Reginaldo Coelho da Costa
Ainda que diferança [différance*] não seja nem uma palavra nem um conceito, tentemos uma análise semântica aproximativa que nos conduzirá ao acesso daquilo que está em jogo.
Segundo Derrida,
sabe-se que o verbo diferir tem dois sentidos que parecem bem distintos: no latim (differre) e no grego (diapherein). A distribuição do sentido do diapherein grego não comporta um dos dois motivos do differre latino. Diferir nesse sentido, é temporizar é recorrer, consciente ou inconscientemente, à mediação temporal e temporalizada de um desvio que suspende a consumação e a satisfação do desejo ou da vontade, realizando-o de fato de um modo que lhe anula ou modera o efeito. O outro sentido de diferir é o mais facilmente identificável: não ser idêntico, ser outro, discernível. (DERRIDA, Margens da filosofia, p.39)
A compreensão do mundo torna-se possível a partir de uma rede de um feixe de elementos, de ideias que estão em relação para tornar possível a significação do mundo. O conceito tem em si, para que seja possível sua própria construção, pouco de si mesmo e muito das outras coisas.
O conceito de significado está por direito, inscrito numa cadeia ou num sistema no interior do qual remete para o outro, para os outros conceitos, pelo jogo sistemático das diferenças. A diferença não é o conceito, mas a possibilidade de conceitualização.
A diferança em um duplo movimento a se diferir ou diferenciar, se explica, como por exemplo, a palavra infinito que pode ser definida por aquilo que é: o ilimitado, o absoluto, o imensurável. O fato é que o sentido da palavra é sempre diferido, ou seja, necessitamos de várias outras palavras para definir uma palavra. A palavra pode ser definida por aquilo que não é, ou seja, por suas diferenças: finito, limitado, absoluto.
Diferança admite um antes e um depois, isto é, uma diferença constituinte, mas adia indefinidamente o momento em que essa separação ocorre. Não importa o quão longe formos para trás na busca da significação; jamais chegaremos à diferença originária que poderia agir como base para a cadeia de significações.
Pode-se designar por diferança o movimento pelo qual a língua, qualquer código, qualquer esquemas de reenvios em geral se constitui historicamente como tecido de diferenças. O movimento da diferença simultaneamente se estabelece numa única e mesma possibilidade, a temporalização, a relação com o outro e a linguagem, não pode,enquanto condição de todo sistema lingüístico, fazer parte do próprio sistema lingüístico, ser situada como um objeto no seu campo.
Pode-se dizer que cada conceito e signo que usamos, não possuem significados por si só, mas somente através de um sistema de relações de diferenças, que dão alguma significância aos termos. Desta forma, cada elemento textual, cada signo lingüístico, não é interpretado por si mesmo, mas através de toda cadeia de significantes e signos que compõem um sistema de linguagem. Então dessa forma, um texto não possui uma interpretação totalmente correta, mas permite uma livre interpretação do mesmo, pelo que Derrida propõe a desconstrução.
Segundo Derrida, todo texto escrito não possui uma interpretação definitiva, própria ou correta. Também nós como leitor jamais alcançamos a intenção de um autor através de seu texto. Para Derrida a razão para isso, é que o texto seria naturalmente um sistema de signos que não se sustentam em nenhum significado definitivo.
Para Derrida desconstrução não significa destruição da escrita, mas sim para descobrir partes do texto que estão dissimuladas, ou seja, a construção de nossa própria interpretação caracteriza o que seria a desconstrução.
A diferança é o que faz com que o movimento da significação não seja possível a não ser que cada elemento dito “presente”, que aparece sobre a cena da presença, se relacione com outra coisa que não ele mesmo, guardando em si a marca do elemento passado e deixando-se já moldar pela marca da sua relação com o elemento futuro, relacionando-se o rastro menos com aquilo a que se chama presente do que aquilo a que se chama passado, e constituindo aquilo a que chamamos presente por intermédio dessa relação mesma com o que não é ele próprio. (DERRIDA, Margens da filosofia, p.45)
A diferança será não apenas o jogo das diferenças na língua, mas também a relação da fala com a língua, o desvio pelo o qual devo igualmente passar para falar, a causa silenciosa que devo pagar.
Sem dúvida, o sujeito só se torna falante entrando em comércio com o sistema das diferenças lingüísticas; ou ainda, o sujeito apenas se torna significante (em geral, pela fala ou por outros signos) inscrevendo-se no sistema das diferenças. O sujeito falante ou significante sem dúvida, não seria presente a si, enquanto falante ou significante, sem o jogo da diferança lingüística. Mas não se pode conceber uma presença e uma presença a si do sujeito antes da sua fala ou do seu signo, uma presença a si do sujeito numa consciência silenciosa e intuitiva.
Concluindo-se, pode-se dizer que o signo só significa na medida em que se opõe a outro signo. Por isso se pode dizer que é essa condição da linguagem que constantemente diferencia e adia os seus componentes que concede significância ao signo. Não há qualquer possibilidade de determinação do sentido de um texto, porque todo o texto está sujeito ao jogo da diferança.
Assim o que se percebe com Derrida é que a palavra contem a possibilidade de se ter um sentido que não é apreendido pela linguagem. Há uma estrutura metafísica por trás de toda realidade. Com isso a visão de sentido não pode ser apreendida numa totalidade de ser. As coisas, segundo Derrida, são enquanto diferenciam e não enquanto são.
Referências
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. Trad. Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Perspectiva 1975.
_____. Margens da filosofia. Trad. Joaquim Torres Costa e Antonio Magalhães. Campins: Papirus, 1972.
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[*] différance: termo cunhado por Derrida a partir da palavra francesa différence (diferença), mantendo a semelhança fônica apesar da diferença gráfica; différance é traduzida aqui por diferança, seguindo a forma proposta pelo tradutor de Margens da Filosofia; outras traduções já propostas foram diferência e diferensa. [N.Ed.]
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A partir desta reflexão, tenho duas hipóteses a respeito da época atual: ou estamos vivendo a era da diferença como fonte de sentido (valorização da diversidade cultural, interdisciplinaridade, tolerância…) ou estamos vivemos uma profunda crise do sentido (dissenso, relativismo, ceticismo…). Em ambas, importa perceber a desconstrução: como potencial ou criativo, ou caótico. Essas duas visões (uma mais otimista, outra pessimista) não excluem a concilição, um realismo: quais possibilidades se abrem e quais limites se impõem para a reflexão e para a vivência do sentido inerentes à contemporaneidade?