Walter Vieira Junior
No dia 25 de junho de 1984, morria, aos 57 anos, o professor francês Michel Foucault. Com essa frase iniciamos esta conversa, mas antes permitam-nos apresentar Foucault. Nasceu em Poitiers no dia 15 de outubro de 1926 e veio a falecer em Lyon. Foi filósofo, professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France de 1970 a 1984. Personalidade forte, porém sem perder sua articularidade, foi e é sinal de reflexão. Dizia-se não ser estruturalista como nos apresenta Giovanni Reale. Suas idéias notáveis envolvem o biopoder e a sociedade disciplinar, sendo seu pensamento influenciado por Nietzsche, Heidegger, Althusser e Canguilhem.
Tenhamos em nossas mentes a imagem de uma atitude concreta desse pensador, ele primeiramente quis ser o que foi. Sem máscara ele foi voz e silêncio, paradoxo e simplicidade, uma mistura certa de explosão e mansidão.
Dessa forma, falar de Foucault é expressar através de um breve artigo alguns de seus verbetes reflexivos, suas aspirações e fazer lembrança de alguém que se vez voz no meio do barulho evolutivo da humanidade.
Foucault, o filósofo da loucura, tema esse apresentado na maioria de suas obras, deixa claro que tal loucura não é uma loucura desvairada, perturbadora no sentido alienante, de um hospício, mas sim uma loucura que gera exclusão, separação, medo do enfrentamento. Uma loucura baseada na apoderação desenfreada do próprio poder ser. No limiar de uma nova consciência, vemos que seu pensamento surge no contexto de uma revolução cultural e que se atribuiu valores que até então não se eram considerados atributos.
Mas o que diria Foucault se apresentássemos a ele a influência globalizante de uma economia que onde passa deixa um rastro de pobreza e exclusão, que faz a divisão social ser tão gritante ao ponto de uma classe “X” (entenda-se aqui país) se achar o meio termo de qualquer questão que até o tribunal de Aia tem que apoiar? Mas certo responderia que o discurso usado não é o mesmo que se pensa em fazer, ou seja, falamos o que é de nosso agrado e que se necessário, para manter tal discurso, fazemos regras próprias para que ninguém roube o que é nosso.
Discursamos sobre o que sabemos. Infelizmente, não sabemos muito, por isso somos vagos, limitados e na maioria das vezes somos apenas meros repetidores dos anseios e desejos de uma maioria calada. Na sua aula inaugural em 1970 no Collége de France, Foucault diz:
Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. (A ordem do Discurso, p.9)
O que realmente impressiona nas colocações de Foucault é a sua maneira clara e direta de chegar a certas posições, ele ainda falaria de duas regiões a saber: a sexualidade e a política, duas regiões que ele vai relatar em suas obras, duas ações concretas e constantes e que naquele momento se via borbulhar como num caldeirão fervendo. Ambas vivem dentro do discurso que por sua vez será o gerador do poder.
O discurso agora não era o fim de um diálogo, mas sim um meio de chegar ao poder. “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos apoderar” (ibidem, p.10). Depois desse pensamento, surge uma interrogação. Como o discurso é visto no campo relacional, já que é o ato de se comunicar que nos permite a sociabilização?
Não há outra saída para as crises mundiais se o discurso não for menos ditatorial, e mais participativo. Porém, não há como isso acontecer se o sujeito não se tornar o seu próprio objeto, ou seja, o sujeito ser objeto de si mesmo. Tal estudo Foucault empreendeu como forma de fundamentar aquilo que ele vai afirmar como sendo o jogo da verdade.
Na ação concreta do hoje que se descortina num emaranhado obscuro dos buracos negros do ser, Foucault foi sem dúvida um lançar-se no mais audaz da relação do eu com o em si, essa particularidade cercada de uma forte busca pela relação (como acima apresentado) do poder que faz querer apoderar-se de algo que se imagina verdade.
A idéia de exclusão social implica a idéia de reclusão. Estes termos se encontram e se movem sob o toque invisível do Poder, cujo fetiche e encanto estavam em saber se esconder e transmutar as existências, quando se manifestava na prática totalitária do espaço político. (PEREIRA, A analítica do poder em Michel Foucault, p.25)
Ora, isso nos remete a uma outra questão, a do “verdadeiro no discurso”, ou seja, a idéia que muitos têm de rotular uma coisa como verdadeira e que somente sendo participante dessa regulamentação imposta por alguns, que por sua vez se intitulam sabedores, e que para nós não passam de conceituadores que ditam formulações.
O fato é que como nos apresenta Foucault em A ordem do discurso (p.35), só nos encontraremos no “verdadeiro” se obedecermos “às regras de uma “polícia” discursiva”. Ele vai dizer que muitos só entram no “verdadeiro” depois que o “verdadeiro” (aqui entenda os que fazem o verdadeiro ser “verdadeiro” e não o conceito de verdade) tiverem uma mudança nas suas escalas ou uma transformação de suas mentalidades, para que assim se possa aceitar algo como “verdadeiro”.
O fato marcante desse aspecto é que muitos iriam chamar de “jogos de verdade”, isto é, não uma descoberta dos vários objetos que se dizem verdadeiros, mas sim as regras segundo as quais o que é verdadeiro realmente o é. Podemos compreender também como o fato de um sujeito poder dizer acerca de certas coisas que o prendem ao verdadeiro e ao falso.
O pensamento não corresponde a uma aquisição de verdades genuínas, mas sim um confronto de realidades que se misturam ao longo historiográfico relacional da humanidade. E que de certo ponto constituem a mola propulsora do lançar-se humano na descobertas de novos paradigmas.
A verdade como também a falsidade são pólos do que compreendemos ser a relação chave no que Foucault denomina arqueologia do saber.
Um outro aspecto na relação: discurso-poder-sociedade se dá na educação. A quem interessa a formação de um povo? O governo (elite) que manipula ou o povo simples? “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo” (ibidem, p.44).
Há um discurso ideológico que diz: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Logicamente, sabemos da limitação de nossas instituições como suas carências, e suas fraquezas, mas como diria Foucault:
o que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes? (ibidem, p.44)
Para Foucault, o pensamento ocidental acabou deixando o discurso ocupar o menor lugar possível entre os pensamentos e a palavra, fazendo com que o discurso se torne apenas um aporte entre pensar e falar.
Dentro desse aspecto educacional, Foucault, em outra obra chamada Em defesa da sociedade (p.14), apresenta inicialmente sua “arma” contra “os efeitos do poder próprios de um discurso considerado científico”, ou seja,
trata-se da insurreição dos saberes. Não tanto contra os conteúdos, os métodos ou os conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição sobretudo e acima de tudo contra os efeitos centralizadores de poder que são vinculados à instituição e ao funcionamento de m discurso científico organizado no interior de uma sociedade como a nossa.
Essa arma chamada genealogia é em suma considerada um dos pilares do pensamento deixado por Foucault, juntamente com a questão da arqueologia do saber.
Mais ainda Foucault apresenta na obra A ordem do Discurso uma comparação quase sutil da terminologia do logos, dividindo-a em: logofilia e logofobia. Essas duas correntes que emanam do logos representam que o hodierno mundo do discurso ainda se vê apresentado nessa dualidade. Enquanto uns se aproximam do discurso como amigo que deseja criar uma intimidade, “veneração do discurso”, o outro discurso repele o sujeito devido ao seu austero terreno seco e inativo. O que Foucault apresenta como:
uma espécie de temor surdo desses acontecimentos, dessa massa de coisas ditas, do surgi de todos esses enunciados, de tudo o que possa haver aí de violento, de descontínuo, de combativo, de desordem, também, e de perigoso, desse grande zumbido incessante e desordenado do discurso. (A ordem do discurso, p.50)
O que faz com que Foucault opte por três decisões às quais o pensamento resista um pouco, e que corresponderia aos três grupos de funções. A de questionar nossa vontade de verdade; restituir ao discurso seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a soberania do significante.
Tais decisões seriam o plano de fundo das pesquisas que Foucault teria como motivação para os anos seguintes na frente da Cátedra de professor de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France.
Se ele conseguiu ou não perpetuar tais decisões não será aqui a nossa preocupação, poderá nos servir de futuras motivações, para outros artigos. Mas algo de certo fica em nossas mentes, como uma indagação reflexiva e infelizmente silenciada pela morte. O que Foucault poderia oferecer a nós, através de suas reflexões, sobre a multiplicidade dos aspectos relacionais existentes da velocidade informacional dos noticiários aos sites multirrelacionais que servem de exemplo de globalização, porém acaba criando uma certa fobia ao contato direto do toque?
Não há como concluir o que o silêncio silenciou se não silenciar. Uma voz que poderia fazer muito barulho foi calada, porém ressoa como um velho eco nas mentes e nos que procuram através da arqueologia do saber e da genealogia do poder, descobrir o que a história ainda não revelou.
Referências
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. Trad. Laura F. de Almeida Sampaio. Loyola. São Paulo, 1996.
_____. Microfísica do Poder. Org. e trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
_____. Em defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
PEREIRA, Antônio. A analítica do poder em Michel de Foucault: Arqueologia da loucura, da reclusão e do saber médico na Idade Clássica. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: v.7, De Freud à atualidade. 2ªed. São Paulo: Paulus, 2008.
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Cada vez que leio seus comentários gosto mais.È uma fonte de sabedoria.
Grande abraço!Ester.
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Muito bom trabalho. Parabéns!
Só fica a reflexão. Talvez você possa ajudar…qual a verdadeira Ordem do Discurso? Existe Ordem? Nossa vontade de verdade; restituir ao discurso seu caráter de acontecimento; suspender e a soberania do significante, garantiriam esta ordem?
Abraços