Elder Alves Diniz
A obra de arte tem, antes, o seu verdadeiro ser em se tornar uma experiência que irá formar aquele que a experimenta. (Gadamer)
Neste artigo abordaremos a temática da arte tentando responder aos seguintes questionamentos: existe alguma forma de comunicação na obra de arte? A obra de arte transmite o que o autor quis mostrar? Ou ela tem seu sentido próprio? Para tal intento faremos uso do pensamento de Hans-Georg Gadamer.
Para se entender a arte em Gadamer, é preciso primeiramente entender o sentido de verdade na arte. A verdade não tem no pensamento gadameriano o mesmo sentido no processo filosófico, pois ele faz um retorno ao sentido no qual a verdade é vista como experiência ou hermenêutica.
Ele não discute a arte como forma de definição do belo ou de conceituar as diferentes formas de arte. Ele quer demonstrar simplesmente que a arte é uma forma de verdade sobre o mundo e não um estado alterado do sentimento individual. A arte não é uma diversão inocente ou um deleite, mas sim um ponto crucial de aceso ás verdades fundamentais sobre o mundo. (LAWN, 2007, p. 117)
Dentre as artes de que Gadamer trata, ele aponta as artes plásticas que permitem uma hermenêutica muito interessante pelo fato de que o quadro tem uma vida própria, uma vez que ele permite experimentarmos o passado no qual ele foi pintado dando ao seu observador uma interpretação diferente do que o pintor quis retratar e que pode esconder verdades a serem reveladas a quem o admira “A arte revela verdades sobre nós mesmos que nenhuma pesquisa científica jamais conseguiu” (LAWN, 2007, p. 117).
No senso comum o quadro é visto como simples obra de arte que deve ser apreciada pela sua beleza ou pelo fato de seu pintor ser famoso, não se tendo o cuidado de prestar atenção ao que a obra diz em suas cores e contornos. Em sua grande parte os observadores não dedicam sua atenção às afetações proporcionadas pela obra de arte, pelo fato de estarem mais preocupados em ver a obra do que entender sua linguagem, linguagem esta que expressa uma vida que gira em torno do quadro e que não é compreensível por aqueles que não percebem a vida existente no quadro e que foi retratada pelo pintor, muitas vezes retratando o cotidiano da vida e remetendo-nos a nós mesmos.
O mundo existente dentro da obra de arte é um mundo diferente que permite a cada um reconhecer o seu próprio mundo interior naquela tela. Ela fala talvez de um passado que está presente no inconsciente ou mesmo no consciente e que permite aos observadores sentir alegrias ou angústias como no quadro o Grito de Munch, no qual está expresso o desespero que pode ser interpretado como desespero do ser humano frente à realidade que ele enfrenta diariamente. O contexto da obra pode ou não dizer algo, mas certamente ela dirá da experiência vivida pelo pintor ou de suas esperanças futuras.
O pintor, num quadro, pode representar o sofrimento, querer impressionar com pinturas disformes ou mesmo natureza morta e isso dizer algo. Mostra-se na natureza morta a finitude do homem e a deformidade nos contornos lembra que existe uma estética, mas que ela não é tudo.
O trabalho de arte revela aspectos de um mundo humano e de suas limitações, tanto quanto nós revelamos aspectos do mundo do trabalho de arte (e suas imitações) em sua totalidade inquietante, pois está constantemente mudando. (LAWN, 2007, p.126)
Existe na obra de arte uma linguagem que frequentemente não é notada pelo admirador da obra, que é a expressão da obra em si mesma e na qual está expressa a identidade daquela obra fazendo-a diferente de outra. Mesmo que esta outra obra seja uma reprodução idêntica, ela não será a obra que transmite a sensibilidade do autor.
Por isso, ao tentar compreender uma obra de arte o que conseguimos fazer é subjetivá-la, pois o que apreendemos dela não é o que ela expressa em si mesma, mas o que se consegue entender dela. Um exemplo disso está no sorriso da Monalisa de Da Vinci, que não revela o pensamento do autor, mas nos permite infinitas interpretações. “Cada uma das obras da arte plástica pode ser ‘diretamente’ experienciada por si mesma, isto é, sem que necessite de outra intermediação” (GADAMER, 1997, p. 220).
Essas interpretações é o que Gadamer vai chamar de “subjetivação” da arte, na qual a experiência pessoal de cada observador vai indicar qual a afetação que aquela obra terá sobre ele.
Quando um quadro é pintado, o autor coloca na tela os seus sentimentos, suas impressões sobre determinado fato da vida ou sobre uma paisagem que de alguma forma o afetou, mas aquele que observa a mesmo quadro pode e certamente terá outra visão que não foi a expressa pelo pintor e isso é que faz a obra de arte grandiosa, pois fazendo parte da história, permite a cada um dialogar com ela e tentar entender o que a obra de arte quer dizer.
O trabalho de arte exibe a si mesmo, mas como um símbolo é um veículo para tentativas de auto reconhecimento. Nós procuramos nos entender no trabalho de arte; é por isso que arte captura e intriga tanto, atraindo-nos ao seu mundo, por mais remoto e distante que este mundo nos pareça inicialmente. (LAWN, 2007, p. 126)
A obra de arte nos permite fazer um jogo no qual se tenta entendê-la e ela mostra quem somos através dos questionamentos que nós mesmos levantamos ao observá-la. Este é um jogo hermenêutico no qual a experiência realizada apontará o resultado, pois a obra de arte deve ter como objetivo causar mudanças nos seus observadores.
Ademais, é possível pensar que o homem, ao olhar a obra de arte, se percebe nela enquanto é tocado pelo que ela expressa. Mas deve-se ter em mente que a obra tem sua expressão própria e essa permite várias interpretações, as quais não a mudam “O sujeito da experiência da arte, o que fica e persevera, não é a subjetividade de quem a experimenta, mas a própria obra de arte.” (GADAMER, 1997, p. 175)
Que jogo é esse da arte? O jogo da arte é aquele no qual o pintor expressa sua condição humana e o observador tenta, depois de captá-la na obra, entender o que foi expresso. Porém não é só isso. O jogo é a própria obra de arte em seu modo de ser, que foge de toda subjetividade provocada pela liberdade de interpretação. Uma mesma obra de arte pode ser vista por várias pessoas e haver diferentes intepretações, ou pode-se ver a mesma obra diversas vezes sempre encontrando novos pontos a serem interpretados.
O significado dos trabalhos de arte é aquilo que é revelado e exposto na oscilação entre o trabalho de arte e o interprete. O significado do trabalho de arte nunca é final, assim como um jogo nunca atinge sua verdadeira finalidade; o jogo pode sempre ser jogado novamente e os jogadores sempre serão atraídos pelos seus horizontes (LAWN, 2007, p. 123)
Gadamer usa o termo jogo para falar do movimento da obra de arte que se revela a quem a observa para que seja interpretada.
Existe no pensamento gadameriano a questão da linguagem, a qual pode ser vista na conversa como forma de comunicação ou no diálogo que acontece entre interlocutores sobre um determinado assunto. Mas Gadamer vê também outras possibilidades de linguagem, como é o caso da obra de arte, a qual se comunica sem dizer palavra alguma e exige de seu observador uma abstração, pois ela ultrapassa o que seu pintor quis representar “O significado da pintura nunca é totalmente revelado, pois é sempre o mundo da pintura enquanto se engaja em diálogo com o mundo do observador.” (LAWN, 2007, p. 124)
O símbolo na cultura popular contém uma forma de linguagem assim como o quadro, mas ele não é obra de arte, pois existe uma diferença entre a obra de arte e o símbolo. A diferença está na representação, conforme nos diz Lawn sobre o pensamento de Gadamer: “o trabalho de arte, apesar de simbólico, não representa outra coisa, ou ocupa a posição de um significado oculto que precisa ser esclarecido ou explicado” (LAWN, 2007, p. 126). Gadamer fala do cuidado que se deve ter para que a obra de arte não seja transformada num simples símbolo, mas ele fala desse cuidado no sentido de que o símbolo pode ter um código oculto que precisa ser decifrado para ser compreendido. A arte não é somente símbolo, mas pode ser simbólica como a arte sacra. Ela não se reduz ao símbolo, mas vai além dele. O objetivo da arte sacra enquanto símbolo, exemplo que utilizamos, é aproximar Deus do homem para que o homem possa fazer uma experiência de Deus.
Portanto, como vimos, dentro da obra de arte existe comunicação e a interpretação dessa comunicação depende do observador, apesar de se ter a consciência de que a comunicação feita pelo autor não será a mesma interpretada por ele. A obra transmite uma visão que o autor tem daquilo que é retratado, é uma interpretação dele sobre o que está sendo pintado, mas ela tem um sentido próprio por ter vida, girando em torno dela, permitindo várias interpretações, pois cada observador será afetado pela obra de arte de uma forma e com uma intensidade diferente do outro.
Referências
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução Flávio Paulo Meurer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
LAWN, Chris. Compreender Gadamer. Tradução Hélio Magri Filho. Petrópolis: Vozes, 2007. (Compreender).
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