Lucas Henrique P. Santos
“A solução do problema da vida é vista no desaparecimento do problema.” (Wittgenstein)
O tema da linguagem se mostrou muito presente nos pensamentos dos grandes filósofos do mundo ocidental. Deve-se essa importância pelo fato de a própria filosofia se servir quase que exclusivamente desse artifício: a linguagem. Nessa perspectiva iremos analisar o pensamento de um filósofo que marcou a reflexão acerca desta temática e que traz em seu pensamento grandes contribuições não só para sua época, mas também para o mundo atual. A filosofia de Wittgenstein (Viena, 1889-1951) apresenta-se em duas fases, ou seja, suas obras podem ser divididas em dois momentos bem distintos. Na primeira fase é apresentado um Wittgenstein que pensa a linguagem puramente num aspecto lógico e matemático, exclusivamente em sua obra Tractatus Logico-Philosophicus. A segunda fase abarca todas as suas obras posteriores, dentre elas as Investigações Filosóficas, que será a obra que utilizaremos para fazer a leitura desejada de nosso trabalho.
A tentativa de Wittgenstein em sua obra é desmistificar uma compreensão de linguagem que já há muitos anos vigorava: que a palavra tinha a função de substituir o objeto. Ele começa criticando a posição de Santo Agostinho que dizia que, ao conhecer um objeto e relacionando-o ao seu nome passa-se por um processo de conhecimento, e isto significa que desde a infância o sujeito tem a faculdade de conhecer, mesmo que não tenha a capacidade de expressar seu pensamento.
[…] se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se voltasse para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelos sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indicá-lo (AGOSTINHO apud WITTGENSTEIN, 1991, p. 9).
A linguagem tem a mera função de denominar objetos, de substituí-los ou representá-los dando-os nomes. Sendo assim, cada palavra teria sua significação. Para o filósofo vienense essa hipótese seria um empobrecimento que conduz a uma espécie de linguagem primitiva, em que as pessoas agregam valores e/ou significados aos termos, possibilitando a ocorrência de todos os tipos de diálogos, negócios, ou seja, contemplaria somente um tipo de comunicação, mas não toda a gama complexa que é a linguagem.
A linguagem apresenta-se em constante mutação, pois está em construção juntamente com o homem que a utiliza. Por isso temos diferentes espécies de palavras e, às vezes, criamos distinções entre palavras da linguagem e palavras que talvez não haja significações literárias. Para evitar um tremendo caos em nossas comunicações criamos uma série de convenções em que denominamos os objetos. Esse movimento para Wittgenstein é como “colocar uma etiqueta em uma coisa”. Isso acarretaria em um princípio ativo de determinações, conduzindo o sujeito a pensar que controla ou domina todas as coisas. Podemos até fazer uma analogia às Sagradas Escrituras, em que o homem tendo o dever de nomear as coisas tem o poder de dominá-las.
Nossa linguagem pode ser considerada como uma velha cidade: uma rede de ruelas e praças, casas novas e velhas, e casas construídas em diferentes épocas; e isto tudo cercado por uma quantidade de novos subúrbios com ruas retas e regulares e com casas uniformes (WITTGENSTEIN, 1991, p. 15).
Para Wittgenstein o expressar se dá de muitas maneiras, e por isso a linguagem torna-se uma “forma de vida”. Todo o conjunto que forma o ser humano é uma linguagem. Toda a forma de expressar a própria vida é uma linguagem. E por isso mesmo, quando a pessoa não diz o que queria dizer completamente (meinen), não deixa de ser uma expressão carregada de sentido. Um simples termo carrega em si a potencialidade de toda uma frase. Para tal, devem ser observadas diferentes possibilidades como tom de voz, expressão facial dentre outras formas de expressão, tanto corporais como sonoras.
Assim abre-se espaço para o que nosso filósofo chama de jogos de linguagem, que mais uma vez remete para uma parte de uma atividade, ou de uma forma de vida, e que ele faz questão de demonstrar como existem inúmeras espécies distintas de emprego de signos, que seriam as palavras ou frases, e que acarretam uma constante mudança na estrutura linguística, pois ocorrem grandes e drásticas modificações em suas interpretações. Wittgenstein mostra a multiplicidade dos jogos de linguagem através de alguns exemplos que deixam evidentes as dificuldades que existem tanto em formular, como em receber algum tipo de informação.
Comandar, e agir segundo os comandos- descrever um objeto conforme a aparência ou conforme medidas- produzir um objeto segundo uma descrição- relatar um acontecimento- conjeturar sobre um acontecimento- expor uma hipótese e prova-la- inventar uma história; ler etc. (WITTGENSTEIN, 1991, p. 19).
Denominar as coisas para Wittgenstein não é suficiente diante da grandeza e da riqueza que circunda nossas formas de expressões. Denominar e falar sobre as coisas em um discurso não são o bastante para a filosofia, pois o que a filosofia almeja é falar de coisas que, na visão do primeiro Wittgenstein, deve calar-se diante delas. E por isso as palavras não podem ficar simplesmente como denominações de objetos, achando ter atingido o ápice de todas as investigações que poderiam existir sobre tal tema.
Mesmo havendo uma relação entre o nome e o denominado, pois ao ouvirmos um nome de algo que é evocado nos remetemos logo a esse algo fazendo assim as devidas relações, tudo isso não passaria de uma aproximação inexata da realidade. Essa nova maneira de valorizar a linguagem é vista como uma teoria pragmática, pois encontra na linguagem uma objetividade para com os objetos, sendo necessário algo “real” e “imanente”, para que possam ser expresso e/ou experimentado. “Apenas numa linguagem posso querer dizer algo com algo. Isto mostra claramente que a gramática de ‘querer dizer’ não é semelhante à da expressão ‘representar-se algo’ e coisas do gênero”. (WITTGENSTEIN, 1991, p. 26).
Só se pode compreender uma palavra, uma expressão, uma frase, fazendo-se referência ao papel por ele desempenhado naquilo que Wittgenstein chamou de jogos de linguagem e que se apresenta como um tipo de fala correspondente a uma atividade simples, bem definida (HUISMAN, 2002, p. 322).
Muitas vezes, por ignorância, pode ocorrer de se confundir a significação com o portador do nome, ou seja, o nome com o denominado. Para clarificar, Wittgenstein (1991) dá o seguinte exemplo: se um senhor qualquer chamado N morre, não diremos que a significação do nome morre mas sim o portador do nome, pois se o nome deixasse de existir não chegaríamos nem a anunciar a morte do senhor N. E assim, a significação de um termo é seu uso na linguagem, apontando para o seu portador e não o contrário. Isto permite aos jogos de linguagem serem válidos em si mesmo, não necessitando de nada que os represente, e tendo valor independente de qualquer figuração externa.
A partir do pensamento do segundo Wittgenstein a linguagem adquire esse valor pragmático, pois não se “indaga sobre os significados das palavras, mas, sobre suas funções práticas”. Esse novo olhar sobre a linguagem possibilita à filosofia a sempre atualizar suas investigações sobre o ‘ser’ das coisas, mas sem jamais desejar alcançar uma reposta definitiva e absoluta, portanto, “ uma concepção da filosofia como rearranjo jamais concluído do saber, como abalo perpétuo de nossas certezas e de nossos dogmas”. (HUISMAN, 2002, p. 323).
Referências
INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS. in: HUISMAN, Denis. Dicionário de obras filosóficas. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P. 321. Título original: Ditionnaire des mille oeuvres clés de la Philosophie.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1991. 222 p. (Os Pensadores). Título original: Philosophische Untersuchungen.