Rosemberg Nascimento*
Este artigo pretende investigar e, ao mesmo tempo, demonstrar de maneira sucinta a partir da obra Crítica da Faculdade do Juízo o que é o belo e sublime para Kant. Todavia, é importante frisar que Immanuel Kant (1724-1804) é considerado um renomado filósofo do iluminismo alemão que inovou e propiciou uma distinta visão não somente à filosofia moderna, mas contribuiu de modo eficaz para a compreensão da estética. Além do mais, refletir acerca da relação entre a noção de belo e sublime na perspectiva kantiana é colocar à prova um dos traços característicos de seu pensamento, que é de suma importância para o juízo da estética. Assim sendo, podemos alçar questionamentos: o que é belo e sublime segundo Kant? Qual é a relação entre o belo e o sublime? Qual é a diferença entre o belo e o sublime? Estes são os questionamentos instigantes que nortearão nossa pesquisa e nos induzirão a refletir sobre o assunto.
Neste sentido, para fazermos a distinção se algo é belo, devemos em primeiro lugar referir a representação, que se manifesta não através do entendimento humano ao objeto, mas por meio da faculdade da imaginação do sujeito. “Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação, não pelo entendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas pela faculdade da imaginação […] ao sujeito e ao seu sentimento de prazer ou desprazer.” (KANT, 1995, p. 47). É importante salientar que a noção de belo para Kant se dá a partir da contemplação que o sujeito faz de uma determinada coisa. E através da contemplação o sujeito pode intuir e refletir acerca daquilo que é contemplado. Por outro lado, o juízo de gosto não é, pois, um juízo vinculado ao conhecimento, mas à estética, pois seu fundamento é subjetivo. Já as representações e as sensações podem ser objetivas. “O sujeito sente-se a si próprio do modo como ele é afetado pela sensação.” (DUARTE, 1997, p. 119). À medida que o sujeito contempla o belo, ele é afetado por meio da sensação provocando nele os sentimentos de prazer ou desprazer.
Ademais, segundo a doutrina kantiana, podemos compreender a representação como algo que está intimamente ligado ao sujeito e aos seus sentimentos de vida, tais como o prazer e o desprazer. A representação do objeto se dá por meio da complacência que determina o juízo de gosto. Gosto pode ser definido por “faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse. O objeto de uma tal complacência chama-se belo.” (DUARTE, 1997, p. 123). Assim, a acepção de complacência, consequentemente, está intimamente ligada ao prazer que se tem em harmonia com os sentidos. O sujeito que age com complacência faz tudo com o intuito de agradar o outro. “Agradável é o que apraz aos sentidos na sensação.” (KANT, 1995, p. 50). Toda complacência corresponde ao desejo de agradar, refere-se à própria sensação de um prazer. Tudo aquilo que apraz ao sujeito é agradável. Além disso, existem ainda outras sensações que são aprazíveis ao sujeito, ou seja, sensações agradáveis, tais como: gracioso, encantador e deleitável.
No entanto, quando determinamos que os sentimentos de prazer e o desprazer podem ser chamados de sensação, observa-se que esta expressão tem como significado representar uma determinada coisa através dos sentidos, como receptividade à faculdade do conhecimento. A palavra sensação pode ser compreendida como a representação objetiva dos sentidos como Kant nos apresenta:
A cor verde […] pertence à sensação objetiva, como percepção de um objeto do sentido; o seu agrado, porém, pertence à sensação subjetiva, pela qual nenhum objeto é representado: isto é, ao sentimento pelo qual o objeto é considerado como objeto da complacência (a qual não é nenhum conhecimento do mesmo). (KANT, 1995, p. 51).
Diante disso, fazendo uma analogia do belo com o agradável, podemos dizer que o agradável diz respeito àquilo que é aprazível. Em outras palavras, significa fazer juízo de alguma coisa, como nos diz Kant: “‘o vinho espumante […] é agradável’, um outro corrige-lhe a expressão e recorda-lhe que deve dizer ‘ele me é agradável’; e assim não somente no gosto da língua, do céu da boca e da garganta, mas também no que possa ser agradável aos olhos e ouvidos de cada um.” (KANT, 1995, p. 57). Outro fator intrínseco ao juízo é o som dos instrumentos. Quando ouvimos sons de um determinado instrumento, isso logo nos remete ao agradável, tornando-nos aprazíveis as sensações que são manifestas ao sujeito através da música. Sendo assim, cada sujeito possui um determinado gosto para um determinado tipo de coisa. Desse modo, não existem gostos iguais, apenas um juízo estético. “Os juízos na verdade reivindicam, […] validade para qualquer um. Todavia, o bom é representado somente por um conceito como objeto de uma complacência universal, o que não é o caso nem do agradável nem do belo.” (DUARTE, 1997, p. 125). No entanto, o juízo de gosto traz consigo uma quantidade estética universal e anuncia a expressão de beleza.
A rosa, que contemplo, declaro-a bela mediante um juízo de gosto. […] o juízo que surge por comparação de vários singulares: as rosas, em geral, são belas não é desde então enunciado simplesmente como estético, mas como um juízo lógico fundado sobre um juízo estético. (KANT, 1995, p. 59).
Com efeito, se julgarmos os objetos somente através dos conceitos, estes perderão toda a representação de beleza. Ora, o juízo, a rosa, é, por meio do olfato, agradável. É um juízo estético e singular, porém não um juízo de gosto, mas um juízo de sentidos. O sujeito quer submeter ao objeto de acordo com sua própria percepção, através da maneira como ele é afetado pela sensação. Todavia, a complacência se torna independente da sensação. Já a finalidade do juízo de gosto anuncia, através da expressão, a beleza. A universal capacidade de comunicação do estado de ânimo na representação, como condição subjetiva do juízo de gosto, tem como fundamento e consequência o prazer na contemplação do objeto.
Esta particular determinação da universalidade de um juízo estético, que pode ser encontrada em um juízo de gosto, é na verdade uma curiosidade não para o lógico, mas sim para o filósofo transcendental; […] pelo juízo de gosto (sobre o belo) imputa-se a qualquer um a complacência no objeto, sem contudo se fundar sobre um conceito (pois então se trataria do bom); e que esta reivindicação de validade universal pertence tão essencialmente a um juízo pelo qual declaramos algo belo. (KANT, 1995, p. 58).
É importante ressaltar que se pensarmos a universalidade do belo, aquilo que se torna aprazível sem conceito, podemos observar que tudo o que apraz seria agradável em relação ao juízo de gosto sobre a beleza. Podemos considerar o juízo de gosto em conformidade com os fins de acordo com suas determinações transcendentais. “Fim é o objeto de um conceito, na medida em que este for considerado como a causa daquele (o fundamento real de sua possibilidade); e a causalidade de um conceito com respeito a seu objeto é a conformidade a fins.” (KANT, 1995, p. 64). Ora, podemos dizer que a conformidade com a representação de um fim seria a vontade. A consciência da causalidade de uma representação se manifesta no sujeito, o que podemos chamar de prazer. Por outro lado, a representação se fundamenta na determinação das representações, as quais chamamos de desprazer. Nesta perspectiva, o fim se fundamenta na complacência e há sempre por detrás do fim um interesse que permeia o juízo acerca do objeto do prazer.
Todo fim, se é considerado como fundamento da complacência, comporta sempre um interesse como fundamento de determinação do juízo sobre o objeto do prazer. Logo, não pode haver nenhum fim subjetivo como fundamento do juízo de gosto. Mas também nenhuma representação de um fim objetivo, isto é, da possibilidade do próprio objeto segundo princípios da ligação a fins, por conseguinte nenhum conceito de bom pode determinar o juízo de gosto; porque ele é um juízo estético e não um juízo de conhecimento. (KANT, 1995, p. 66).
Entretanto, a representação do objeto sem qualquer fim pode ser considerado objetivo ou subjetivo. O que fundamenta e, simultaneamente, determina o juízo de gosto é a complacência. “Beleza é a forma da conformidade a fins de um objeto, na medida em que ela é percebida nele sem representação de um fim.” (KANT, 1995, p. 82). Quando o sujeito contempla o belo, somente pode dizer se algo é belo se ele sentir por meio da percepção a complacência, isto é, a harmonia dos sentidos manifestados no objeto.
Conforme afirma a teoria kantiana, o belo está em conformidade com o sublime. “O belo concorda com o sublime no fato de que ambos aprazem por si próprios; […] não pressupõe nenhum juízo dos sentidos, nem um juízo lógico-determinante, mas um juízo de reflexão.” (KANT, 1995, p. 89). Assim sendo, o sublime remete ao que é grande. Porém, existe peculiaridade entre os distintivos: grande e grandeza, pois se dizemos que o sujeito é belo estamos referindo que ele é grande, mas se dissermos que o sujeito é grande estamos fazendo referência à grandeza do mesmo. O sublime não deve ser procurado nas coisas da natureza, mas em nossas próprias ideias. Deste modo, “o sublime distingue-se do belo pelo fato de provocar perturbações filosóficas ligadas a uma mistura de dor e prazer” (JIMENEZ, 1999, p. 136).
É importante enfatizarmos que o sublime não é um objeto, mas a disposição de espírito através de certa representação que ocupa a faculdade de seu juízo reflexivo. Além disso, o sublime também pode ser considerado como uma faculdade de ânimo que ultrapassa a medida dos sentidos. Em outras palavras, podemos acrescentar que “sublime é o que somente pelo fato de poder também pensá-lo prova uma faculdade do ânimo que ultrapassa todo padrão de medida dos sentidos.” (KANT, 1995, p. 96). Todavia, os sentidos correspondem a faculdade da imaginação, uma vez que estão ligados a percepção daquilo que se apresenta ao sujeito por meio de duas vias, a saber: a apreensão e compreensão.
Outra acepção importante sobre o sublime é “aquilo em comparação com o qual tudo o mais é pequeno. […] na natureza nada pode ser dado, por grande que ele também seja ajuizado por nós, que, considerado em uma outra relação, não pudesse ser degradado até o infinitamente pequeno.” (KANT, 1995, p. 96). Por outro lado, o poder é a faculdade no que concerne aos obstáculos que chamamos de força. Assim, a natureza no juízo estético como poder não possui nenhuma força sobre o sujeito. Sendo assim, podemos ressaltar que o sujeito é consequentemente sublime.
O verdadeiro sublime não pode estar contido em nenhuma forma sensível, mas concerne somente a ideias da razão, que, embora não possibilitem nenhuma representação adequada a elas, são avivadas e evocadas ao ânimo precisamente por essa inadequação, que se deixa apresentar sensivelmente. (KANT, 1995, p. 91).
Neste sentido, o sublime não só se encontra no interior do sujeito, mas também está presente na natureza e principalmente em nossa faculdade do juízo. E assim não podemos julgar como sublime qualquer objeto que existe na natureza, uma vez que o sublime eleva o espírito humano à faculdade da imaginação. A imaginação é capaz de avaliar a grandeza de cada objeto. Já a avaliação estética da grandeza ultrapassa essa faculdade. Diante disso, a natureza é considerada sublime, pois seus fenômenos comportam a ideia de infinitude.
E ainda, podemos falar também sobre o sublime espiritual: “na religião em geral parece que o prostrar-se, a adoração com a cabeça inclinada, com gestos e vozes contritos, cheios de temor, sejam o único comportamento conveniente em presença da divindade.” (KANT, 1995, p. 109). Destarte, somente quando o homem se prostrar diante da divindade e o contemplar numa atitude sincera ele agirá com complacência, agradando a Deus, despertando em si a sublimidade. A sublimidade não está incutida em nosso estado de ânimo, na medida em que nos conscientiza de sermos superiores à natureza em nós e, através disso, também à natureza fora de nós.
Portanto, concluímos que podemos refletir acerca do belo e o sublime no pensamento kantiano através do Juízo estético. Dessa forma, o belo traz em si a harmonia, sendo que o que torna algo belo é a harmonia com os sentidos. Já o sublime está presente no espírito humano que eleva a faculdade da imaginação de cada sujeito. Dessa maneira, tendo discorrido sobre a relação kantiana de belo e sublime, percebe-se que o belo comove o sujeito e o sublime o encanta. Com isso, para distinguir se algo é belo, em primeiro lugar, deve-se referir a representação que se manifesta não através do entendimento humano ao objeto, mas por meio da faculdade da imaginação do sujeito. A diferença entre a noção de belo e sublime no pensamento kantiano é que o belo se dá a partir da contemplação que o sujeito faz de uma determinada coisa. E através da contemplação o sujeito pode intuir e refletir acerca daquilo que é contemplado. O sublime está ligado a grandeza, por isso não deve ser procurado nas coisas da natureza, mas no interior do espírito humano. Enfim, o belo está em conformidade com o sublime, pelo fato do belo ser contemplação que o sujeito faz do objeto manifestado na natureza exterior das coisas e o sublime a grandeza do objeto que se manifesta na natureza interior do espírito humano.
* Graduando em Filosofia na FAM
Referências
DUARTE, Rodrigo. O belo autônomo: organização e seleção de textos. Belo Horizonte: UFMG, 1997.
JIMENEZ, Marc. O que é estética?. Tradução Fulvia M. L. Moretto. São Leopoldo, Rio Grande do Sul: Unisinos, 1999.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Tradução Valério Rohden e Antônio Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
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Amei este artigo. Pode dizer que o considerei belo, sem dúvidas harmônico em todos os sentidos. 😂✨💖