Fabiano Milione Honório
Claude Lévi-Strauss[1] foi um grande nome do século XX e grande parte de sua fama se deve aos seus estudos e suas contribuições na filosofia, principalmente na área da antropologia. Suas pesquisas são de grande importância para a sociedade atual e ajudam a entender o homem com suas relações e seus costumes. Ele começou seus estudos na área filosófica, que com o tempo gerou grande insatisfação, pois ser a carreira na universidade muito idealista e não servia de nada para enfrentar o mundo frente aos grandes problemas da humanidade.
Ele optou ,assim como muitos pensadores da mesma época[2], a deixar as paredes acadêmicas e se embrenhar em um estudo mais social. Mesmo não deixando completamente a filosofia, ele se dedica seus estudos à etnologia. Esse, talvez, seja o grande “pontapé inicial” nos seus estudos posteriores, combinando filosofia e etnologia. Assim, ele sai das salas de aula e começa um importantíssimo estudo de campo e pesquisas sobre civilizações e culturas diversas.
A atitude de Lévi-Strauss a esse respeito é indubitavelmente muito mais radical. Entretanto, nele jamais se extinguirá um interesse amplamente filosófico por certas questões. Não por acaso, Tristes Tropiques, o apaixonado relato autobiográfico de suas primeiras experiências em campo, deveu sua imediata notoriedade mais às referências de reflexão crítica sobre a sociedade de pertencimento que ele singularmente oferecia, do que às suas contribuições, embora relevantes, para o conhecimento etnológico. (ROVIGHI, 1999, p. 546)
Ele tem como base em seus estudos o estruturalismo do qual ele é um grande expoente, senão o maior. Este trabalho pretende explanar o pensamento de Lévi-Strauss principalmente no âmbito estrutural de seu pensar mostrando também como se dá o processo do estruturalismo e as sua aplicação na filosofia.
Antes de entrarmos no pensamento do autor, propriamente dito, deve-se ter certa clareza em certos pontos que são básicos para o seu pensamento. É importante, primeiro ter conhecimento do que é uma estrutura, que é o alicerce para a corrente filosófica que guarda o mesmo nome, o estruturalismo. De forma geral é considerada uma estrutura os fenômenos que estão em relação de forma que se alterando alguns desses elementos os outros também sofrerão alguma mudança. Outra característica da estrutura é que ela é “um modelo conceitual que deve dar conta dos fatos observados e permitir que se preveja de que modo reagirá o conjunto no caso da modificação de um dos elementos” (ABBAGNANO, 2007, p. 376).
Mas nem sempre se teve clareza deste termo e acabou-se por confundir com outro conceito, o de sistema. São dois termos parecidos e que acabam tendo mesma utilização, mas nesse filósofo a diferença se torna mais clara e necessária.
Por definição, uma estrutura é um sistema relacional ou um conjunto de sistemas relacionais, tais como as relações de parentesco, os esquemas de controle de tráfego, os códigos de etiqueta, etc. Uma estrutura é um todo formado de fenômenos solidários. Cada um dos seus elementos depende dos outros e é determinado por sua relação com eles. A alteração, acréscimo ou supressão de um elemento implica acomodação e reajuste na posição dos demais. (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 142)
Já o sistema se caracteriza por ser um conjunto de elementos que também estão em relação, mas não tem abstração por característica, como a estrutura. O sistema é algo mais concreto. Pode-se exemplificar com um complexo sistema que é o corpo humano. Tendo alguma modificação, no caso uma doença num pequeno órgão, como o pâncreas, por exemplo, vai afetar todo o organismo de alguma maneira e alguns outros órgãos de forma mais direta.
Um sistema é um conjunto de entidades mutuamente inter-relacionadas e interdependentes, operando juntas em um nível determinado de organização (…). Aplicamos o termo sistema para designar o conjunto concreto de elementos harmonicamente funcionais. Já uma estrutura é um conjunto de relações. Não tem o atributo da funcionalidade. Um sistema funciona. (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 142)
O conceito de estrutura pode ser mesclado a outro que é o social para gerar a chamada estrutura social. Como foi visto que estrutura designa relação, assim, as estruturas sociais serão também o conjunto das relações nas mais diversas sociedades com a familiar, a religiosa. Estas estruturas são formadas de modelos[3] que são construídos pelas observações e por métodos próprios da etnologia. “O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos em conformidade com esta” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 13).
Tendo uma noção mais clara do que seja estrutura e principalmente estrutura social pode-se dar continuidade ao estudo partindo agora para o estruturalismo. Esse movimento começou a se fundar nas mediações do século passado tendo como grande impulsionador, senão fundador, Claude Lévi-Strauss. Esse movimento de pensar se expandiu e foi utilizado por outras ciências como a sociologia, a filosofia e a própria etnologia, esta última de grande apreço desse pensador que o utilizou no mais grau possível.
Nas ciências humanas e nas sociais em que essa corrente filosófica teve espaço, ela foi recebida como um pensamento mais abstrato, não muito empírico. O estruturalismo nessas ciências estava muito preocupado em olhar a realidade nas suas múltiplas relações, olhar as coisas em conjunto. Mas somente com Lévi-Strauss é que o próprio estruturalismo foi visto de forma diferente, pelo menos em sua utilização.
Esse pensador, como foi dito no início, já estava sufocado com os estudos universitários e resolver partir para o estudo de campo. Foi exatamente para esse ramo que Lévi-Strauss levou o estruturalismo. Assim, essa corrente foi levada para os campos de pesquisas, para o mundo onde se dava os acontecimentos e os fenômenos. Esse pensador buscou não somente teorizar sobre suas pesquisas, não somente torna-las abstratas, mas buscou uma pesquisa mais prática, mais concreta.
O estruturalismo, que sofre influências do pensamento dialético, da fenomenologia existencial e até da geologia (Lévi-Strauss, 1971), mas que nasce das pesquisas de campo e não do raciocínio especulativo, é uma tentativa de reconciliar a teoria com a prática. Lévi-Strauss procurou uma ponte entre o lógico e o empírico, um fundamento que pudesse dar conta da diversidade do mundo, um instrumental que fosse deduzido, ele também, do real. Algo que não fosse a simples descrição do empírico imediato, que não resvalasse para o devaneio, para a pura abstração. Que fosse uma teoria do possível. (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 140)
Esse filósofo buscou uma análise mais profunda dos fenômenos sociais que se dava pela observação e experiências que são métodos propriamente científicos. Com esses métodos sua pesquisa mostra num âmbito investigativo. Ele busca em suas observações seguir alguns critérios para que suas observações não fujam muito do cerne de seu pensamento. A primeira exigência que ele coloca é que se deve observar todos os fatos e de forma bem livre. Que este labor não venha precedido de qualquer preconceito. Esses relatos devem ser descritos da forma mais próxima possível do fenômeno observado. Outra exigência de sua pesquisa é que os fenômenos deviam ser observados isoladamente e também nas suas relações com os demais. Assim tinha-se o valor em si mesmo da observação e o valor relativo.
No nível de observação, a regra principal -poder-se-ia mesmo dizer a única- é que todos os fatos devem ser exatamente observados e descritos, sem permitir que os preconceitos teóricos alterem sua natureza e sua importância. Esta regra implica em outra, por via de consequência: os fatos devem ser estudados em si mesmos (…) e também em conjunto. (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 14)
Ele buscou de forma muito bem feita unir a teoria com a prática. Esse, talvez, foi o grande marco, a grande contribuição de suas pesquisas. Tudo isso pode ser notado de forma muito clara em suas pesquisas e no modo como ele as realizava. As pesquisas da época se davam, praticamente de dois modos, uma mais fácil que era a observação dos fenômenos em determinada sociedade e a partir daí construir os próprios juízos, tirando as próprias conclusões. E outra maneira, que Lévi-Strauss fazia, que era mais difícil e que procurava entender os fatos por eles mesmos. Um grande exemplo disso foram seus estudos em algumas sociedades indígenas no Brasil. Ele se misturava no meio dos índios e se aproximava o máximo possível deles, para que pudesse observar os fenômenos e buscar entende-los dentro daquele contexto, no caso da tribo indígena. É o próprio autor que demonstra isso nesta seguinte passagem de sua obra Antropologia Estrutural em que fala dos índios brasileiros da região central e oriental:
A tendência geral dos observadores e teóricos foi de interpretar estas estruturas complexas a partir da organização dualista, que parecia representar a forma mais simples. (…) Proponho-me realmente, a mostrar aqui que a descrição das instituições indígenas feita pelos observadores de campo- inclusive eu- coincide, sem dúvida, com a imagem que os índios possuem de sua própria sociedade, mas que esta imagem se reduz a uma teoria, ou melhor, a uma transfiguração da realidade que é de outra natureza. (LÉVI-STRAUSS, 1967, p. 141-142)
Com base no que foi colocado até agora, não fica difícil entender como se dá a antropologia nesse pensador. Na sua antropologia, dita antropologia estrutural, ele coloca as atividades humanas, a cultura e organização como estruturas que estão em relação. Ele em seu estudo busca reunir os conhecimentos adquiridos não somente da etnologia, mas também das outras ciências humanas e sociais. Com isso ele expande o seu leque de conhecimento no seu trabalho não se limitando a uma única visão. Durante sua pesquisa ele buscou localizar os pontos de convergência e de distanciamento entre essas ciências e comprar com a etnologia.
O princípio básico dessa etnologia são as pesquisas que se fazem dos mais diversos grupos sociais. Mas não se trata de um simples coletar dados ou meras observações de fatos, o trabalho de Lévi-Strauss é além de tudo no nível antropológico, então se trata de uma análise mais profunda das sociedades, como foi exposto acima.
Lévi-Strauss pretendeu com seu estudo e com metodologia buscar uma visão mais unificada e mais ampla possível do que seja o homem. Durante suas pesquisas ele procurou construir uma ideia da formação do homem nas mais diversas culturas, visto que um único modelo de homem que servisse para todas as sociedades é algo impossível. Assim ele fundou o que chamamos de antropologia estrutural ou antropologia cultural.
Referências
LÉVI-STRAUSS, Claude. A noção de estrutura em etnologia. São Paulo: Abril cultural, 1976. (coleção os pensadores)
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Trad. Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.
ROVIGHI, Sofia Vanni. História da Filosofia Contemporânea: do século XIX à neoescolástica. Trad. Ana Pareschi Capovilla. São Paulo: Loyola, 1999.
THIRY-CHERQUES, Hermano Roberto. O Primeiro Estruturalismo: Método de Pesquisa para as Ciências da Gestão. RAC, [s.l.], v. 10, n. 2, p. 137-156. 2006. Disponível em: < www.scielo.br/pdf/rac/v10n2/a08.pdf >. Acesso em: 15 out. 2012.
ESTRUTURA . in: DICIONÁRIO de filosofia, Nicola Abbagnano. São Paulo: Martins fontes, 2007. p. 376.
[1] Nasceu em 1908 em Bruxelas e sendo de família francesa, passou grande parte de sua vida em Paris onde iniciou seus estudos universitários em Sorbonne. Encontrou sua verdadeira paixão nos estudos etnólogos em que dedicou pelo resto de sua vida. Viajou para o Brasil, onde lecionou na recém criada Universidade de São Paulo. No Brasil começou suas primeiras pesquisas com os índios. Faleceu em 2009, deixando uma grande contribuição na área antropológica. (cf ROVIGHI, 1999, p. 544)
[2] Dentre os quais os mais relevantes são Sartre, Aron e Merleau-Ponty. (cf ROVIGHI, 1999, p. 544)
[3] “Modelos são construções teóricas que supõe uma definição precisa, exaustiva e não demasiado complicada: devem ser também parecidos com a realidade sob todas as relações que importam à pesquisa em curso” (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 13).