Rosemberg do Carmo Nascimento
Jhonatas Tadeu Costa Rosa
Desde os primórdios da filosofia, existiram várias formas e diversas teorias distintas para definir quem é Deus e se ele existe. Utilizando princípios físicos, metafísicos, espirituais e intuitivos, esses pensadores que iremos abordar como: São Tomás de Aquino (1225-1274), Santo Anselmo (1033-1109) e Santo Agostinho (354-430) lançaram algumas ideias sobre a concepção filosófica de Deus, uma vez que, analisadas causam muitas dúvidas até mesmo para pessoas esclarecidas, pois, deixa transparecer que o princípio de todas as coisas é impossível de ser definido. Contudo, analisando a forma dos diversos pensamentos destes filósofos medievais a respeito do conceito de Deus, todavia, apesar de sua amplitude para a filosofia do ponto vista gnosiológico, torna-se difícil chegar a uma acepção, pois, segundo eles, embora saibamos que Deus exista, e que é a verdade suprema e o fim último a que aspira a nossa vontade, não nos é dado compreendê-lo. Entretanto, a finalidade deste ensaio não é definir quem é Deus, mas, apresentar as principais ideias de Deus, segundo tais pensadores que aqui nos propomos a estudar. E alçar questionamentos a fim de serem discutidos. Consequentemente, apesar das várias concepções de Deus, que eles apontaram iremos perceber a importância de compreender o conceito de Deus mesmo que seja complexo e se torne impossível definir.
Nesta proposta, buscaremos imagens reflexivas desses pensadores que são de extraordinária importância para a filosofia medieval, e que muito contribuíram para a discussão, reflexão e análise da problemática acerca da existência de Deus.
A concepção agostiniana de Deus
Com o advento da filosofia patrística e do cristianismo, originaram-se novas concepções de Deus, que desafiaram o pensamento filosófico. Todavia, era necessário mostrar que esses problemas e respectivas soluções não contradiziam a razão, isto é, que a fé não se contrapunha à racionalidade. Entretanto, a filosofia agostiniana e, conseguinte a filosofia cristã como tal, atinge o seu auge, por meio do pensamento de Agostinho que gira em torno de Deus, uma vez que sua filosofia é uma interpretação própria de sua vida, na qual se resume em uma busca ininterrupta de Deus. Agostinho encontrou a Deus tanto pela razão quanto pelo amor, ainda que sem possuí–Lo. Porém, a inquietude de sua alma vem a ser como uma sinopse de toda a sua vida. Por isso, o problema vital de Agostinho não se exprime na pergunta: que devo procurar? Mas, nesta outra: de que modo devo buscá-Lo a fim de encontrar repouso em sua posse definitiva?
Agostinho nunca pôs em dúvida a existência de Deus. Nenhuma problemática, nenhum ceticismo, e nem mesmo o estudo das opiniões discordantes dos filósofos puderam arrancar – lhe a convicção de que há um Deus. Pois, a existência de Deus é conhecida de todos os homens, com a exceção de alguns poucos que têm a natureza inteiramente corrompida com esta ressalva, a humanidade é unanime em reconhecer um Deus criador. (BOEHNER; GILSON, 1998, p. 152).
Entretanto, sua filosofia que trata a questão de Deus não constituía um problema pessoal para Agostinho, mas nem por isso deixou de se interessar e de resolvê-lo de um modo inteiramente pessoal. Sua solução faz parte integrante de sua doutrina ligada ao conhecimento que por sua vez, é resultado da experiência de intimidade com Deus.
Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo e eu não estava convosco. (AGOSTINHO, 1980, p. 38).
O conceito agostiniano a respeito de Deus é o ápice da filosofia cristã, pois nos apresenta provas sobre o problema da existência de Deus, que são desenvolvidas através de uma experiência interior.
Aliás, fazendo um paralelo entre o conhecimento sensível de Deus e a ordem do conhecimento intelectivo, pode-se dizer que Agostinho começa pelo conhecimento mais evidente: o sensível possui um sentido exclusivamente próprio isto é não se limita a um único sentido, mas, pelo contrário pressupõe a existência de uma força superior, ou seja, a faculdade de julgar os sentidos, a saber: de um sentido interior. Já o conhecimento intelectivo é aquele guiado e dominado pela razão: “Acima da razão está à verdade que julga e modera a razão” (BOEHNER; GILSON, 1998, p.155).
Por conseguinte, será Deus esse algo superior à razão? É capaz de existir algo acima da razão para dispormos das provas da existência de Deus? Ademais, a finalidade de Agostinho não é estabelecer um fato da existência de Deus, mas levantar questionamentos sobre o que é Deus, porém não havendo acepções, assim como foi ressaltado podemos dizer segundo a concepção de Agostinho, que Deus pode ser compreendido como algo que transcende a razão, isto é, Deus deve ser encontrado no reino da verdade, ou em algo de que a verdade depende, e que explica as condições de verdade, por isso, que Agostinho não determina a realidade exata que se deve atribuir a Deus. Ao contrário, contenta-se a descoberta de uma realidade que ultrapassa a razão e que, imediatamente, deva ser buscada no domínio espiritual.
Além disso, torna-se claro que, assim que a prova de Agostinho da existência de Deus outra coisa senão seria a síntese de sua experiência pessoal. Experiências essas que foram adquiridas no curso de sua libertação filosófica que se tornaram outros meios de aproximação de Deus, pois, de racionalista transforma-se em defensor intransigente da fé. Porém, na filosofia agostiniana, a teoria do conhecimento é inseparável da prova da existência de Deus, porque, sempre estava convicto de que existia um Deus que através do conhecimento e da fé o homem alcançaria a contemplação que o conduziria a ele.
Enfim, Agostinho investiga sobre o livre arbítrio, que primeiramente, corrobora na existência de Deus.Depois, prova que o livre-arbítrio é um bem e que, por conseguinte, provém de Deus, pois, dá ao ser humano a faculdade de discernir. Mas, para chegar à existência de Deus, segundo Agostinho, é preciso partir do único ser que pode fazer tal investigação: o homem. Agostinho através dessa certeza implica que há três verdades: pensar, viver e existir. “O sujeito que pensa não pode pensar sem viver, nem viver sem existir, ele sabe que pensa que vive e que existe”. (BOEHNER; GILSON, 1998, p.154).
Dessas três verdades, a mais importante é a última. Isso porque, aquele que só existe vive e entende, mas, aquele que só vive, existe, porém não entende e aquele que entende necessariamente existe e vive.
Logo, Agostinho parte do homem porque, partindo da criatura mais completa, chega-se ao criador perfeito. Não que se consiga entender o criador, o que seria impossível, mas ao menos se consegue comprovar sua existência.
A concepção tomista de Deus
Já a concepção de Deus na filosofia medieval a partir de São Tomás de Aquino, demarca o embate filosófico do pensamento Tomista, que é abordado na suma teológica em que o problema central da filosofia, é responder a tais questionamentos sobre Deus e o principal intuito, pois da Doutrina sagrada, é transmitir o conhecimento de Deus, não somente enquanto existente em si, mas como princípio e fim dos seres. Segundo a filosofia tomista, a própria estrutura do ser humano está a exigir que o seu conhecimento comece pelos sentidos, a partir deles eleva-se ao suprassensível, e até a própria divindade. Esta concepção do processo gnosiológico determina a posição tomista perante o problema de Deus. Desta forma segundo a filosofia Tomista, o caminho que leva o homem ao conhecimento de Deus deve passar pelas coisas sensíveis. Por isso os argumentos tomistas da existência de Deus vêm expostos, tanto na Summa Contra Gentiles como na Summa Theologica. Consequentemente, a argumentação da Suma contra os Gentios é mais aperfeiçoada e minuciosa. A suma teológica retoma a metafísica de Aristóteles agora com são Tomás usado numa interpretação cristã, para fundamentar as provas da existência de Deus. Segundo S. Tomás por cinco vias pode-se provar a existência de Deus. Contudo, na primeira via manifesta a procedência do movimento segundo ele tudo o que é movido é movido pelo outro;
Nada é movido senão enquanto está em potência relativamente àquilo que é movido senão enquanto está em potência relativamente àquilo a que é movido. Pois, mover outra coisa não é senão levar alguma coisa da potência ao ato. (ato – realidade) […]. Pois, bem é impossível estar em ato e em potência ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista, logo pela mesma razão, é impossível uma coisa ser motora e movida do mesmo ponto de vista e do mesmo modo, ou seja, lhe é impossível mover-se a si mesma. Por conseguinte, tudo o que é movido há de sê-lo por outro. Se, portanto, o motor é por sua vez movido também ele deve ser movido por outro, e este por outro. Ora, não se pode proceder assim o infinito, pois não haveria nenhum primeiro motor, e, por conseguinte não haveria absolutamente nenhum motor; pois os motores segundo (ou subordinados) não movem enquanto são movidos pelo primeiro motor: Logo, é necessário chegar a um primeiro motor que não seja movido por nenhum outro, ao qual todos dão o nome de Deus. (BOEHNER; GILSON, 1998, p.453).
Na segunda via procede da natureza da causa eficiente. Nas coisas sensíveis observamos uma ordem de causas eficientes. Entretanto, tratando – se do infinito podemos dizer que nas causas eficientes, não haverá causa eficiente primeira, nem efeito último nem causas eficientes intermediárias. O que se pode dizer que é falso. Logo, é necessário admitir uma causa eficiente primeira a qual todos dão o nome de Deus.
Por isso na terceira via entre as coisas, que encontramos algumas que podem ser e não ser, porquanto podem ser geradas e corrompidas.
Já na quarta via procede dos graus que se encontram nas coisas. Logo há um ser que é causa do ser, da bondade e de toda e qualquer perfeição e este se chama Deus.
Na quinta via procede do governo das coisas, pois se observam que algumas coisas, carecentes do conhecimento, tais como os corpos naturais, operam em vista de um fim; com isso pode-se concluir que algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais se ordenam a um fim, que chamamos de Deus.
Embora, sejam opostas as provas, as cinco vias seguem um fio condutor uniforme. Em primeiro lugar todas elas partem de uma realidade concreta, verificável e sensível, o que lhes dá um cunho essencialmente distinto de todos os argumentos genuinamente agostinianos, que partem preferentemente de experiência interna.
A concepção anselmiana de Deus
Santo Anselmo é considerado o pai da escolástica. E com razão em sua pessoa a aceitação incondicional da verdade revelada alia – se ao empenho veemente de penetrá-la com a luz do entendimento e de fundamentá-la com razões indiscutíveis. Todavia, ele faz uma série de levantamentos de questões e afirmações que têm por objetivo, defender e de certa forma, provar a existência de Deus. O pensador de forma muito singular diz que: “Deus é o ser do qual não se pode pensar nada maior.” (ANSELMO, 1973, p. 108).
Na verdade, todo ser racional tem em si a consciência de uma realidade Suprema e inatingível. As coisas não podem ser idênticas em potencialidades ou em capacidades totais. Deve, pois, haver um fim máximo de todo o existente, pois, tudo se volta para seu ápice. Este fim, para definir, é Deus. Nessa perspectiva Anselmo formula uma série de noções lógicas para dizer que a inexistência é impossível. Ele diz que:
Quem compreende o que Deus é certamente não pode pensar que ele não exista, mas o poderia, se repetisse na mente a palavra Deus sem atribuir-lhe nenhum significado ou significando coisa completamente diferente. (ANSELMO, 1973, P. 110).
Contudo, o escolástico leva a existência de Deus a um jogo lógico que quase não abre espaço para a crença na existência de Deus. Se pudermos pensar algo e este algo se apresenta em nosso pensar como algo claro, não podemos questionar a sua veracidade existencial. Logo, pensar em Deus como Ele supostamente é, não podemos dizer de forma alguma que Ele não exista. Se, pois, somos capazes de pensar em Deus, somos obrigados e assumir que Ele é existente. E se assumimos a sua existência nós o concebemos como Todo Poderoso. Mas, como pode ser todo Poderoso quem não é capaz de tudo? Deus não pode, por exemplo, sofrer das fraquezas da carne, pois Ele não é uma realidade sensível. E então como pode tudo se não pode Sofrer? Para tal questão Anselmo formula a resposta, “Quem é capaz de conhecer é capaz de sentir” (ANSELMO, 1973, P. 111). Deus não necessita de ser sensível para saber o que são as limitações desta realidade, pois, Ele sendo eterno e conhecedor de todas as realidades sabe tudo o que se sente sendo limitado mesmo que para Ele não existam limites. Todavia, Deus sabe tudo.
Uma das maiores dificuldades dos pensadores escolásticos era fazer uma ligação entre um Deus misericordioso e justo em uma mesma pessoa. Era quase impossível pensar em um Deus que fosse misericordioso e ao mesmo tempo justo. Dessa forma, Ele deixaria de praticar a misericórdia para praticar a justiça e sendo justo deixaria de lado a misericórdia para praticar a justiça. Anselmo chega a uma via para esta questão ao pensar que: “Tu és misericordioso porque é sumamente bom, e és sumamente bom porque sumamente justo, deve-se admitir que és verdadeiramente misericordioso porque és sumamente justo” (ANSELMO, 1973, p. 114 ). Assim sendo, Anselmo encerra de certa forma, esta indagação que colocava Deus entre a misericórdia e a justiça com o pensamento intrínseco a sua fala, a justiça de Deus é a misericórdia e ao mesmo tempo reforça tal afirmação ao dizer: “É mais justo aquele que retribui aos bons e aos maus, e não somente aos bons, segundo os seus méritos. Portanto, tu és justo conforme a tua natureza, ó Deus justo e benigno, tanto ao castigar como ao perdoar.” Ainda dentro do pensamento de Anselmo, se antes ele disse que o ser Divino existe, pois podemos pensa-Lo, agora ele diz que “ Tu não és apenas aquilo de que não é possível pensar nada maior, mas és, também, tão Grande que superas a nossa possibilidade de pensar-te” (ANSELMO, 1973, p. 119).
Desse modo, o filósofo chega não a anular seus ditos anteriores, mas a fortalecê-los. Ao dizer que não é possível pensar Deus, ele diz que não podemos compreender o Divino como Ele é em sua essência, pois sua essência esta muito além da nossa capacidade de compreensão. Por tal dito, Deus na concepção anselmiana é algo existente e que está acima de todas as realidades, até mesmo da realidade pensante. Podemos pensa-Lo de modo que obrigue a sua existência, mas não podemos pensa-lo de modo que este pensar nos revele quem Ele é inteiramente. “Tu estás inteiro por toda a parte e a tua eternidade é inteira e imperecível” (ANSELMO, 1973, p. 122). Deus é o princípio e o fim de todas as coisas, Ele existe antes, durante e depois de todas as coisas, pois Ele criou tudo, mantêm tudo e permanecerá eterno e imutável depois que todas as coisas tiverem seu fim. Em tudo se pode notar Deus pois em cada criatura está uma inscrição de seu Criador. Ele criou todas as coisas existentes a nossas realidades sensíveis a também aquelas que nossa limitação sensitiva não é capaz de perceber somente sofrer suas consequências. O exemplo mais comum disto apresentado por Anselmo é o tempo. De fato, todas as coisas vem de Deus inclusive o tempo. Antes que o tempo primeiro existisse o Senhor já era soberano. Não se pode pensar qual é o tempo inicial de Deus pois Ele não tem um início e todo o tempo só passou e existir por pura vontade Divina. Não podemos incluir DEUS nas grades de tempo e realidades materiais, pois Ele transcende a todas as realidades e é anterior a todo o existente. “Tu estás de tal maneira fora do espaço que não há em ti nem meio, nem metade, nem parte alguma.” (ANSELMO, 1973, p.123 ).
Em Suma, conclui-se que são muitas as dificuldades para chegar à definição de Deus que seria algo impossível como retratou os pensadores da patrística e da escolástica que de forma muito singular nos dizem que Deus é o ser do qual não se pode pensar nada maior. Dessa forma, como sabemos, desde o limiar da filosofia, existiram várias formas distintas e diversas teorias a fim de definir o que é Deus esses pensadores que aqui abordamos como São Tomás, Santo Anselmo e Santo Agostinho lançaram profundas ideias sobre a concepção filosófica de Deus, uma vez que, deixa transparecer que o princípio de todas as coisas é impossível de ser definido. Porém a perspectiva do ensaio não era definir o conceito de Deus, mas, alçar questionamentos e reflexões a cerca do tema proposto. Por isso, percebemos que apesar das várias concepções que eles nos apontaram a fundamentação e a prova da existência de Deus não se esgotou na filosofia medieval, perpetuando até hoje na discussão filosófica.
Referências
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. de J. Oliveira Santos, S. J e Ambrósio de Pina; e Ângelo Ricci. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores).
ANSELMO de Cantuária. Proslógio. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os pensadores).
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. de Alexandre Corrêa, org. de Rodovílio Costa e Luís A. De Boni, introdução de Martin Grabmann. Porto Alegre: ESTSB/ Caxias do Sul: UCS, 1980. v. I
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 4. ed. Rio de janeiro: Vozes, 1970.
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Bom trabalho!!!
Parabéns.
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Em busca de complementos filosóficos para um trabalho de Teologia, deparei-me com este lindo trabalho. Parabéns, aos iluminados autores. Deus os abençoe. (Pr. Artur Gabriel)
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Ótimo texto, espero que continuem publicando mais, e parabéns.
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gostei! este texto me esclareceu muitas dúvidas…..
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Que bom fico feliz que tenha ajudado. Boa sorte
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