José Maria Dias
No decorrer da história, a linguagem sempre foi um elemento primordial na vida do ser humano. Neste sentido, buscaremos entender um pouco sobre ela no pensamento de Gadamer. É possível falar de linguagem sem mencionar o ser humano? É o que pretendemos esclarecer no decorrer deste artigo.
A definição clássica demonstra o homem como um ser vivo possuidor do logos, conforme definido por Aristóteles. Ele “(…) classifica o homem como o ser vivo que possui “logos” (zoón logikon) sendo essa definição canonizada na tradição Ocidental como a forma de que o homem é o animal racional” (RIBEIRO, 2011). É a racionalidade que vai distinguir o homem de todos os outros animais, ela é uma característica que só os seres humanos possuem.
A palavra logos vem do grego, refere-se à razão ou pensamento, mas não fica presa só neste sentido, ela também significa linguagem. “(…) já batida definição do homem como animal racional, essa definição é parcial e precisa ser retomada numa outra forma, pois a palavra grega logos em Aristóteles não significa apenas pensamento, mas, sobretudo linguagem” (CARVALHO, 2002, p.431).
Para Aristóteles, os animais têm capacidade de entendimento entre si, designando entre eles o que lhes causa prazer para que possam buscá-los e recusar aquilo que lhes causam dor. Esta foi a única permissão concedida pela natureza aos animais. “Aos animais a natureza só lhes permitiu chegar até esse ponto” (GADAMER, 2002. p. 173). Só os homens gozam do logos, que é dado pela natureza, para que entre eles possam existir as informações sobre o que lhes são úteis ou prejudiciais, justos ou injustos. E é isto que se torna o homem como o único animal que tem capacidade de pensar e falar. É através dessa capacidade que ele consegue dominar seus instintos, seja qual for.
É a fala que dá ao homem o poder de se tornar visível, aquilo que estava ausente, tornando possível do outro vê-lo. O homem tem capacidade de poder falar tudo o que passa pelo seu pensamento. Isto só é permitido, porque ele é o único ser vivo dotado de linguagem.
Para Gadamer, a linguagem não constitui um ponto central no pensamento filosófico do Ocidente. No entanto, ele nos chama a atenção pelo fato da criação que se deu no Antigo Testamento, em que o fato de Deus ter entregado o domínio do mundo ao homem, dando-lhe o poder de nomear os seres como melhor lhe conviesse, mas isto não trouxe a liberdade para o pensamento em relação à linguagem. “Mesmo assim, foi justamente a tradição religiosa do Ocidente Cristão que acabou paralisando de certo modo o pensamento sobre a linguagem” (GADAMER, 2002. p. 174).
Foi o Iluminismo que trouxe de maneira renovada a pergunta sobre a origem da linguagem, neste momento deu-se um grande passo, porque a questão que nos remete a linguagem não é mais respondida pela perspectiva da história da criação, mas sim pela própria natureza do homem. O que deu este poder ao homem foi a faculdade que existe nele de esclarece, levando-o ao regimento estrutural, ao qual podemos chamar de gramática, sintaxe e vocabulário da linguagem. “A ciência da linguagem, como qualquer outra pré-história, representa a pré-história do espírito humano” (GADAMER, 2002, p. 175). Com isso, o modo de pensar só vai dar sentido o fenômeno da linguagem, no mesmo campo de expressão eminente do qual é permitido estudar a essência do homem e a sua evolução na história.
É com a filosofia que o fenômeno da linguagem chega a seu ponto mais importante. Para Gadamer nós não podemos encarar a palavra “logos” só no sentido de pensamento e de linguagem, ela também tem outros significados.
A palavra Logos não significa apenas pensamento e linguagem, mas também conceito e lei. A cunhagem do conceito de linguagem pressupõe uma consciência de linguagem. Mas isso é apenas o resultado de um movimento reflexivo, no qual o sujeito pensante reflete a partir da realização inconsciente da linguagem, colocado a uma distância de si próprio. O verdadeiro enigma da linguagem, porém, é que isso jamais se deixa alcançar plenamente (GADAMER, 2002, p. 176).
Mas, todo o pensar a respeito da linguagem, de certa forma, já foi alcançado por ela, pois só nos é permitido pensar dentro de uma linguagem, porque o nosso pensamento nela habita. “A linguagem não é um dos meios em que a consciência se comunica com o mundo, ela não representa um terceiro instrumento ao lado do signo e da ferramenta” (GADAMER, 2002, p. 176). Porque ela não é nenhum instrumento e nenhuma ferramenta, pois, uma característica do instrumento é de ser dominado por nós, e feito o serviço abandonamos. Com a linguagem não é assim.
Todo o conhecimento que existe em nós mesmo e do mundo, sempre foram nos passados pela linguagem. “É aprendendo a falar que crescemos, conhecemos o mundo, conhecemos as pessoas e por fim conhecemos a nós próprios” (GADAMER, 2002, p. 176). Estamos tão habituados e introduzidos na linguagem, da mesma forma que nos encontramos no mundo. Todos os nossos conhecimentos pessoais ou do mundo, já estão precedidos pela interpretação, proporcionada pela linguagem, a essa integração com o mundo podemos chamar crescer.
Os indivíduos, quando falam, não têm uma consciência verdadeira do que estão falando, pois são raras as vezes que se encontra alguém que tem consciência da linguagem que está sendo expressa.
Quando temos em mente dizer algo e nos vem à memória uma palavra que nos faz hesitar, que soa estranha ou cômica, nos perguntamos: “Pode-se dizer isso?” Nesse momento, a linguagem que falamos torna-se consciente, por não fazer o que é o seu próprio. E que é o seu próprio? Creio que podemos distinguir três aspectos nessa questão (GADAMER, 2002, p. 178).
Em primeiro lugar está o esquecimento essencial, que é o de si mesmo, que advém da linguagem, e esta quando é viva não tem consciência de sua própria estrutura, gramática, sintaxe, etc., isto é, de tudo aquilo que a ciência da linguagem tematiza. Mas, o que fica em evidência é que, quanto mais vivo estiver o ato da linguagem, menos consciência se terá dela. Assim, o esquecimento de si próprio da linguagem nos mostra que seu verdadeiro sentido é que nela se diz o que constitui o mundo do comum, onde vivemos e onde se insere também a grande corrente da tradição, que nos alcança por meio da literatura de língua estrangeira, vivas ou mortas. O verdadeiro sentido da linguagem é aquilo que adentramos quando a ouvimos: o dito (GADAMER, 2002).
No segundo momento, o que Gadamer percebe é que falta um traço essencial no ser da linguagem, que é a ausência de um eu. Porque falar significa falar com alguém, pois para que a palavra tenha significado, ela tem que ir ao encontro de alguém. Sendo assim o falar não pertence ao eu, mas a esfera do nós. A realidade do vocábulo (falar) se encontra presente no diálogo. “Em todo diálogo, porem, vige um espírito, bom ou mau, espírito de enrijecimento e paralisação ou um espírito de comunicação e intercâmbio fluente entre eu e tu” (GADAMER, 2002, p. 179-180). O diálogo segundo Gadamer, também pode ser comparado a um jogo, pois este acontece quando o jogador o leva a sério, sem se considerar que é apenas um jogador, mas que faz parte da estrutura do jogo, assim também acontece com o diálogo, pois é na sua estrutura que se dá a linguagem real.
O terceiro aspecto pode ser chamado de universalidade da linguagem. A linguagem não é formada dentro de âmbito fechado, mas ela se torna oniabrangente (GADAMER, 2002). “Uma vez que o simples ter em mente já se refere a algo, não há nada que se subtraia fundamentalmente à possibilidade de ser dito” (GADAMER, 2002, p. 180). A oportunidade de falar avança sem deter-se por motivos da universalidade da razão, no entanto, todo o diálogo tem em si uma infinitude interna que já mais acaba. Não podemos dizer que determinado diálogo terminou e que não existe mais nada a falar ou a ser dito, pois isto nos levaria a cometer um grande erro. “O diálogo é interrompido, seja porque os interlocutores consideram já ter dito o suficiente, seja por não terem mais nada a dizer. Toda a interrupção deste diálogo guarda, por sua vez, uma referência interna à retomada do diálogo” (GADAMER, 2002, p. 181).
Tudo o que foi falado, a sua verdade não se encontra simplesmente em si mesmo, mas está presente naquilo que não foi dito. Todo o enunciado tem consigo mesmo uma motivação e com tudo isto, o que nos é falado nos dá a permissão de fazer uma pergunta com razão. “‘Por que dizes isso?’ Um enunciado só consegue tornar-se compreensível quando no dito compreende-se também o não dito. Sabemos isso sobretudo pelo o fenômeno da linguagem.” (GADAMER, 2002, p. 181).
Quando se faz uma pergunta, que não temos a motivação para tal, esta não tem como ser respondida. É só através da história da motivação em que se deu a pergunta, é que vai surgir um âmbito, a partir do qual poderá se dá uma resposta. “Assim, tanto no perguntar quanto no responder dá-se um diálogo infinito em cujo espaço se dão palavra e resposta” (GADAMER, 2002, p. 181). Tudo aquilo que é mencionado se encontra nesse espaço.
Sendo assim, podemos perceber a importância da linguagem na vida dos seres humanos. Será que sem a linguagem, seria possível nos tonarmos humanos? A partir dos fatos que aqui foram relatados, podemos concluir que a linguagem é o ponto central dos seres humanos, pois é a partir da linguagem que os homens se fazem presença e possuem a capacidade de agirem no mundo e de interagirem entre si mesmos.
Referências
CARVALHO, Helder Buenos Aires de. Em torno a H.-G. Gadamer. Síntese, Belo Horizonte, v. 29, n. 95, p. 425-436, set.-dez. 2002.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índice. Tradução de Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002.
RIBEIRO, Edivaldo de Oliveira. Homem e linguagem segundo Gadamer. Disponível em: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2010/11/26/homem-e-linguagem-segundo-gadamer/. Acesso em: 10 set. 2011.
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Foi muito bom está explicação, um espaço tão pequeno com uma profundidade de explicação
Muito obrigado!!