Marcelo Geraldo de Oliveira
O filósofo inglês George Berkeley [1] é um representante da corrente “empirista” insatisfeito com o rumo que a filosofia moderna tomou quando se baseou somente na visão materialista. Segundo ele as discussões filosóficas e científicas de sua época estavam conduzindo a sociedade ao materialismo. Desta feita, em uma de suas obras mais conhecidas, Tratado sobre os princípios do conhecimento humano, defende que a matéria não existe. Berkeley assegura que todos os objetos percebidos no mundo exterior são apenas idéias presentes na mente. Assim, argumenta contra a existência das idéias abstratas presentes na filosofia lockiana, afirmando que não podemos conceber uma coisa do nada.
Berkeley, juntamente com o também inglês Locke, “sustenta que o conhecimento humano é conhecimento de idéias e não de fatos” [2]. O que contrapõe os pensamentos destes dois filósofos é a posição que Locke apresenta sobre o dualismo: de que algumas idéias são o efeito de coisas externas (primárias) e outras não (secundárias). Sendo assim, as primeiras pressuporiam, portanto, a existência de uma exterioridade, uma coisa fora de nós, um mundo feito de substância ou matéria. Berkeley, ao contrário, não aceita essa concepção e defende que só existe aquilo que percebemos, as qualidades secundárias, isto é, os conteúdos da consciência resultantes da experiência que são as percepções ou idéias. Quanto a isto Berkeley escreve:
É evidente para quem quer que examine os objetos do conhecimento humano que são: idéias impressas aos sentidos no momento atual; idéias percebidas atentando para as emoções e os atos da mente; ou, por fim, idéias formadas com a ajuda da memória e da imaginação, reunindo, dividindo ou apenas representando as idéias originariamente recebidas pelos (dois) dos modos anteriores. [3]
Portanto, os objetos do nosso conhecimento são as idéias. O conhecimento gira em torno das idéias. Mas de onde elas provêm? Como tentativa de resposta a este questionamento, diz Berkeley:
É da vista que obtenho as idéias da luz e das cores, com seus vários graus e suas diferenças. Com o tato, percebo o duro e o macio, o quente e o frio, o movimento e a resistência etc., tudo isso em quantidade e grau maior e menor. O olfato me fornece os odores; o gosto me dá os sabores; o ouvido transmite à mente os sons, em toda sua variedade de tons e combinações. [4]
As idéias são sensações, as quais provêm dos sentidos. Para o homem, não há nada fora da mente. No processo do conhecimento o homem não percebe a coisa em si, a essência, uma vez que esta não pode ser objeto da sensação. O que ele percebe na verdade, são apenas as idéias das coisas.
A filosofia de Berkeley nos mostra que só podemos conhecer mediante nossos sentidos, isto é, o mundo não é outra coisa senão aquilo que é apresentado aos nossos sentidos. Assim sendo, não existe nada de material na coisa que não tenha sido abstraído pela percepção sensível.
O objetivo aqui apresentado por Berkeley é demonstrar que tudo que é resultante da experiência, através das percepções, é o que existe. Sendo assim, só se pode afirmar algo como existente se for percebido pelos sentidos. Portanto, tudo que não é percebido pelos sentidos não é existente. Com isso, Berkeley critica os materialistas e também Locke, uma vez que esse afirmava que tendo experiência de algo, como por exemplo, do quente, esta idéia já estaria fixa na mente e não somente no fogo que é material.
O que Berkeley quer sintetizar com o seu pensamento é que as coisas existem como percepção do espírito ou idéias presentes na mente ou na consciência e não como coisas materiais:
Quando alguém toca em alguma coisa, isso quer dizer apenas que experimentou a sensação de tocar em alguma coisa e não que essa coisa existe. Mas então pode-se perguntar: como é que certas coisas parecem subsistir mesmo quando não são vistas ou tocadas, como por exemplo, a mesa e a árvore? [5]
Berkeley responde a este questionamento da seguinte maneira: Deus é quem garante que as idéias do objeto sensível, mesmo não sendo percebido a princípio, sejam, futuramente, impressas nos espíritos dos homens. O que existe é objeto de percepção, que é uma característica própria do objeto, mantido por um espírito, que é Deus.
Enfim, percebe-se que a teoria de Berkeley sobre as idéias dos objetos sensíveis não vem de nenhuma substância material e sim espiritual, sendo esta a única existente. A certeza de se chegar ao conhecimento do objeto que ainda não é objeto direto do homem é garantida por Deus.
Referências
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. São Paulo: Paulus, 1990.
CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. 2 ed. São Paulo: Atual, 2004.
BERKELEY, George. Tratado sobre os princípios do conhecimento humano. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores).
_________________________________________________
[1] Apesar de sua origem inglesa, Berkeley nasceu em Kilkenny, na Irlanda. Estudou no Trinity College, de Dublin, e ordenou-se sacerdote da Igreja Anglicana, em 1710. Instalou-se na colônia inglesa de Rhode Island, nos Estados Unidos, em 1728, com o objetivo de obter recursos para organizar um colégio missionário nas Bermudas – localizado ao norte da América Central, no Oceano Atlântico – território que era colônia inglesa desde 1684. Sem alcançar sua meta, voltou três anos depois à Inglaterra e foi nomeado bispo em 1734, da pequena diocese de Cloyne, na Irlanda, onde permaneceu até poucos meses antes de sua morte, ocorrida em 1753.
[2] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. p. 538
[3] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. p. 538.
[4] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. p. 538.
[5] CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. p.261.