por Irineu Altair da Silva
Emmanuel Kant, filósofo alemão de grande importância na filosofia moderna, ficou conhecido também como o filósofo das três críticas, por destacar em suas principais obras – crítica da razão pura, crítica da razão prática e crítica da faculdade do juízo – os limites da razão na produção de conhecimento. Para isso ele formula uma concepção própria de filosofia transcendental, a qual tem por base a teoria de conhecimento que se baseia na análise das condições de possibilidade do conhecimento, isto é, a relação que há entre o sujeito e o objeto na experiência de conhecimento.
Segundo o autor, todo o conhecimento humano está alicerçado em dois troncos: a sensibilidade e o entendimento. Pela primeira são-nos dados os objetos, e pela segunda esses objetos são pensados. Assim podemos dizer que o nosso conhecimento é formado com a contribuição das intuições que são fornecidas pela nossa sensibilidade. Contudo, essas intuições precisam ser articuladas por esquemas a priori que são constitutivos da própria racionalidade humana, da própria condição do conhecimento. Isto significa que o conhecimento é adquirido, em parte pela experiência da ralação entre o sujeito e o objeto, e em parte por algo que é produzido pelo próprio sujeito. O conhecimento então, para Kant, não é reprodução passiva de um objeto por meio do sujeito, mas construção ativa do objeto por parte do sujeito.
Só a sensibilidade nos fornece intuições com as quais o entendimento trabalha. Assim, uma definição mais primária de conhecimento em Kant é “dar forma a uma matéria dada.” Mas Kant vai mais além e introduz o conceito de intuição pura, ou seja, forma pura da sensibilidade. Essas intuições puras são o espaço e o tempo. Resta-nos então, entendermos o que significam esses conceitos.
Primeiramente é importante esclarecer o que significa, no pensamento kantiano, intuir. Para o autor, a intuição é a visão direta e imediata de um objeto de pensamento atualmente presente ao espírito e apreendido em sua realidade individual. Nesse sentido, toda intuição é sempre sensível. Dessa forma, podemos dizer que conhecer é primeiramente intuir.
O espaço é uma condição subjetiva da sensibilidade que permite a intuição externa e sua representação é uma condição subjetiva. Ele abrange todas as coisas que nos possam aparecer exteriormente, mas não todas as coisas em si mesmas.
O tempo é a condição de possibilidade de movimento, ele não é um conceito discursivo, mas uma forma pura da intuição sensível. Isto significa que o tempo não tem um objeto ao qual se deve atribuí-lo, sua representação é ilimitada. Ele é então, condição para unificação de todo o diverso, tanto dos fenômenos internos quanto dos fenômenos externos. Isso implica dizer que o tempo é a condição imediata dos fenômenos internos e condição mediada dos fenômenos externos.
Estes conceitos são de vital importância na teoria do conhecimento em Kant pois, para ele, de acordo com o que foi exposto até agora, nada fora do espaço e do tempo pode ser conhecido. No espaço e no tempo as coisas se apresentam pela forma como afetam nossos sentidos, porém isso não significa que sejam apenas aparências, são “algo realmente dado”. Mas, como o seu conhecer depende do modo de intuição do sujeito na relação com o objeto, distingue-se o seu fenômeno daquilo que ele é em si.
A coisa em si está para além da experiência possível. A estrutura da sensibilidade não permite ao sujeito chegar à coisa em si, mas apenas ao fenômeno. Este sim é produto de uma experiência possível, ele é o que aparece do objeto ao sujeito. Essa distinção ente a coisa em si (númeno) e o fenômeno não se dá no objeto, mas sempre na relação entre o sujeito e o objeto no processo do conhecimento.
Outros dois conceitos importantes na teoria do conhecimento em Kant são a matéria e a forma. Em linhas gerais, aquilo que depende da sensação que próprio sujeito tem do objeto constitui a matéria do conhecimento. O que depende do sujeito constitui a forma do conhecimento. Por isso podemos afirmar: “conhecer é dar forma à matéria dada.”
Dessa forma podemos concluir que o pensamento de Kant introduz uma nova forma de visão na teoria do conhecimento deixando de lado o modelo clássico, o qual se pautava numa adequação do intelecto à coisa, e mostrando a importância do sujeito no processo do conhecimento. O conhecimento se dá na relação entre o sujeito e o objeto, em que o objeto é a matéria que no contato com o sujeito ganha forma. O sujeito capta o fenômeno do objeto (uma vez que a coisa em si, o númeno, é incognoscível) pela sensibilidade e pelo entendimento através das formas puras de intuição: espaço e tempo. Dessa forma o objeto formal do conhecimento é o fenômeno, pois apenas ele é o que podemos captar do objeto e não a coisa em si.
Assim a sensibilidade é o elemento passivo no processo do conhecimento, já o entendimento é o elemento ativo, pois nele se pode pensar o objeto da intuição sensível. Contudo não há uma primazia de um sobre o outro, são eles de igual importância nesse processo. Por isso Kant, (2011) afirma: “Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas.” O conhecimento para Kant então acontece na relação entre o sujeito e o objeto passando pelas formas puras da sensibilidade: o espaço e o tempo, bem como sua constituição dada por matéria e forma.
Referências:
KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. Tradução Manuela Pinto dos Santos; Alexandre Fradique. 5 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gullbenkian, 2011.
LEITE, Flamarion Tavares. 10 Lições sobre Kant. Petrópolis: Vozes, 2011.
MOMDIN, Battista. Curso de filosofia. Tradução do italiano de Benoni Lemos. 11 ed, vol. 2. São Paulo: Paulus, 2009.