Alex Cristiano dos Santos
1 Introdução
Tratar-se-á neste artigo da questão da educação partindo da concepção platônica para a problemática educacional dos dias atuais. Partindo da perspectiva dialógica socrática, far-se-á uma abordagem crítica das questões educacionais, segundo Platão, enfatizando a divulgação do conhecimento e a construção do pensamento instigados através da dialética e sua importância na formação educativa (PLATÃO, s.d.). Tratar-se-á também da problemática educacional dos dias atuais e a necessidade de reestruturação do sistema educacional vigente. Far-se-á tal abordagem deste tema com o objetivo de traçar parâmetros que nos permitam avaliar as questões educativas de nosso tempo, as políticas educacionais desenvolvidas e as necessidades do sistema educacional na busca da otimização.
2 A dialética socrática: destruindo a soberba para construir o conhecimento
Platão relaciona diretamente os indivíduos com a pólis, sendo ponto chave para esta conexão a questão educativa (KOHAN, 2003). “Embora na primeira metade do século IV a.C. a alfabetização já estivesse razoavelmente disseminada entre a população, as formas orais continuavam predominando na comunicação de modo geral” (RODRIGO, 2006). A corrupção da juventude, de que Sócrates é acusado, trata-se na verdade da falta de cuidado e atenção com as crianças e jovens que, futuramente, tornar-se-ão os governantes da pólis (KOHAN, 2003). A gênese da corrupção moral e política da pólis grega está na falta de atenção com as questões educacionais, que causa nos indivíduos que governam a cidade grega uma deformação ética e moral, devido a uma formação intelectual deficitária (KOHAN, 2003).
Na “Apologia de Sócrates”, explicitam-se os atritos provocados pela dialética socrática quando interpela aqueles que se consideram sábios, destruindo suas convicções como que castelos de areia ao mais leve soprar de uma brisa (PLATÃO, s.d.). Sócrates não procura somente destruir a soberba daqueles que se julgam sábios e detentores do conhecimento, mas, a partir do conhecimento de cada um, procura auxiliar na construção de um conhecimento verdadeiro.
Aos governantes da pólis, não interessavam a divulgação do conhecimento, nem o questionamento sobre o conhecimento que possuíam, visto o temor que tinham de perder o poder pela conscientização do povo que, conhecendo a sua condição de cidadãos e a falta de condições intelectuais, morais e éticas de seus governantes, poderiam mobilizar-se, buscando destituir do poder da pólis aqueles que para tal não tinham condições, elevando a tais postos cidadãos em condições de administrar a pólis de maneira moral e ética.
Apesar de ter declarado não ser mestre de ninguém, Sócrates se reconhece como formador.
Mesmo que declarasse não ter sido mestre de ninguém, Sócrates reconhece ter formado jovens que continuariam sua tarefa, e esse é justamente um dos motivos de sua condenação à morte (Platão, Apologia de Sócrates, 33a-c; 39c-d). O próprio Platão esteve preocupado, do princípio ao fim de seus diálogos com questões educacionais, talvez porque considerasse que a alma, quando vai para o Hades, não leva outra coisa senão sua educação e seu modo de vida (Fédon, 107d). (KOHAN, 2003)
3 A sofística: a difusão do conhecimento e a profissionalização do educador
Apesar de, por muito tempo criticados, não há como se negar que os sofistas tiveram grande importância nas questões educacionais gregas no período clássico. O conhecimento que, até então, encontrava-se preso nos limites da pólis e era quase que exclusivo da aristocracia, que tinha tempo e condições de buscá-lo, nos sofistas ganha abertura, rompendo com os limites da pólis, e alcançando outras camadas da sociedade, visto que os sofistas divulgavam seus conhecimentos a todos aqueles que tinham condições de pagar por eles.
Os sofistas foram educadores profissionais (KOHAN, 2003), cobravam por seus serviços e foram criticados por aqueles que consideravam que o conhecimento e sua divulgação deveriam ser de forma gratuita. Estes, naturalmente, tinham condições financeiras para se dedicar de forma gratuita ao conhecimento e sua divulgação, visto que não necessitavam, devido as suas condições financeiras favoráveis, preocupar-se com as questões práticas da vida, tais como alimentação, saúde, vestuário, tanto de si próprios quanto de suas famílias.
4 A educação dos dias atuais: formação técnico-pragmática-fragmentada
Partindo da visão platônica sobre a educação como difusão do conhecimento, vê-se que em nossos tempos a educação acabou por tornar-se uma formação técnica, com objetivos pragmáticos. Nossos jovens são formados de forma fragmentada, recebendo apenas conhecimentos específicos que, futuramente, serão utilizados em um campo restrito de trabalho. Cada vez mais se formam profissionais e menos cidadãos. Tem-se deixado de lado aquele conhecimento que leva o individuo a pensar, a raciocinar sobre si mesmo, sobre o mundo que o cerca, sobre suas relações humanas, psico-sociais e afetivas, privilegiando o conhecimento técnico profissionalizante.
Aqueles que dedicam suas vidas como educadores profissionais se veem cada vez mais esquecidos pelos poderes constituídos. Faltam incentivos financeiros para que tenham condições dignas de vida e possam buscar cada vez mais qualificação, oferecendo assim, a cada dia, um conhecimento mais qualificado. Os que prosseguem como educadores mostram-nos que o fazem cada vez mais por amor ao conhecimento e a educação dos jovens, visto a insuficiência dos recursos por eles recebidos pela profissão que exercem.
Assim como na Grécia, na época de Sócrates e Platão, também não interessa aos governantes atuais a divulgação do conhecimento que leva o individuo a conscientizar-se da sua condição de cidadão, portador de direitos e deveres, tendo uma visão racional de mundo e de si mesmo, bem como de suas relações interpessoais, sociais e políticas. Assim como antes, os governantes atuais temem ficar vulneráveis ao povo, se este for dotado de conhecimento que o possibilite, pelo uso da razão, fazer uma análise critica de si mesmo, do mundo em que vive e de suas estruturas, o que poderia levar a perda de poder dos governantes que lá se encontram sem condições intelectuais, morais e éticas para tal exercício, ascendendo a tais posições pessoas que possuam tais condições e possam administrar a sociedade de forma que a leve ao crescimento e aperfeiçoamento como um todo.
Aos governantes atuais, é preferível formar profissionais que produzam, paguem impostos e não questionem suas atitudes do que pensadores, que os questionariam, deixando-os em situação difícil.
5 Considerações finais
Conclui-se que a divulgação do conhecimento que leva ao exercício da racionalidade, a valorização do educador e a reestruturação do sistema educacional são condições indispensáveis para o crescimento de uma sociedade e, por conseguinte, dos indivíduos que a compõe.
Percebe-se que os obstáculos presentes são cada vez mais e maiores, e quem cria esses obstáculos é a própria sociedade, quando por comodismo ou motivos outrem não toma nas mãos a responsabilidade de conduzir a própria vida, pelo uso da razão. Tais obstáculos só podem ser superados por aqueles que os criaram: a própria sociedade.
É preciso que a sociedade retire as lentes que turvam sua visão, lentes essas colocadas por ela própria, e se mobilize na busca do conhecimento que a possibilite ir do “aquele que faz” para o “aquele que pensa” e, pensando, enxergar as mudanças, difíceis, mas extremamente necessárias para o crescimento da sociedade como um todo e de cada indivíduo como cidadão, que conhece, pensa e age.
O processo de mudança dos conceitos da sociedade deve partir dela própria, visto que, aos que estão em posições de comando não interessam que haja mudanças, mas que a sociedade permaneça da forma como está, estagnada num ambiente que os favoreça.
É preciso que se substitua a atual estrutura do sistema educacional que privilegia a formação profissional para uma estrutura que privilegie a formação humana, dando ao individuo as condições necessárias para conhecer a si mesmo, aos outros e ao mundo, aprimorando cada vez mais suas relações sociais, humanas e políticas.
Urge na sociedade a presença de cidadãos pensantes, questionadores, que pelo uso da razão e do conhecimento tornem-se protagonistas da própria vida. E para tal é condição sine qua non a reestruturação do sistema de ensino, possibilitando aos indivíduos a aquisição de um conhecimento que os permita ter uma leitura racional e crítica de si mesmo, dos outros e da sociedade em que vivem.
Portanto, conclui-se que, para que haja as mudanças necessárias na sociedade atual é preciso que a própria sociedade se conscientize e que cada individuo torne-se protagonista de si mesmo, escolhendo representantes que tenham capacidade intelectual, moral e ética para administrar uma sociedade que urge por mudanças estruturais. Somente com a concepção de novas estruturas e novos governantes ter-se-á condições de implantar mudanças que possibilitem a formação de cidadãos, conscientes de sua condição, portadores de deveres e direitos e que possam, pelo exercício da razão e do conhecimento, conduzirem o crescimento da sociedade como um todo. É para que isso aconteça, é condição fundamental a mudança dos conceitos educacionais, substituindo a educação técnico-pragmática-fragmentada vigente por uma educação humanista, totalizadora, que leve o individuo ao pensamento racional livre. Mais que profissionais é preciso formar pessoas, cidadãos que tenham consciência do que são, do que fazem e das repercussões de seus pensamentos e seus atos na sociedade.
Referências
PLATÃO. Apologia de Sócrates. Disponível em <http://www.virtualbooks.com.br. Acesso em: 17 fev. 2011. 32 p.
KOHAN, Walter Omar. Infância e educação em Platão. Educação e pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 11-26, jan./jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022003000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 abr. 2011.
RODRIGO, Lídia Maria. Platão contra as pretensões educativas da poesia homérica. Educação e Sociedade, Campinas, v.27, n. 95, p. 523-539, mai./ago. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302006000200010&script=sci_arttext>. Acesso em: 12 abr. 2011.