Luiz Carlos Santana
A retórica é uma arte, a arte de bem falar, de mostrar eloquência diante de um público para ganhar a sua causa. O objetivo geral deste artigo é averiguar o conceito de retórica no “Górgias” de Platão e também relacionar o conceito de retórica com a visão que Platão tinha dos sofistas, além de apresentar a Filosofia como forma de obter a verdade. Essa averiguação será feita pelo processo hermenêutico, a partir da bibliografia e das obras de Platão. Essa abordagem se justifica porque ao conhecer a visão platônica de retórica compreendemos uma parte da teoria do conhecimento elaborada pelo filósofo.
Para adentrar mais a fundo na questão da retórica, é preciso defini-la. Segundo Abbagnano (2007, p. 856):
A retórica é arte de persuadir com o uso de instrumentos linguísticos. A retórica foi a grande invenção dos sofistas, e Górgias de Leontinos foi um de seus fundadores (séc. V a.C). O diálogo de Platão intitulado Górgias insiste no caráter fundamental da retórica sofista: sua independência em relação á disponibilidade de provas ou de argumentos que produzam conhecimento real ou convicção racional. O objetivo da retórica é “persuadir por meio de discursos os juízes nos tribunais, os conselheiros no conselho, os membros da assembleia na em qualquer outra reunião pública” ( Górg.. 452 e); portanto, o retórico é hábil “em falar contra todos e sobre qualquer assunto, de tal modo que. para a maioria das pessoas, consegue ser mais persuasivo que qualquer outro com respeito ao que quiser” (Ibiel., 457 a). Assim entendida, a Retórica pareceu a Platão mais próxima da arte culinária que da medicina: mais apta a satisfazer o gosto do que a melhorar a pessoa (Ibid.. <i65 e). Platão opôs a ela a Retórica pedagógica ou educativa, que seria “a arte de guiar a alma por meio de raciocínios, não somente nos tribunais e nas assembleias populares, mas também nas conversações particulares” (Fedro. 26 1 a); no entanto, a retórica assim entendida identifica-se com a filosofia. Portanto. Platão não atribuiu à retórica uma função específica. Isso, na verdade, foi feito por Aristóteles, que a considerou em íntima relação com a dialética, como se fosse a contrapartida desta (Rei.. I. 1, 135-4 a. 1). Segundo Aristóteles, a retórica é “a faculdade de considerar, em qualquer caso os meios de persuasão disponíveis” (Ibid.. I, 2. 1355 b 26). Enquanto qualquer outra arte só pode instruir ou persuadir em torno de seus próprios objetos, a retórica não se limita a uma esfera especial de competência, mas considera os meios de persuasão que se referem a todos os objetos possíveis (Ibid., I, 2, 1355 b 26)[…]. Para Platão (1990), retórica não é arte, mas sim, obreira de persuasão que gera crença, não o saber, sobre o justo e o injusto. É um tipo de adulação.
De acordo com Reale e Antiseri (1990, p.151), Platão afirma que “a retórica não passa de pura adulação e adulteração do verdadeiro.” Desse modo, pode-se até mesmo compará-la a arte, por seu falseamento: “Assim como a arte pretende imitar todas as coisas sem delas possuir um verdadeiro conhecimento, da mesma forma a retórica busca persuadir e convencer a todos sobre tudo sem dispor de conhecimento algum.” (REALE; ANTISERI, 1990, p.151).
Sabemos que a filosofia nasce da separação do logos da realidade. Todo ser humano quer ser detentor do poder e o logos é o meio pelo qual pode-se obter o poder desejado. Como o logos é capaz de definir o ser, só através dele, o ser é percebido e contemplado na sua grandeza. O homem é o único ser que possui o dom da fala. Mas apenas falar, não é o suficiente; é preciso falar bem e, sobretudo, saber investigar e inutilizar as falsas verdade dos discursos impostos pelo sofismo. A crítica platônica caracteriza o discurso dos sofistas como discurso de mera aparência, ou seja, como discurso que ignora a aplicação dos logos sobre o ser ao qual a filosofia se dedica. Percebe-se, que o sofista é acusado de fabricar imagens de discurso.
Segundo Christophe Rogue (2005, p. 28), a retórica, sabendo apenas persuadir, produz um saber que não pode dar razão de si mesmo. Por isso, Górgias se recusa a considerá-la como uma verdadeira technê, mas a considera antes como uma rotina empírica, uma prática cujo valor epistemológico não ultrapasse a da simples cozinha, que, com ela, busca apenas agradar e adular.
Sem dúvida, a retórica é uma técnica que representa certo perigo para a filosofia, pois aquela se apoia no empirismo e, esta, na razão. Segundo Jeannière, (1994, p. 49-50):
A linguagem não é somente um instrumento ‘retórico’, cujo manejo técnico, nos discursos públicos, garante a vantagem para um orador hábil: ela é o instrumento graças ao qual o sujeito exprime juízos. […]Dizer que a linguagem é um instrumento significa que a linguagem não é simples expressão exterior, posterior, de um pensamento que se desenrolou inteiramente na interioridade do sujeito; ela também não consiste simplesmente em indicar objetos nomeando-os, já que, designado um objeto, podemos acrescentar que ele é belo. Não basta também classificar os objetos em categorias, não basta poder enumerar o que é belo; é preciso saber ainda o que é o Belo. Falar não consiste em por palavras sobre o que já sabemos; podemos definir a beleza? A linguagem é o instrumento necessário do pensamento.
A linguagem é um instrumento que se produz por si mesmo. Ela está a serviço da ideia que ela exprime e não apenas do sujeito que fala. A verdade, é que essa técnica conhecida como retórica, é por vezes muito usada como forma de manipular os ouvintes aos quais o orador se dirige. É uma técnica persuasiva baseada em estratégias usadas por aqueles que possuem o dom da fala. Enquanto a filosofia se utiliza da razão, a retórica usa de meios psicológicos e argumentativos que fazem o interlocutor entrar num jogo de palavras tendo como base a indução. O orador não tem um saber específico, ele aproveita do seu saber linguístico para envolver o interlocutor de tal maneira, que este por achar que o orador sabe demais, não consegue refutar o que lhe é dito, deixando-se levar pelo método indutivo e articulador usado pelo retórico. Visto que o interlocutor não tem sequer o direito de discutir, os termos apresentados pelo retórico não são para serem discutidos, pois o retórico usa esses termos com o caráter de imposição. O retórico usa o discurso pelo discurso.
A retórica utiliza a palavra no sentido lexicográfico. O sofista não se preocupa coisa alguma, a não ser em controlar a relação da palavra com a coisa. E logo que o discurso ultrapassa esse horizonte estreito, que consiste em por uma palavra sobre uma coisa, ele só pensa na relação da palavra com o sentimento, com a impressão que a palavra pode despertar no sujeito ou em seus ouvintes. (JEANNIÈRE, 1994, p. 51).
Algumas pessoas fazem uso da linguagem simplesmente para conseguir obter o poder, baseado na mesma linha de pensamento que os sofistas usavam no seu tempo. Já a filosofia não vê a linguagem como obtenção de lucro, mas sim, como meio para se chegar à verdade. Quando a linguagem é usada como instrumento para serviço da verdade, o homem está usando de sua sabedoria para fins filosóficos. É preciso salientar a diferença entre linguagem e palavra. A linguagem, de uma forma geral, é o conjunto dos elementos que possibilitam a comunicação. É algo que vem da alma e pode se manifestar em diversas formas para expressar o comunicar. Palavra é simplesmente a manifestação linguística do indivíduo. A linguagem sofre uma descaracterização quando é comparada meramente como palavra. A palavra, porém, pode expressar também a linguagem do individuo; mas se esta trazer em si a emoção espontânea da alma e não simplesmente um aspecto verbal. A retórica é mais um jogo de palavras do que a linguagem em si, pois o retórico usa a manipulação, a imposição e o empirismo baseados em crenças e especulações.
Baseado nos fatos sobre o uso da retórica e nos métodos em que ela é aplicada pode-se observar que se trata de uma técnica que se baseia no discurso pelo discurso, num saber impositivo e coercitivo contradizendo o raciocínio filosófico. É um jogo onde a disputa pelo poder se evidencia. É uma técnica que poderia até ser positiva, se não fosse usada para manipular o interlocutor. É preciso investigar os fatos, questioná-los. Parece-nos que a filosofia seria o caminho mais viável para se chegar à verdade, ou pelo menos se aproximar dela. A retórica não dá abertura para a investigação na sua prática em si; já a filosofia, por si só, se encarrega do método da indagação.
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
JEANNIÈRE, Abel. Platão. Tradução Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
PLATAO. Górgias. In:______. Górgias. O Banquete. Fedro. Tradução Manuel de Oliveira Pulquério. Lisboa: Verbo, 1973, p. 19-192. (Série Clássicos Gregos e Latinos).
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo, Paulinas,1990, v. 1.
ROGUE, Christophe. Compreender Platão. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 2005.
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Parabens ao colega Luiz Carlos pelo empenho e dedicação neste artigo.
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Explicativo e muito esclarecedor o artigo, parabéns.