Fabiano Alves de Assis
Adorno, dentro do espírito da Escola de Frankfurt, faz uma crítica à indústria cultural de sua época alegando que ela leva a uma mercantilização e empobrecimento da cultura.
Parece ter havido uma capitalização da cultura. O homem, cansado do trabalho, já não sabe dispor de seu tempo livre recorrendo à indústria cultural a fim de obter o devido descanso e se entreter pelos meios oferecidos pela indústria cultural. “… o denominador ‘ cultura’ já contém, virtualmente, a tomada de posse, o enquadramento, a classificação que a cultura assume no reino da administração. Só a ‘administração’ industrializada, radical e consequente, é plenamente adequada a esse conceito de cultura…” (ADORNO, 2002, p. 22).
Aqui se estabelece o cerne de nossa pesquisa: observar o que foi feito da cultura através da indústria cultural. E é nesta perspectiva que desenvolveremos a nossa pesquisa, de modo analítico crítico e no intuito de desenvolver o enfoque da questão supracitada.
Para se compreender o que quer dizer o autor sobre indústria cultural cabe a nós antes delimitar o que significa este conceito. Segundo Marcondes e Japiassu ( 2006, p. 51) , cultura, a cultura pode ser definida como tesouro coletivo de saberes possuído pela humanidade ou por certas civilizações: a cultura helênica, a cultura ocidental, etc. Compreendemos que cultura diz respeito a saberes possuídos pela humanidade, o que se pode deduzir também pelo conjunto de manifestações adquiridas por uma sociedade. Logo, a cultura de um povo deveria ser a manifestação daquilo que determinado povo vive e gosta. Manifestação daquilo que remete à suas raízes, à sua origem.
Adorno compreende cultura como tomada de posse, como enquadramento, como classificação que a cultura assume no campo da administração. Então percebemos que Adorno observa a cultura como administração, ou seja, havia uma industrialização da cultura. Só a “administração” industrializada, radical e consequente, é plenamente adequada a esse conceito de cultura. Ou seja, a relação que se cultivava entre as pessoas estava sendo industrializada. Os padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas e intelectuais transmitidos coletivamente e cultivados por uma sociedade estava sendo comercializadas. Isso que Adorno evidencia em sua teoria da indústria cultural juntamente com Horkheimer.
Para Adorno a indústria cultural faz coincidir cultura com entretenimento, de modo que o lazer passa a ser uma oferta da indústria cultural, fazendo da cultura um mero produto que pode ser oferecido, sobretudo pelos meios de comunicação. Isso nos leva a questionar: como têm sido as manifestações culturais de nossa época? Quais são os critérios utilizados para seleção das formas de cultura de nosso povo? A crítica de Adorno vai de encontro com essa dura realidade.
Hoje a cultura virou produto do capital. Uma massa de trabalhadores alterna sua dura vida em trabalho e lazer. Mas o lazer não é determinado pelo trabalhador, é antes definido pelos detentores da indústria cultural, sendo que o meio de veiculação da cultura hoje está ligado à mídia. Assim ela acaba por se tornar uma máquina que vem a violentar a subjetividade do ser humano sem acrescentar algo de bom para a vida do espectador. É o que nos diz Adorno: “A indústria cultural se desenvolveu com a primazia dos efeitos, da performance tangível, do particular técnico sobre a obra, que outrora trazia a ideia e com essa foi liquidada…” ( ADORNO, 2002, p.14).
A cultura se torna mero produto pensado e produzido, pronto para ser consumido pelo espectador. Adquirindo, a mídia, poder por si mesmo. Já não é o membro da sociedade que vai definir os meios de entretenimento e cultural para si. A indústria cultural já definiu e as pessoas é que se adequam aos meios oferecidos. A cultura se torna mercadoria e uma mercadoria autônoma, valorada em si mesma e que se impõe sobre os gostos pessoais de cada pessoa.
E o problema, segundo Adorno é: a mídia não se preocupa em produzir programas culturais de qualidade. Ela está preocupada é em manter fixa a atenção do expectador e que se torna um consumidor de seus produtos. Com a ausência de uma produção de qualidade, vêm as consequências de uma produção que pode iludir o espectador. O espectador já não sabe se o que se vê nas telas de cinema e na televisão é um reflexo de sua vida interior ou uma mera projeção do que poderia ser a vida. Ou seja, o espectador se perde naquilo que assiste.
É o que nos diz Adorno:
O mundo todo é forçado a passar pelo crivo da indústria cultural. A velha experiência do espectador cinematográfico, para quem a rua lá de fora parece a continuação do espetáculo que acabou de ver – pois este quer precisamente reproduzir de modo exato o mundo percebido cotidianamente – tornou-se o critério da produção. (ADORNO, 2002, p. 16).
Os recursos utilizados pela mídia para atrair a atenção dos espectadores acabam por neutralizar seus sentidos, de modo a poder tirar a capacidade de raciocínio dos mesmos. Ao mesmo tempo em que se exige deles uma capacidade de agilidade para acompanhar o desfechamento das questões propostas pela programação, os jogos de cena acabam por “paralisá-los” frente à realidade em troca da atenção prestada à mídia. É o que nos diz Adorno:
Os próprios produtos, desde o mais típico, o filme sonoro, paralisam aquelas capacidades pela sua própria constituição objetiva. Eles são feitos de modo que a sua apreensão adequada exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, e por outro é feita de modo a vetar, de fato, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que rapidamente se desenrolam à sua frente… (ADORNO, 2002, p. 16).
Porém pode ser positivo o fato de a mídia exigir dos espectadores muita atenção para acompanhar os efeitos técnicos bem produzidos, por levar a uma agilidade mental diante das telas. Mas isso pode levar também a um empobrecimento do estágio mental em ocupar-se somente com as situações provocadas pela mídia.
Segundo Reale e Anriseri (1991, p. 845), a indústria cultural de que fala Adorno é um instrumento do “sistema”. Composta pela tecnologia atual, e uma espécie de comércio da cultura em que até mesmo valores são industrializados. Inspira comportamento, influenciando na vida das pessoas. “Para alcançar a sua funcionalidade, o ‘sistema’, que é a sociedade tecnológica contemporânea, entre os seus principais instrumentos, pôs em funcionamento poderosa máquina: a indústria cultural…” (REALE; ANTISSERI, 1991 p. 845).
A indústria cultural não abrange uma ideologia, porque ela própria é a ideologia. Ideologia de que se deve aceitar tudo passivamente e que é o espectador que deve se aderir à proposta da indústria cultural. O outro para Adorno é o sistema, que articula tanto enquadrando os destinatários.
Adorno diz que a indústria cultural tem uma postura que deve estar sempre em movimento e que acréscimos à cultura pode ser perigoso. Reduz a expressão cultural também a uma mesmice enquadrando tudo em um padrão. Com isso percebemos a profundidade do pensamento moderno do filósofo, e que casa perfeitamente com a contemporaneidade, o da mercantilização da cultura e do empobrecimento do ser humano diante da indústria cultural.
Se dermos um giro pela sociedade hodierna, observaremos milhares de pessoas assistindo à mídia sem se dar conta do objetivo do programa que está assistindo. Uma programação quer no rádio, quer na televisão, quer na internet que às vezes não coincide com as reais necessidades ou gosto do espectador e ele não se sente motivado a fazer algo para melhorar a programação. Vemos a perda da capacidade do espectador de raciocinar, de dialogar, de exigir.
Observamos que a cultura ganhou valor comercial. Só é transmitido aquilo que dá dinheiro, que dá retorno financeiro às empresas gestoras dos programas oferecidos. E é neste sentido que vai fundo a crítica de Adorno, que a indústria cultural tirou o foco primeiro da cultura: ser conjunto das manifestações culturais de uma civilização.
A cultura que deveria ser manifestação genuína de um povo, se torna cada vez mais produto de comércio e definida por pessoas, das quais sequer tomamos conhecimento. Não há um critério para se definir o que será transmitido pela mídia, sendo que esta se tornou o principal meio de entretenimento e propagação da cultura entre os povos. O que tem levado as pessoas a um empobrecimento cultural, fruto da mercantilização da cultura.
Conforme conclui Silva (2002):
Fica claro, portanto a grande intenção da Indústria Cultural: obscurecer a percepção de todas as pessoas, principalmente, daqueles que são formadores de opinião. Ela é a própria ideologia. Os valores passam a ser regidos por ela. Até mesmo a felicidade do individuo é influenciada e condicionada por essa cultura.
Referências
ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. Seleção de textos Jorge Mattos Brito de Almeida, traduzido por Julia Elisabeth Levy et al. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
MARCONDES, Danilo; JAPIASSU, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia. 4. ed. atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias. 4 ed. São Paulo : Paulus, 1991. v. 3.
SILVA, Daniel R. Adorno e a Indústria Cultural, UEM, Maringá, n. 4, maio 2002.Disponível em: <http://www.urutagua.uem.br//04fil_silva.htm>. Acesso em: 20 nov. 2012.
#
EU GOSTARIA DE AGRADECER AO FABIANO,MEU XARÁ. POR ESTE ARTIGO REVELADOR E CONFRONTADOR. POIS, SÃO POUCOS QUE TEM ESTA VISÃO QUE ESTÁ EMBASADA NOS PENSAMENTOS DE UM DOS MAIORES PENSADORES ALEMÃO, QUE É ADORNO. POSSIBILITANDO ASSIM UMA NOVA REFLEXÃO SOBRE A MÍDIA E TODO SISTEMA DE COMUNICAÇÃO. REVELANDO POR MEIO DELE O REAL OBJETIVO DA MÍDIA COMO TODO EM SUAS MANIPULAÇÕES E LUDIBRIAMENTO DA MENTE HUMANA. FABIANO CARNEIRO
#
Prezado amigo chará Fabiano Carneiro, só hoje vi seu comentário aqui em meu artigo. Disponha-se em utilizá-lo o quanto for necessário. De fato faz pensar na sociedade pós-moderna, em que assamos por tantas experiências do renascimento, do iluminismo e da Declaração dos Direitos Humanos, ainda vemos situações como estas de manipulação da população! Um abraço!
#
FABIANO ALVES DA SILVA, vc foi intuitivo, simples e direto. Parabéns.
#
Ola! Obrigado por compartilhar! Excelente artigo.
#
Obrigado.Grande artigo.