Gilmar Lopes da Silva
Blaise Pascal (1623-1662) expõe, em sua obra Pensamentos, o paradigma da experiência do homem moderno. O homem tem diante de si a ordem eterna da natureza, pela qual contempla os dois abismos do infinitamente grande e do infinitamente pequeno: da grandeza do universo à miséria humana. Dentro da visão pascaliana, a condição humana está marcada por uma miséria ontológica. “No fundo, o que é o homem na natureza? É nada em relação ao infinito, é tudo em relação ao nada, algo de intermediário entre o nada e o tudo” (REALE, p.180). Para Blaise Pascal, essa é a nossa verdadeira condição, que nos torna incapazes de saber com certeza e ignorar o absoluto.
A condição do homem é de um ser instável e incerto, “não é anjo nem fera” (ibidem). Ao mesmo tempo, equilibra essa condição ao dizer que suas misérias provam sua grandeza: “são misérias de um grande senhor, misérias de um rei destronado” (ib.). Uma árvore não sabe que é miserável, mas o homem sim sabe que é miserável. O homem é feito para pensar, nisso reside toda sua dignidade e sua função. Para Pascal, o homem é o objeto sobre o qual a filosofia deve refletir, e essa reflexão leva à consideração do engrandecimento pelo pensamento. A grandeza do homem se reflete em seu próprio pensar na finitude e em reconhecer sua condição de miséria. A grandeza e a miséria do homem estão solidamente interligadas. O homem não deve se julgar um animal, mas também não deve presumir que é um anjo. Pois, “se ele vangloria, eu o rebaixo; se ele se rebaixa, eu o glorifico; eu o contradigo, até que compreenda que é um monstro incompreensível” (ib.).
No entanto, nem sempre o homem quer assumir sua condição de miserável. Isso faz com que busque o divertimento, tentando fugir de si mesmo e de pensar na sua finitude. O fato de que o homem é criatura constitutivamente miserável, o faz desviar visivelmente, pois caiu de seu verdadeiro lugar sem poder agora reencontrá-lo. “As misérias da vida humana estão na base de tudo isso; tão logo os homens se aperceberam disso, optaram pela diversão; eles, não conseguindo vencer a morte, a miséria e a ignorância, decidiram não pensar nelas para se tornarem felizes” (ib.). O divertimento é a fuga diante da lúcida e consciente miséria humana. É a perturbação. “A única coisa que nos consola de nossas misérias é a diversão. Essa é a maior de nossas misérias. E ela que nos impede de pensar em nós e nos leva à perdição. Mas sem ela ficaríamos tediosos nos impeliria a procurar um meio mais sólido para sair disso. A diversão nos distrai, fazendo-nos chegar à morte” (ib., p.181). Ela é fuga de nós mesmos. Fuga de nossas misérias. A recreação é a maior de nossas misérias, a qual nos impede de olharmos para dentro de nós mesmos e de tomarmos consciência do nosso estado de perturbação ou perdição. Isso faz com que nos fugimos de nós mesmos e deixamos nos distrair sem uma base sólida pra própria vida. Tornando-se assim uma alternativa não digna do homem.
A vaidade está arraigada no seu coração, pois ele está sempre em busca de glórias e elogios. Esse é o realismo trágico de Pascal. A vaidade está no coração do homem: um soldado, um servente, um cozinheiro ou um varredor se vangloriam e anseiam por admiradores; os próprios filósofos também o querem; e aqueles que escrevem contra a glória querem ter glória de ter escrito bem; e aqueles que os lêem querem ter glória de tê-las lidos. Não só a vaidade, mas também o orgulho. “Em meios as nossas misérias, erros etc., o orgulho toma conta de nós naturalmente” (ib.). Quando o homem se lança na confusão e se deixa perturbar, ele estará renunciando precisamente á sua dignidade, além de renunciar àquelas verdades as quais o pensamento pode levar.
Esse é o realismo trágico de Pascal. O homem de fato é um caniço pensante para Pascal; ele compara o homem a uma cana, a mais fraca da natureza, só que ela é uma cana que pensa e reflete. Não é necessário usar de grandiosas coisas para atingi-lo, apenas uma gota d’água é o suficiente para matá-lo. Mesmo assim ainda ele é nobre, porque ele sabe que morre e que existem outras coisas no universo superior a ele. O homem é um ser instável não totalmente bom, mas também não é totalmente mal. Podemos perceber que o homem é como o rei que, sem trono, deixa de ser rei. Diante disso, Pascal construirá sua apologia ao cristianismo. O homem é plasmado de grandeza e miséria e, sozinho, com suas próprias forças, só consegue compreender que é um monstro enigmático; sozinho, não conseguirá criar valores validos nem encontrar um sentido estável e verdadeiro da existência. O homem não se realiza plenamente devido ao pecado original ou sua decaída, portanto Cristo é a chave para compreender e redimir o ser humano.
A grandeza e a miséria humana apresentadas por Pascal nos levam a suscitar indagações: de que forma percebemos hoje essa “miséria” e essa “grandeza” em nós? A humanidade diante de tantos sofrimentos e corrupções, nascidos dela mesma, já está num estágio de insensibilidade ao outro e frente àquilo que cada vez mais a oprime. O homem, hoje, mais do que nunca, busca o divertimento. Não somente como fuga, mas como um prazer, meio pelo qual procura não assumir sua condição de ser finito. Todo homem está à procura da felicidade, porém essa vem sendo buscada de maneira egoísta e envaidecida. Contudo, na via pascaliana, a grandeza deve cada vez mais associar-se à miséria humana pela reflexão.
Referências
PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores)
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: vol.5, De Spinoza a Kant. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005.
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Gilmar,
o seu artigo conseguiu sintetizar as idéias principais da antropologia de Blaise Pascal. Este texto reflete a crescente maturidade intelectual que você vem adquirindo nos últimos anos.
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Obrigado Pe.Edmar! Fico muito feliz em saber disto, uma vez que venho por meio de muitos esforços tentando aperfeiçoar-me cada vez mais. A antropologia é uma matéria que encanta quem realmente se indentifica como humano e tem esse contato com ela. Que bom que meu orientador de Tcc gostou do meu trabalho.
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Gilmar,
por mais que não tenho conhecimento de estudos antropológos deu para entender o objetivo de falar sobre o ser humano em si, onde você destaca que Deus dá as escolha ao ser que ele criou,e só ele pode dar sentido a sua própria vida,ou seja ,nós escolhemos se somos “miseráveis” ou não. Ficou alegre por saber que você utiliza seus estudos para tentar mostra aos outros que a nossa liberdade da “miséria” da vida só depende de nós.
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Obrigado Giovane. Pascal por ser um filósofo que defende o cristianismo, ele possui um pensamento que
muitas vezes nos leva a pensar como é que diante da tamanha miséria humana, ainda pensamos e achamos que somos melhores do que as outras pessoas.Uma vez que ele mesmo ressalta em seus escritos que: “que o homem só é grande porque reconhece sua miséria”. Ele sabe que é miséravél. Você uma obeservação muito importante em relação a liberdade.
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parabens pelo seu texto , eu estou escrevendo sobre pascal e fiquei feliz ao mim depar com um artito de tamnha grandeza. o meu TCC tem como tema A CONDIACAO DA MISERIA HUMANA NA VISÃO DE PASCAL.
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Ola, belissima exposição, estou tambem fazendo tcc em pascal.
mande-me ajuda agradeço.
TEMA: A CONDIÇÃO DA MISERIA HUMANA EM BLAISE PASCAL
conesidiu com o tema acima….
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Meu caro, parabéns pela escrita. Estou começando a estudar Pascal para meu tcc.. Estava um em duvida ainda se me aprofundaria no assunto. Essa exposição me ajudou a ter uma ideia mais compreensivel do assunto.
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Que bom Wesley faço votos que você navegue mesmo nos pensamentos de Pascal e perceba que ele ultrapassa os filósofos de sua época e coloca em cheque a atualidade e toda as virtudes para se ter uma reflexão clara e profunda do ser humano. Espero que você goste ainda mais de Pascal e faça tranquilamente seu trabalho. Felicidades e boa sorte. E muito obrigado pela visita!
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Gilmar
Poderia deixar mais claro de que forma a Pascal vê o processo de conversão do homem à Deus, isto é, como ele sai deste estado de miséria e alcança a graça divina? E supondo que há tal processo no pensamento pascaliano, ele teria alguma relação com o pensamento de santo Agostinho?
desde já agradeço