Victor Hugo Silva
O pensamento de Karl Marx (1818-1883) tornou-se na contemporaneidade umas das correntes mais discutidas, não somente pelo seu teor filosófico, mas também econômico, político e social. Sua teoria surgiu no século XIX, oriundo de um contexto histórico marcado pela expansão do capitalismo e por uma expressiva exploração do homem em favor do desenvolvimento técnico.
Neste sentido, a sua filosofia da práxis[1], se colocando numa maneira libertadora de algo que aliena o homem, recontextualiza o sentido antropológico no que se chamaria materialismo histórico. Ou seja, o sentido existencial humano, nesta concepção marxista, perderá seu horizonte metafísico para ser substituído, somente, pela abrangência finita e materialista do homem.
Ao que foi exposto no parágrafo acima, não pretendemos fazer uma crítica a todo sistema marxista. Contudo, o filósofo alemão ao abordar sua filosofia como práxis social, buscamos nela inquirir qual o papel do homem nesta práxis e sua conseqüência para a compreensão antropológica.
Ao considerar o homem como fruto natural e histórico, Marx coloca uma única necessidade que se faz natural e, também histórica, na existência do individuo, a saber: o trabalho. Não obstante, encontramos o primeiro determinismo no pensamento marxista, isto é, o homem se faz no seu trabalho a partir de sua natureza: “a essência subjetiva da propriedade privada, a própria propriedade privada enquanto atividade para si, como sujeito, como pessoa, é o trabalho” (MARX, 1978, p.3).
A essência do homem é o trabalho. Até aqui, qual é o problema disso? Não é bom que o homem se construa de maneira social e econômica a partir de seu labor? Até certo ponto Marx vê o trabalho como benéfico para o homem, por que faz parte de sua condição natural[2].
No entanto, Marx vê um problema em seu tempo:
Entretanto, se olharmos para a história e a sociedade [da época], veremos que o trabalho não émais feito juntamente com os outros homens, pela necessidade de apropriação da natureza externa, veremos que não é mais realizado pela necessidade de objetivar a própria humanidade, as próprias idéias e projetos, na matéria-prima. Oque vemos é que o homem trabalha pela sua pura subsistência (REALE, 2005, p.176).
Mas, ao perceber que este trabalho, por sua vez, estava sendo alienado[3], fugindo de uma condição natural, ele – Marx – proporá uma dialética da desconstrução, pegando como via negativa a estrutura hegeliana[4]. Neste sentido, a síntese será
Toda emancipação [será] um retorna das relações, ao próprio ser humano (…). Somente se o ser humano realmente individual retomar a si como cidadão abstrato e, em seu trabalho individual, em suas relações individuais, torna-se ente da classe, somente se o ser humano reconhecer e organizar suas forças próprias e, por isso não mais separar de si, na força social, a força política, somente então estará concluída a emancipação humana (WOLFDIETRICH, p. 138, 2006).
Assim, chegamos ao aspecto esperado na visão antropológica de Marx. Ou seja, o homem consistir-se-á pelo seu contexto histórico e social e nada mais do que isso. Na dialética humana, o filósofo alemão a constrói da seguinte maneira: “(…) o homem possui seu ato de nascimento: a história, que, no entanto, é para ele uma história consciente (…)”. A história é a verdadeira história natural do homem (MARX, p.41, 1978).
Portanto, ao que percebemos na discussão acima, o homem nasce dentro de uma bitola histórica, que será marcado pelo confronto de classes[5]. Por conseguinte, este mesmo homem será fruto destes confrontos ao qual ele estará empenhado pela sua emancipação material!
Porém, será que a realização humana incide predominantemente pela matéria? E o problema do mal seria resolvido pelo comunismo[6]? E a filosofia, não seria reduzida ao uma mera sociologia histórica? Aliás, haveria espaço para a filosofia? E, sobretudo, haveria espaço para o homem dotado de suas potencialidades e individualidade? Dado que Marx propõe uma saída da alienação no contexto materialista, o homem cai em sua teoria numa alienação da liberdade! Com isso, a potencialidade do homem “Ser” se aliena na potencialidade da matéria. Pois não restará perspectiva alguma para o homem na teoria marxista, a não ser se alienar na coletividade da massa, perdendo assim, sua singularidade.
Esta singularidade que dissolvida num bem comum ele é conseqüente em todos os aspectos da vida do homem, ou seja, no trabalho, nos bens, no modo de pensar, de agir, de professar algo. E, é neste sentido que afirmei na introdução ao dizer que o homem perderá sua perspectiva metafísica. Isto é, não existe sujeito agente que pensa, cria, manifesta, mas massa passiva que age em favor de um bem comum estabelecido-determinado por alguns dentro do sistema comunista. E por isso, questionamos: a realização humana é só pela matéria?
Nesta perspectiva, a realização humana será em vista de uma materialidade comum do seres de uma comunidade, que tem um paradigma de bem que esboça uma resolução dos problemas humanos. E por isso, questionamos novamente: a realização humana é só pela matéria? A dimensão da realização própria se perderia, pois a felicidade do outro objetivamente deve ser a minha felicidade.
E neste sentido, fazendo uma crítica a este aspecto do pensamento marxista, retomo um questionamento feito acima: há espaço para a filosofia? Sendo ela – a filosofia – um instrumento humano de busca da verdade, ela perderia sua potencialidade, pois, já haveria uma verdade estabelecida e imutável, não passível de uma reflexão acerca dela. A matéria que amparada pela idéia de bem-comunista seria o dogma filosófico marxista. E por isso, não poderíamos filosofar e nem buscar a realização humana fora das redomas propostas pelo marxismo. E nisto, o homem virá a ser escravo de uma idéia de liberdade que, é mais prisão do que liberdade.
Referências
MARX, Karl. Pensamentos. São Paulo: Nova cultural, 1978 Os Pensadores).
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: do Romantismo ao Empiriocriticismo. São Paulo: Paulus, 2005.
SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. A dialética como fundamento da prática In: FLAISCHER, M; HENNIGFELD, J (org). Filósofos do século XIX. Rio Grande do Sul: Unisinos, 2006.
[1] Assim considerada.
[2] Ele faz comparação análoga aos animais, ou seja, as formigas constroem suas casas; os pássaros fazem seus ninhos; os leões caçam sua própria comida e etc.
[3] Conceito retomado por Marx para esboçar o que é tirado do homem. Em síntese, é aquilo que o homem produz, porém não desfruta deste algo produzido. Com isso, há uma alienação, isto é, foi tirado do homem o seu direito.
[4] Não entraremos no mérito do trabalho como Marx reverteu à teoria de Hegel.
[5] Na visão marxista toda história é marcada conflitos entre classes.
[6] O comunismo é fruto de toda teoria marxista, que visa uma igualdade material para todos. Segundo alguns teóricos, este sistema seria a resolução de todos os problemas humanos.