Rodrigo Marcos Ferreira
Nicolas Malebranche (1638-1715), inspirado por convicções religiosas e pelo platonismo agostiniano, buscou fundamentar e harmonizar as doutrinas de Descartes, constituindo um sistema filosófico racionalista de feição mística.
Malebranche critica os filósofos que estudam as relações da alma com o corpo sem considerar sua união com Deus. Segundo ele, o enfraquecimento das relações da alma com o Divino foi consequência do pecado original, que fortaleceu a relação alma-corpo, afirmando que o erro é a causa da miséria dos homens.
Assim, afirma ser necessário denunciar os erros e suas causas através de uma análise das percepções da alma, que se realizariam por três modos distintos, a saber: os sentidos, a imaginação e o entendimento.
Malebranche examina e propaga o exame dos erros devidos a cada uma dessas formas de percepções. Portanto, mediante esse critério de exame seria possível encontrar meios para a descoberta da verdade. No caso dos movimentos que se efetuam entre o corpo e a alma, além dos movimentos internos da alma, teriam em Deus sua causa eficiente.
Essas relações, sendo estabelecidas pela razão divina mediante uma ordem eterna e invariável, poderiam ser compreendidas pelo entendimento da mesma forma como se compreendem as leis da ciência. Os seres particulares não seriam propriamente causas eficientes de nada que ocorre, mas apenas ocasiões para o exercício da causa única, Deus, pois causar é criar, e só Deus pode criar.
Na obra A busca da verdade (Livro III), Malebranche considera que somente o pensamento é essencial ao espírito. O homem não pode conhecer todas as modificações (sensações) de que a alma é capaz. Os sentidos e as imaginações são fontes fecundas e inesgotáveis de extravios e ilusões, mas quanto ao espírito agindo com suas próprias determinações, não está sujeito ao erro. Percebe-se então que este espírito “pensante” pode ser considerado como racional.
O que os sentidos e a imaginação trazem como erros vêm da natureza constituída do corpo. Já os erros do entendimento puro somente podem ser descobertos em consideração à natureza do próprio espírito e as idéias no processo de conhecimento dos objetos.
Dando resposta ao que pode ser o conhecimento e alcance da verdade, Malebranche inspira-se em Santo Agostinho: “a alma, que está separada em todas as outras coisas, tem união direta e imediata com Deus e, portanto, conhece todas as coisas através da visão em Deus” (REALE; ANTISERI, História da Filosofia, p.394).
O homem só conhece as idéias porque são visíveis à sua mente, ao passo que os objetos que essas idéias representam permanecem invisíveis ao espírito. Tudo o que o homem vê é só idéia. Segundo Malebranche, em sentido preciso, idéia é um objeto imediato da percepção; assim, a idéia não está na alma, mas bem próxima dela. As idéias particulares participam da idéia de infinito, mas isso não significa que o homem conhece a essência do infinito.
A experiência do que se passa em nossa mente é extremamente limitada em relação à sua infinita capacidade de modificações. Seguidor de Descartes, Malebranche reafirma: “não se tem idéia clara e distinta da alma”. Ela tem o poder de perceber nas coisas duas espécies: algo nela própria e algo fora dela. As que estão contidas na alma são: os próprios pensamentos, todas as diferentes modificações, imaginações, suas puras intelecções e suas inclinações naturais.
Em relação a Deus, o homem busca conhecer as verdades eternas e extensão inteligível. Da alma não se tem conhecimento de sua idéia em Deus, mas somente de um sentimento interior. E pontua Malebranche: “se pensamos Deus, então ele deve existir”. Deus está muito intimamente ligado às almas dos homens por sua presença, Ele é o lugar dos espíritos, assim como os espaços são os lugares dos corpos.
Deus jamais faz por vias muito difíceis o que pode ser feito por vias simples e fáceis, pois não faz nada inutilmente e sem razão. O que dá ênfase à sua sabedoria e capacidade não é fazer pequenas coisas por grandes meios, isso seria contra a razão. Mas, é fazer grandes coisas por meios muito simples. Sendo assim, somente com a extensão Ele produz tudo o que vemos. No entendimento malebranchiano, Deus vê, portanto, dentro de si mesmo todos os seres. Ele conhece perfeitamente e vê em si mesmo não somente a essência das coisas, mas também a existência delas.
Assim, o filósofo em destaque constrói um sistema acentuadamente teocêntrico, sustentado por fortes motivações de caráter metafísico e religioso.
A Filosofia de Malebranche motiva seus leitores a perceber, sentir, analisar algo de nosso alcance, usar a razão. Perceber pelas sensações e de maneira possível tudo o que nos rodeia. Deixar que o pensamento racional guie nossos desejos e espírito. O homem sábio e bom filósofo é aquele que reconhece que é finito, tem consciência de que nem tudo pode conhecer, mas que tem capacidade de buscar o caminho seguro, controlado, guiado e necessitado de uma força que o transcende: Deus.
Referências
REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia, vol. II. São Paulo: Paulus, 2003.
MALEBRANCHE, Nicolas. A busca da verdade. Trad. Plínio J. Smith. São Paulo: Discurso Editorial, 2004.