Allan Júnio Ferreira
“Eis o que experimentamos quando entramos em contato com a beleza: o maravilhamento, um súbito deleite, o desejo, o amor e uma alegre excitação.” Plotino
“As mentes que se elevam para além do reino dos sentidos encontram uma beleza na conduta de vida: em atos, caráteres, bem como a encontram nas ciências e nas virtudes. Há uma beleza anterior a essa?”
Com esse questionamento Plotino inicia seu tratado sobre o Belo, 1ª Enéada na ordem cronológica. Existe uma beleza anterior às belezas que vemos graças aos nossos sentidos? Essa pergunta vai perpassar todo tratado e será nosso objetivo demonstrar como Plotino responde a essa interrogação. Nesse artigo nos valeremos da enéada Sobre o Belo explanando as características da beleza sensível e as características da feiura que é outro tema que Plotino inaugura nessa obra.
A maioria das enéadas de Plotino tem uma linguagem mística e espiritual, não seria diferente nesta. Plotino exprime toda uma linguagem poética, espiritual e mística para falar do Belo. Como os artistas que contemplam o resultado de uma obra de arte, assim Plotino contempla o Belo, a beleza superior da qual todas as outras provém.
1 A beleza que encanta os nossos olhos
Ao falarmos de beleza ou simplesmente do belo, sempre nos remetemos àquelas belezas que vemos, as belezas do mundo sensível. Contemplando uma ópera ou um belíssimo quadro onde se faz presente a harmonia e tonalidade das cores certamente nosso olhar se comoverá com tamanha beleza. Plotino inicia a enéada sobre o belo explanando justamente sobre este tipo de beleza, ao belo que se dirige à nossa visão.
O Belo dirige-se principalmente à visão; mas também há uma beleza para a audição, como em certas combinações de palavras e na música de toda espécie, pois a melodia e os ritmos são belos […] o que atrai o olhar do espectador para os objetos belos e faz com que se alegre com a sua contemplação? (PLOTINO, 2007. p. 19)
Para chegarmos ao Belo absoluto, princípio de toda beleza, se faz necessário que compreendamos as outras belezas. Por que o espectador se encanta ao assistir uma peça teatral? O que o leva a aplaudir de pé e se alegrar com a beleza do espetáculo? Essas perguntas precisam ser respondidas para avançarmos rumo ao belo inteligível.
A beleza sensível ao nosso olhar e à audição é bela porque as partes são belas. A escultura de um artista é bela, pois nela há simetria entre as formas, as cores são harmoniosas e todas as partes estão em seu devido lugar, o mesmo se diz de uma bela ópera, as notas estão em harmonia, os instrumentos tocam sincronizados e o maestro rege com leveza e cuidado, por isso o conjunto se torna belo.
Toda e qualquer beleza deste mundo advém da comunhão com uma Forma ideal. Todas as coisas privadas de Forma e destinadas a receber uma forma ou uma ideia permanecem feias e estranhas ao pensamento divino enquanto não comungarem com um pensamento e uma Ideia. A feiúra absoluta consiste nisso. Tudo o que não é dominado por uma Ideia e por um pensamento (logos) é algo feio (PLOTINO, 2007.p. 22).
Plotino conclui que “a beleza das coisas naturais provém de sua comunhão com um pensamento [razão, logos] que provém dos deuses.”
2. A compreensão de feiura
Outro aspecto considerável na compreensão da Beleza é o seu antônimo a feiúra. Esta está ligada profundamente com a alma e contrária a tudo que dissemos até então.
A feiúra para Plotino é a desordem, injustiça, desejos incontrolados, perversidão etc. A alma que contém esses adjetivos deixa de contemplar a beleza e se afunda no caos
Imaginemos uma Alma feia, dissoluta e injusta, cheia de todas as concupiscências e desequilíbrios interiores, que por ser covarde está sempre com medo e por ser mesquinha está sempre com inveja. Uma alma que só pensa nas coisas perecíveis e baixas, é sempre perversa, deleita-se com os prazeres impuros, vive a vida das paixões corporais e tem prazer com a sua própria feiúra. Só podemos dizer que essa feiúra veio até ela como um mal adquirido […] (PLOTINO, 2007.p. 27).
A alma não nasceu feia. Todos os males vieram posteriormente o que resultou na perca da pureza e se tornou “uma vida mesclada de morte”. A alma marcada pela feiúra perde a capacidade de ver o que devia ver, contemplar o belo. Ela acolheu para si mesma outra forma que não era sua, uma matéria que não lhe pertencia e, por isso, para tornar a ser bela, terá que passar por um processo de “limpeza” para retirar todas as impurezas que ela mesma adquiriu. Plotino ainda compara a feiúra como o “primeiro mal” e a beleza é verdadeira realidade.
3 O Belo inteligível
Depois de analisarmos a compreensão de Plotino a respeito das belezas sensíveis e sobre a feiúra, resta-nos explanar um pouco sobre a beleza primeira, a beleza das belezas. Para se alcançar o Belo inteligível é preciso todo um processo de conversão, desapegarmos de tudo o que é sensível e nos voltarmo-nos paras as coisas interiores. A alma deve passar por um processo de purificação para voltar a contemplar o Belo, se admirar com a sua beleza e voltar a ser pura.
Mas o que temos de fazer para chegar a isso? Qual é o caminho para alcança-lo? Como poderemos ver essa Beleza imensa que permanece, por assim dizer, no interior do santuário e não se dirige para fora para ser vista pelo profano? Que aquele que pode fazê-lo siga-a até a sua interioridade, abandonando a visão dos olhos, e não se volte para o esplendor dos corpos que admirava antes. (PLOTINO, 2007.p. 32)
As belezas corporais são apenas imagens do Belo e não devemos nos apegar a estas, mas antes voltarmo-nos para o nosso interior para ascendermos até a morada do Belo. Para isso é preciso um processo de conversão. Devemos abandonar totalmente a nossa visão das coisas sensíveis e treinar o nosso olhar para o que está além delas. Pela feiúra decaímos, ficamos cegos e nos esquecemos de contemplar a verdadeira beleza que está no alto, nos diz Plotino “Nossa pátria é o lugar de onde viemos e nosso Pai está lá”.
Todos nós possuímos certo olho interior que é capaz de olhar para esse grande esplendor, mas poucos o usam. É preciso que a alma habitue-se a contemplar as belas obras e ocupações, depois contemplar as almas daqueles que praticam as belas ações.
Em Sobre o belo Plotino ocupa-se da beleza visível, talvez o mova a preocupação em mostrar que conversão é uma mudança no modo de ver as coisas, que converter-se é não só ficar vendo a proporção ou o colorido, mas, para além disso, a beleza que transparece na beleza sensível. Plotino parece estar mostrando através daquilo cuja materialidade não nos escapa e no visível, onde a forma só aparece através da relação com a matéria, talvez mais do que em qualquer outro sensível, que é possível ver para além da materialidade dos corpos. E que tal visão da beleza é conversão, é purificação ( OLIVEIRA, 2005.p. 272).
O Belo plotiniano é tão superior que é necessário desapegarmos de tudo o que for relacionado à materialidade e focarmos na espiritualidade e interioridade. O Belo aqui pode ser confundido com o Bem, mas Plotino deixa claro que o Belo não é o Bem, mas aquele reside no mundo inteligível.
Portanto, que todo aquele que queira contemplar a Deus e ao Belo se torne antes divino e belo. Tornando a subir, chegará primeiro à Inteligência; verá que as Idéias são belas e reconhecerá que essa é a Beleza: que as ideias são belas, pois elas provêm da Inteligência e do Ser. Para além da beleza está o que chamamos de “natureza do Bem” que irradia de si a Beleza (PLOTINO, 2007.p. 34).
4 Considerações Finais
O pensamento de Plotino acerca do Belo é fascinante. Sua obra tem traços de uma espiritualidade intensa, o que nos leva a afirmar que se deve a essa espiritualidade que ele alcançou por algumas vezes o êxtase, como ele mesmo diz “ainda estando aqui na Terra, terás acendido”. Plotino pai do neo platonismo é um autor que muito contribuiu para a propagação dos pensamentos Platônicos e para o Cristianismo, que séculos depois iria utilizar os seus escritos a fim de cristianizá-los. A enéada Sobre o Belo pela ordem cronológica é a primeira de muitas que viriam, mas percebe-se a grande capacidade do, até então jovem autor, para escrever e encantar os seus leitores.
5 Referências
OLIVEIRA, Loraine. O BELO EM PLOTINO: DO MÚLTIPLO AO UNO. Síntese revista de Filosofia, Belo Horizonte, v. 32, n. 103, 2005. Disponível em: <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/viewArticle/336> Acesso em: 02 Jun. 2013.
PLOTINO. Tratados das Enéadas. Trad. Américo Sommerman. São Paulo: Polar Editorial, 2007.
#
Desculpe o comentário que vou fazer, mas, como revisora de texto, não poderia deixar passar um erro de grafia no texto (item 2)- texto excelente, por sinal, e que serviu de base para um debate filosófico: o substantivo do verbo PERDER é PERDA!