
[12] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 164. p.83
[13] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 166. p.83
[14] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 139. p. 78
[15] FIGUEIREDO, Jackson de. p. 61(Trecho de uma carta de Pascal)
[16] PASCAL, Blaise. Pensamentos. II. 72. p. 56