Lucas Henrique Pereira dos Santos
Num Estado, isto é, numa sociedade onde há leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer-se o que se deve querer e em não estar obrigado a fazer o que não se deve querer. Montesquieu
Muitos questionamentos acerca da vida política brasileira circulam por todos os cantos de nosso país nos últimos tempos. São discussões em que se coloca em questão, principalmente, a conduta com que, um país considerado democrático, anda resolvendo certos impasses políticos.
No presente artigo, iremos apresentar o pensamento de um filósofo que nasce em meio a um dos movimentos mais revolucionários acontecidos na Europa: o Iluminismo. Iremos, propor um paralelo entre o ideal de república democrática, proposto por Montesquieu, com o modelo de democracia atualmente vigente em nosso país.
Para Montesquieu, “quando, numa república, o povo como um todo possui o poder soberano, trata-se de uma democracia” (MONTESQUIEU, 1985, p. 31), com isso, podemos perceber claramente que para que haja uma sociedade democrática, a população deve exercer o poder sobre o Estado. Esse “poder” deverá ser exercido diretamente pelo povo ou por pessoas que o representem, mas que sejam escolhidos, ou elegidos pelos mesmos cidadãos. As leis que garantem o direito ao voto são fundamentais no governo democrático.
O povo que possui o poder soberano deve fazer por si mesmo tudo o que pode realizar corretamente e, aquilo que não pode realizar corretamente, cumpre que o faça por intermédio de seus ministros. Seus ministros só lhe pertencem se ele os nomeia; é, pois, uma máxima fundamental deste governo que o povo nomeie seus ministros, isto é, seus magistrados (MONTESQUIEU, 1985, p. 32).
Em nossa república, o direito ao voto é assegurado pela Constituição, que declara que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Porém, o que notamos é esse direito sendo muitas vezes violado pelos políticos quando, de alguma maneira, tentam persuadir o povo a escolher, de maneira inadequada, seus representantes. O povo, por sua vez, acaba sendo corrompido por vantagens que custam sua própria liberdade política.
Isso tem ocorrido com muita frequência, e este tipo de atitude coloca a própria população a mercê dos políticos que buscam única e exclusivamente satisfazer seus próprios caprichos, excluindo quase que completamente o comprometimento com a sociedade que eles representam. Esse tipo de posição tomada pelo povo, de indiferença frente a realidade política é considerado por Montesquieu altamente equivocada, pois demonstra também a ausência de comprometimento do povo com a república, deixando o caminho livre para que os magistrados levem uma vida ociosa e indiferente diante das dificuldades do Estado.
A desgraça de uma república advém quando não há mais conluios e isso acontece quando se corrompe o povo pelo dinheiro: ele torna-se indiferente e afeiçoa-se ao dinheiro, porém não mais se afeiçoa aos negócios: sem se preocupar com o governo e com o que nele se propõe, espera tranquilamente seu salário (MONTESQUIEU, 1985, p. 33).
Diante dessa situação tão complexa no governo republicano, Montesquieu propõe um fator inovador nesse sistema. Para o filósofo, a força a mais que é necessária num estado popular é a virtude, pois “onde quem manda executar as leis sente que ele próprio a elas está submetido e que delas sofrerá o peso” (MONTESQUIEU, 1985, p. 41), necessitará de uma força que os tornará capazes de manter-se no poder para o bem comum, excluindo do exercício de seu poder qualquer tipo de busca de privilégios particulares, ou de desvio moral e virtuoso, no que concerne ao campo político.
Assim podemos identificar outra realidade contrária presente em nossa sociedade: a ausência da virtude em alguns de nossos governantes. O que nós assistimos muitas vezes são os magistrados serem rodeados de privilégios que facilitam suas vidas e eliminam as responsabilidades de cidadãos que todos deveriam cumprir. E, para Montesquieu, a existência dessa virtude é primordial na sociedade, pois é com ela que a população de uma forma geral, adquire um equilíbrio também com suas leis. Todavia, “quando num governo popular as leis não mais são executadas, e com isso só pode ser consequência da corrupção da república, o Estado já está perdido”(MONTESQUIEU, 1985, p. 42).
Observando o pensamento desse filósofo iluminista, perceberemos que para ele a lei é de fundamental importância no andamento de uma sociedade. Montesquieu chega a afirmar que elas devem variar de região por região, pois cada uma delas apresenta suas respectivas diferenças, como clima, religião etc., sendo que a formulação das leis deve assistir e considerar todas essas diferenças, por isso o seu cumprimento se torna impreterível em seu Estado de origem. Eis aí um dos motivos da necessidade de todos os cidadãos, independente do cargo ocupado, observarem as leis prescritas. O Estado republicano reclama a virtude.
Quando esta virtude desaparece, a ambição penetra o coração dos que podem acolhê-la e a avareza apodera-se de todos. Os desejos mudam de objeto: não mais se ama aos que se amava; era-se livre com as leis, quer-se ser livre contra elas; cada cidadão é como um escravo que fugiu da casa de seu senhor (MONTESQUIEU, 1985, p. 42).
No pensamento de Montesquieu, o amor pela república na democracia é outro fator indispensável, pois “o amor pela república, numa democracia, é o amor pela democracia; o amor pela democracia é o amor pela igualdade” (MONTESQUIEU, 1985, p. 61). Esse amor pela democracia teria como consequência a igualdade entre todos os membros da sociedade. Não somente uma mera igualdade externa, manifestada pelos bens matérias, mas, também, a igualdade em questões de mais inerência ao ser humano como a felicidade. Esse desejo de igualdade impulsionará os membros da sociedade a vivenciar outro aspecto necessário nesse tipo de governo que é a frugalidade. Essa frugalidade baseia-se no equilíbrio que o indivíduo deve apresentar diante do deleite dos bens materiais, enfim, o cidadão deve demonstrar sobriedade também perante essas realidades materiais.
Nesse regime, devemos todos gozar da mesma felicidade e das mesmas regalias, devem fruir dos mesmos prazeres e acalentar as mesmas esperanças. (…) O amor pela igualdade, numa democracia, limita a ambição unicamente ao desejo, à felicidade de prestar à sua pátria serviços maiores que os outros cidadãos (MONTESQUIEU, 1985, p. 61).
No entanto, essa igualdade também pode levar o Estado a sua corrupção, quando cada cidadão deseja ser igual àqueles que foram escolhidos para governar. Montesquieu diz que “o verdadeiro espírito de igualdade está tão distante do espírito de extrema igualdade quanto o céu está distante da terra” (REALE, 1990, p. 753). Mais uma vez fica evidente a importância da sobriedade na república democrática, pois ela vai favorecer a justa medida nos âmbitos do governo e da sociedade.
Não teria como desvincular essa frugalidade e esse amor pela república da virtude que o filósofo cita como “a força a mais” na democracia, pois essa virtude levará a satisfação em fazer as vontades alheias, desconsiderando assim as egoístas. Para Montesquieu, “quanto menos podemos satisfazer nossas paixões individuais, tanto mais nos entregamos às gerais”(MONTESQUIEU, 1985, p. 61).
Nós podemos então tomar em consideração de como nosso país deve crescer na perspectiva do filósofo francês, guardadas as devidas proporções. Temos também a consciência que uma grande mudança, como precisamos, deve ter iniciativa principalmente do povo que necessita ter mais autonomia no processo eleitoral, participando efetivamente da vida política de seu país, tendo em vista que a democracia deve ser construída a cada dia em nossa sociedade, com a energia e a coragem de todos os cidadãos, pois ela – a democracia – ainda não se apresenta como uma realidade pronta, mas em construção.
Referências
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Trad. Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. (Os Pensadores).
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do humanismo a Kant. São Paulo: Paulinas, 1990.
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