Marney Barcelos Araújo
Nascido em Londres no ano de 1561, Francis Bacon foi introduzido na corte da Inglaterra em 1584, onde trabalhou até 1603, quando foi nomeado lorde-chanceler até 1618. Sua obra mais famosa foi escrita em 1620 e se chamava “Novum Organum”, que é a segunda parte de outra obra, a “Instauratio Magna”, a qual deveria substituir a Organum aristotélico. Escreveu também o “Parto Masculino do Tempo” no qual fez uma crítica a Platão e a Aristóteles e outros por não terem dado a devida atenção à natureza. Acusado de corrupção, sua carreira política acabou e, por isso, ele voltou os seus olhares para os seus escritos, sobretudo a “Nova Atlântida”. Bacon inicia o período da fundação da ciência analisando o processo da vida e da história humana com uma análise ética da pesquisa, além de teorizar técnicas de pesquisa natural e lançar as bases da moderna enciclopédia das ciências. Ele também foi conhecido como o filósofo natural da era industrial. Morreu no dia de Páscoa, em 9 de abril de 1626.
Francis Bacon apresenta em sua obra “Nova Atlântida” o berço para toda civilização, mostrando como o homem deve viver diante da natureza e sua postura diante do avanço industrial em meio às coisas naturais, sendo estas o bem comum de todos. A obra trata, no primeiro momento, de uma velejada rumo à China e ao Japão, mas, como se sabe, essas viagens duravam muito tempo e vários homens ficavam doentes. Pensando que iriam morrer no mar, avistaram uma ilha. O primeiro contato com o povo foi de espanto, pois era um povo poliglota e muito cristão. Eles permitiram a residência dos velejadores por alguns dias. Então alguns navegantes perguntaram por que a ilha de Bensalém era uma ilha muito desenvolvida mas não era conhecida por ninguém, e foi a partir daí que um monge que os acolheu em uma casa chamada de Colégio de Salomão lhes contou a história daquele povo.
Nesse lugar, há muito tempo surgiu uma luz vinda do mar. Um dia, um sacerdote foi ao encontro da luz com outros barcos, mas só o barco do sacerdote se aproximou, pois os outros não se mexiam. O sacerdote viu, então, um cofre de cedro onde continha ali os livros do antigo e do novo testamento em todas as línguas. Eram escritos de São Bartolomeu, recebidos de um anjo que deveria confiar às ondas esses escritos, sendo que o povo que os recebesse obteria paz e bem aventurança de Jesus Cristo.
Quanto à questão de ser um povo desconhecido, era por causa de uma grande guerra em Coya, como era chamado o Peru e México, que eram duas grandes potências. Eles haviam se enfrentado em Bensalém e destruído tudo o que tinham visto. A família que conseguiu sobreviver começou a andar nua (recorda Noé) sem comunicação e vivendo isolados. Começaram a ficar dependentes de tudo e a criarem coisas como o Colégio de Salomão onde os navegantes se encontravam. Para justificar os objetos avançados que eles tinham, o monge explicou que eles viajariam por doze anos com os navios cheios de ouro retirados das escavações e trocariam por objetos de última geração, de ciências que haviam acabado de desenvolver. Por isso, obtinham tecnologia de diversas partes do mundo. A vida conjugal era natural e o casamento não era escolhido pelos pais, pois geraria desinteresse e isso ocasionaria o pecado. Tal prática diferia da Europa, onde a escolha, na maioria das vezes, seguia a classe social. Não permitiam a poligamia. Para o casamento normal, havia um ritual interessante que era feito em dois lagos conhecidos por “Adão e Eva” onde os noivos ficavam nus e eram examinados por um amigo.
O desenvolvimento de Bensalém era voltado para a natureza, como as curas em cavernas, a água para o prolongamento da vida, a criação de rãs e moscas, o cruzamento de outras espécies de animais, tanques de peixes, pomares com diversas frutas para a fabricação de bebidas, confeitaria, diversos tipos de planta, tudo era de forma muito natural.
Para aumentar o conhecimento em outras áreas como a medicina, eles usavam o experimento de mortos e tinham objetos como certos aparelhos para aumentar a audição, ver a urina e o sangue, coisas não-visíveis e observar coisas ao longe. O divertimento também existia, como casas de som e casas de ilusões, espécies de jogos de prestidigitação. Fabricavam armas de fogo que queimavam na água e imitavam os vôos dos pássaros. Gostavam tanto de inventar, que se reuniam para saber em qual invenção trabalhar e quem inventasse algo útil, sem exagero e que não ofendesse a natureza, ganhava uma estátua numa grande galeria. Também predestinavam os terremotos, tempestades e inundações.
Para Francis Bacon, “Nova Atlântida” foi uma obra que mostrou uma cidade totalmente naturalista e voltada para o bem supremo da luz da comunidade, além de não ofender o que é natural. Bacon apresenta uma civilização igualitária, onde todos têm seus direitos e deveres.
Nesta cidade, a visão de natureza é igual a todos e ninguém faz uma antecipação errada ou toma de um outro intelecto essa visão, a qual era considerada por Bacon uma visão totalmente fantasiosa, pois para ele todos devem ter sua própria opinião, mas de modo que ela seja voltada para a luz e não cause algo de diferente no que é natural.
A obra “Nova Atlântida” inspirou vários filósofos que, depois de Bacon, estudando a referida obra, chegaram a novas teorias a respeito da concepção de natureza.
Hoje o mundo vive de forma que, se comparado à época de Bacon, este não consideraria nada natural, pois as invenções são usadas de modo individualista e o egocentrismo se faz perceber nas várias correntes de pensamento. As “bensálens” atuais, ao invés de crescer intelectualmente para o bem comum, acabam se extraviando e caindo em um relativismo mesquinho. O próprio Bacon ressaltava a importância de se difundir as invenções em prol da humanidade: “Quero que tudo aquilo que visa estabelecer relações intelectuais e libertar as mentes se difunda entre as multidões e passe de boca em boca”.
Referências
ANTISERI, D. REALE, G. História da Filosofia, vol II. Trad. Ivo Stoniolo. São Paulo: Paulus, 2004.
BACON, Francis. Nova Atlântida. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores)