Bernardo Ferreira de Sousa
Na vida de Claude Lévi-Strauss, a música teve lugar de destaque, pois desde pequeno ele sempre se interessou por ela. Isso se iniciou quando ele teve suas primeiras lições de violino e com isso chegou até a compor um libreto. No entanto, por ocasião de alguns desajustes, deixou de lado o contato com tal instrumento e com a composição, e acabou tornando-se antropólogo. Ao se tornar antropólogo, tentou pesquisar a arte musical através do mito, e ao fazê-lo foi bastante feliz, pois o mito abrange tanto as artes em geral quanto a sociedade em si. Diante disso procuraremos entender nesse artigo a relação entre mito e música.
Segundo Lévi-Strauss, a relação entre mito e música provém de duas fontes: a primeira da similaridade e a outra da contiguidade. Essa relação é nada mais do que dois fatos iguais, ou seja, tanto o mito quanto a música são, na realidade, o mesmo fato. Mas isso não foi compreendido de imediato pelo autor em questão.
Foi a similaridade que lhe chamou mais a atenção. Explicando-a ele diz: “o aspecto da similaridade, a minha convicção era que, tal como sucede numa partitura musical; é impossível compreender um mito como uma sequência contínua” (LÉVI-STRAUSS, 1987, p.66). Assim, a similaridade existe quando lemos de maneira correta o mito, ou seja, como uma partitura musical, pois o mito possui uma totalidade e é a partir dessa totalidade que descobrimos o seu significado. Portanto, a similaridade existe quando procuramos ler o mito como uma partitura orquestral, ou seja, lendo o mito frase por frase dentro de uma totalidade.
Mas como acontece ou inicia esta relação e qual o por quê disso? Respondendo a esta questão Lévi-Strauss afirma: “a minha opinião, é o segundo aspecto, o aspecto da contiguidade, que nos dá a chave para este problema” (LÉVI-STRAUSS, 1987, p.67). A contiguidade é algo que está próximo, ou melhor, em contato com. Nosso autor explica isso com uma volta aos termos históricos:
o pensamento mitológico, não digo se dissipou ou desapareceu, mas passou para segundo plano no pensamento ocidental da Renascença e do século XVIII, que começaram a aparecer as primeiras novelas, em vez de histórias ainda elaboradas segundo o modelo da mitologia (LÉVI-STRAUSS, 1987, p.67).
E é neste período que começam também a surgir em todo ocidente grandes estilos musicais, alguns citados por nosso Lévi-Strauss, tais como Mozart, Beethoven e Wagner. Ele exemplifica que na tetralogia de Wagner, O Anel do Nibelungo, em que as quatro óperas (O Ouro do Reno, As Valquírias, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses) têm como tema a maldição ligada à posse do ouro e à renúncia do amor. Para um melhor esclarecimento, Rocha analisa que “em O Ouro do Reno a posse do ouro está ligada à renúncia a todo tipo de amor. Em As Valquírias o tema do amor aparece de forma incestuosa, portanto proibido. São temas musicais também comuns na mitologia” (ROCHA, 2008, p.2). Para Lévi-Strauss, estes exemplos são suficientes para mostrar a similaridade de método entre a análise do mito e a compreensão da música. Mas cada parte, cada fragmento deve estar “relacionado com o antes e com o depois, para que com a audição em conjunto se possa chegar a um perfeito entendimento” (ROCHA, 2008, p.3). Portanto, a contiguidade é isso: um correr no tempo histórico, é um ouvir música de um ponto para o outro, de um termo inicial a um termo final através do tempo.
Mito e música são similares e contíguas, abordados de forma abrangente, incluídos no rol dos maiores estudos estruturais, ao lado da matemática e da linguagem natural. E é nessa perspectiva que nosso autor qualifica o mito e a música numa relação clara e conveniente.
Mas dentro deste elo similar, existe outra vertente citada Lévi-Strauss que compreende a música e a linguagem. A linguagem (esponsável pela propagação do mito) está relacionada à linguística, ou seja, aos fonemas, às palavras e às frases. A música está relacionada à melodia, ou seja, ao conjunto de notas, e nela há fonemas, notas e frases. E por fim o mito está relacionado às palavras, e nele há palavras, frases, mas faltam fonemas. Há algo de similar entre mito, música e linguagem, conforme explica Lévi-Strauss:
Poder-se-ia dizer perfeitamente que, enquanto na linguagem se tem os fonemas como material elementar, na música temos algo que eu poderia chamar «sonemas» – em inglês, talvez que a palavra mais adequada fosse «tonemas». Isto é uma similaridade (LÉVI-STRAUSS, 1987, p.75).
Então em Lévi-Strauss é possível buscar uma similaridade entre mito, música e linguagem, mas para que isso seja possível inicia-se sempre na linguagem, pois tanto o mito quanto a música se desenvolveram a partir da linguagem, mas em diferentes direções. Assim, “a música destaca os aspectos do som já presentes na linguagem, enquanto a mitologia sublinha o aspecto do sentido, o aspecto do significado, que também está profundamente presente na linguagem” (LÉVI-STRAUSS, 1987, p.77).
Portanto, temos a clareza relacional entre mito e música, sendo que na “música é o elemento sonoro que predomina, e no mito é o significado” (LÉVI-STRAUSS, 1987, p.77). Com isso é afirmado por Lévi-Strauss, e colocado como central na reflexão entre mito e música, um paralelismo que aborda os aspectos da similaridade e da contiguidade, e segundo nosso autor o paralelismo é possível se levarmos em conta a música como surgiu na civilização ocidental.
Referências
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 1987.
ROCHA, Antônio do Amaral. Mito e música. Disponível em: http://aamaralrocha.blogspot.com/2008/01/mito-e-msica.html. Acesso em: 20 nov. 2011.