Ramon dos Santos Oliveira
Liberdade. Uma das expressões pouco compreendidas na atualidade. Para o senso comum, liberdade pode ser interpretada de diversas maneiras, destaco: como a possibilidade de realizar tudo o que me convém, ou quando “(…) só somos livres com relação a um estado de coisas que não nos constrange” (PERDIGÃO, 1995, p. 88). Ou seja, liberdade é para o vulgo a possibilidade de realizar tudo aquilo que queira, sem nada para impedir a ação ou que nos oprima para que a mesma seja realizada.
Porém, segundo o pensamento do filósofo existencialista francês, Sartre, interpretar a liberdade dessa forma seria encarar a mesma como uma liberdade inalcançável, “(…) uma liberdade de sonho” (PERDIGÃO, 1995, p. 88). Sartre, por ser um filósofo – repito – existencialista da corrente ateia, fundamenta seu pensar existencialista nas palavras do escritor russo Dostoievski ao dizer que “Se Deus não existisse, tudo seria permitido” (apud SARTRE, 1978, p. 9). A partir disso Sartre nos diz que todas as pessoas se encontram marcadas pelo abandono, pois não há nada que nos sirva de fundamento nem em nós mesmos nem fora de nós mesmos, ou seja, não há mais nada que sirva de álibi para o homem.
Com isso, o homem se torna eternamente responsável por tudo aquilo que praticar, pensar, ou vier a fazer, pois somos aquilo que escolhemos, a nossa existência fica fadada às nossas escolhas. Para Sartre não há destino, somos os construtores do nosso futuro e é justamente neste ponto que surge a célebre frase desse filósofo que inverte toda a compreensão filosófica, até então, acerca da essência e da existência: “(…) a existência precede a essência” (SARTRE, 1978, p. 5). Sartre quer nos dizer com isso que o ser do homem é existir sem nenhuma prévia determinação.
E na sociedade hodierna o que mais se percebe é a ausência do caráter autônomo que as pessoas deveriam ter em relação a suas escolhas, o que se observa são inúmeras vezes os álibis usados pelas pessoas a fim de justificarem suas ações. Hoje existem diversas apologias à liberdade como se vê na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em que afirma que todo homem tem direito à liberdade.
Entretanto, que liberdade se trata? Qual liberdade, de fato, os homens querem? O problema que se observa é que todos nós queremos usufruir de “liberdade”, mas não sabemos de que maneira é ser livre, ou melhor, não queremos nos responsabilizar por tal liberdade. Todos nós estamos fadados a ela, o que sem dúvida, como nos diz Sartre, nos gera uma angústia, pois além de decidirmos subjetivamente sobre nós devemos consequentemente ser responsáveis pelas nossas escolhas de modo que elas sejam favoráveis também para toda a humanidade, tendo em vista que não temos ninguém para demarcar as nossas escolhas.
O existencialismo não tem pejo em declarar que o homem é angústia. Significa isso: o homem ligado por um compromisso e que se dá conta de que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também um legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo que a si próprio, a humanidade inteira, não poderia escapar ao sentimento da sua total e profunda responsabilidade (SARTRE, 1978, p. 7).
Escolher significa projetar-se, lançar-se para o futuro, os seres humanos são projetos para o futuro, ou seja, somos todos marcados pela possibilidade do vir-a-ser.
Com a afirmação rigorosa da impossibilidade de não exercer a liberdade, Sartre nos mostra que a liberdade não é um atributo acrescentável à subjetividade, mas a própria existência e consequentemente a subjetividade, estão de tais modos ligados à liberdade, que se torna impossível afirmar ontologicamente uma renúncia à mesma. Enfim o homem só não é livre para não ser livre.
A partir disso o que percebemos é que o homem, segundo Sartre, jamais poderá ser considerado como acabado, pois sempre irá se encontrar neste plano do projetar-se, das escolhas, enfim o homem sempre estará condenado à impossibilidade de um fim enquanto tal. Com isso, o homem se vê diante da necessidade de se criar para poder se afirmar, ou seja, o homem toma consciência de sua condição e se projeta para o as suas decisões.
A filosofia sartriana possibilita aos homens a capacidade de se responsabilizarem pelas suas próprias escolhas, o homem reconhece a sua condenação à liberdade e diante dela se angustia para que faça suas escolhas e ao mesmo tempo se torna responsável pelas mesmas.
Referências
PERDIGÃO, Paulo. Existência e Liberdade: uma introdução à filosofia de Sartre. Porto Alegre: L&PM Editores, 1995.
SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores).
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Texto muito coeso.
Agora assim, refletindo um pouco sobre essa temática da liberdade, me vem umas questões que eu já havia me colocado antes, junto com outras pessoas.
Li um texto há uns dias e ele me esclareceu um problema em relação a essa liberdade, que Sarte fala. Nele há uma frase, que basicamente diz que somos alienados, mas nem por isso deixamos de ser livres.
Só que ouvir de um texto existencialista, que somos alienados, de certo modo, é novo pra mim. Sempre achei que Sartre falava dessa liberdade utópica e que não considerava todas essas disposições da sociedade, que restringem a ação do homem (livre).
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Parabéns, Ramon. Excelente artigo. Mas tenho uma questõe – despretenciosa/só dúvida mesmo: você bem colocou que Sartre, por ser existencialista, nos diz que “todas as pessoas se encontram marcadas pelo abandono, pois não há nada que nos sirva de fundamento nem em nós mesmos nem fora de nós mesmos, ou seja, não há mais nada que sirva de álibi para o homem”. Depois você diz, fundamentadamente, que “escolher significa projetar-se, lançar-se para o futuro, os seres humanos são projetos para o futuro, ou seja, somos todos marcados pela possibilidade do vir-a-ser”. Assim sendo, você conseguiria perceber uma contradição nestas duas frases? Se sim, o que você me diria a partir de tal contradição?
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Obrigado pela leitura Rodrigo!
Não percebo nenhuma contradição nestas duas frases diante do pensamento existencialista de Sartre, tento justificar: Na primeira frase “todas as pessoas se encontram marcadas pelo abandono, pois não há nada que nos sirva de fundamento nem em nós mesmos nem fora de nós mesmos, ou seja, não há mais nada que sirva de álibi para o homem” mostra que não há nada que nos “amarre” diante de nossas possíveis escolhas, ou seja, se não há nada fora de mim nem em mim mesmo tudo me é permitido dando abertura para um questionamento, que tentei brevemente aqui também demonstrar, da responsabilidade, onde minha liberdade não elimina em mim a responsabilidade diante de minhas escolhas. E por isso acho que a segunda frase: “escolher significa projetar-se, lançar-se para o futuro, os seres humanos são projetos para o futuro, ou seja, somos todos marcados pela possibilidade do vir-a-ser” completa a primeira, se nada me amarra diante de minhas escolhas, tendo em vista que a elas estou condenado, todas elas se tornam para o sujeito um constante lançar-se num vir-a-ser, num mundo de possibilidade em que o sujeito por meio de sua liberdade, se angustia, escolhe e se torna responsável pela sua escolha.