José Márcio Carlos
Philipe Fernandes Nogueira
Introdução
Quando se pensa em filosofia contemporânea, alguns autores já ficam evidenciados pelo brilhantismo dos seus pensamentos. E um destes autores que fazem parte deste seleto grupo é Friedrich Nietzsche, um dos mais importantes expoentes da reflexão filosófica contemporânea. Ele é um pensador que aborda diversos temas polêmicos e intrigantes, que deixaram o seu legado para a posteridade.
Dentre estes temas abordados por Nietzsche, a “vontade de potência” será o objeto de pesquisa deste artigo. Tendo em vista a amplitude e complexidade deste tema, buscar-se-á refleti-lo especificamente dentro da perspectiva da vida.
Utilizar-se-á como obras principais para a confecção deste artigo duas das mais importantes obras de Nietzsche: “Assim falava Zaratustra” e “Vontade de Potência”. Num primeiro momento apontar-se-á uma visão geral do termo “vontade de potência”, sob o olhar do autor. Posteriormente, a abordagem recairá sobre o aspecto específico proposto deste tema: a vida.
1. O que é vontade de potência?
Ao se deparar com o termo “vontade de potência” logo vem à mente a definição dada pelo senso comum de que ela não é, senão, a vontade de dominar inerente a todo ser humano. Entretanto, a abrangência deste conceito nietzcheano vai muito além desta compreensão reducionista. A definição da “vontade de potência” abarca outras significações que aqui serão apresentadas sucintamente.
1.1 O termo “vontade de potência” na obra “Assim falava Zaratustra”
Nietzsche em uma de suas obras mais conhecidas “Assim falou Zaratustra”, trabalha alguns aspectos da “vontade de potência”. No capítulo intitulado “Da superação de si” é aonde discorre mais especificamente sobre este tema. Neste texto ele apresenta uma crítica que consiste em explicitar a “vontade de potência” que está por de trás da vontade de verdade a da vontade moral, características dos mais sábios.
A “vontade de potência” é aqui caracterizada como vontade de tornar pensável todo o existente, tudo o que é. O filósofo alemão busca submeter, dobrar o mundo a “vontade de potência” do homem, de adequar a vida ao pensamento humano (MACHADO, p.100). Isso se constata quando Nietzsche afirma que “(…) tudo o que existe deve também se adaptar e se curvar. Assim o quer vossa vontade. Que tudo o que existe se humilhe e se submeta ao espírito como seu espelho e sua imagem” (AFZ: 106).
A idéia mais importante ressaltada por Nietzsche neste capítulo é a conceituação de vida como “vontade de potência” no sentido de auto-superação. Ela é, neste ponto, o princípio pelo qual a vida se projeta para além de si mesma, pelo qual ela se auto-supera (MACHADO, 2001: 101).
Nietzsche também destaca em “Assim falou Zaratustra” que as aspirações de valor em termos de bem e de mal são expressões da “vontade de potência”. E estas duas expressões só podem ser esclarecidas a partir dela. Para ele não se pode afirmar que bem e mal existem, pois são apenas exercícios da “vontade de potência”. Diz ele:
Em verdade vos digo, bem e mal imperecíveis não existem. (…) Com vossos valores e vossas palavras de bem e mal, vós, apreciadores de valor exerceis violência. E aí está vosso amor secreto e o resplendor, o tremor e a superabundância de vossas almas. (AFZ: 108)
1.2 O termo “vontade de potência” na obra “Vontade de Potência”
No entanto, é na obra intitulada “Vontade de Potência” que Nietzsche se empenha detalhadamente em discorrer sobre este tema. De acordo com o pensamento do próprio autor “a vontade de potência não é um ser, não é um devir, mas um pathos – ela é o fato elementar de onde resulta um devir e uma ação…” (VP: 242).
A “vontade de potência” no sentido nietzcheano deve ser entendida como o esforço de triunfar sobre o nada, no intuito de vencer a fatalidade e o aniquilamento: é a busca da superação da catástrofe, da morte. É a vontade do sempre “mais”, da luta para alcançar o “possível” e ir além daquilo que é atual. Não é somente a luta para se preservar no ser, um simples instinto de conservação, mas é uma vontade de “ultrapassar”, de ir sempre mais adiante. Num nível superior a “vontade de potência” torna-se generosidade, vontade de ser e de consciência, vontade da existência de si mesmo.
Este termo é, na concepção de Nietzsche, um símbolo no sentido da nomeação de uma vivência espontânea diante do devir da vida, que é um constante vir a ser. A “vontade de potência” é determinada como o mais forte de todos os instintos que dirige a evolução orgânica. O filósofo alemão reduz todas as funções orgânicas fundamentais à “vontade de potência”, símbolo de um impulso de vida para alcançar sempre “mais”. Dizia Nietzsche: “Se se aceitar a concepção mecanicista do mundo, a ‘vontade de potência’ pode também ser aceita como o móvel do inorgânico” (VP: 64).
Vale também destacar que Nietzsche não aceitava a vontade como objetivação. A expressão “vontade de potência” é puramente simbólica. O que ele quer afirmar, para uma concepção correta do mundo, é que no todo há uma luta entre dois impulsos: um de mais e outro de menos. Aquele denominado impulso de mais é um impulso de vida, de potência. Em contrapartida, há o impulso de menos. E este é um impulso de morte, de passividade, de degeneração, de aniquilamento. Esta é a concepção trágico-dialética (VP: 64). É a luta do ser contra o não-ser. Em resumo, a “vontade de potência” não é um absurdo, nem uma incongruência frente à natureza.
A “vontade de potência” é igualmente o destino de se buscar a contradição. O que é feio quer tornar-se belo, ou ainda, o escravo deseja tornar-se senhor. Recorrendo-se às palavras de Nietzsche, na obra “Assim falava Zaratustra”, ele confirma esta questão dizendo:
Se o mais fraco serve ao mais forte, é que a isso é persuadido por sua vontade que quer dominar sobre alguém mais fraco ainda. E essa é única alegria de que não se quer privar. (…) onde há sacrifício e serviço e olhares de amor, há igualmente vontade de ser senhor. Por caminhos secretos desliza o mais fraco até a fortaleza e até mesmo ao coração do mais poderoso, para roubar o poder. (AFZ: 107)
Este termo de Nietzsche é o nome humano dado ao acontecer universal, como movimento. Esse nome justifica e dá vivência ao dinamismo presente no ser humano (VP: 64).
Na luta do ser contra o não-ser, a “vontade de potência” é a força em movimento. E o potente inclui poder, vigor, força, poderio e autoridade. A “vontade de potência” trata-se da atitude psíquica de uma alma que é forte e quer alimentar a sua força, sua potência, e que não se cansa de dar provas de sua coragem, que dominando a si mesma pensa cumprir o dever que lhe fora estabelecido.
Ele buscou tratar o tema da “vontade de potência” sob diversos aspectos. Entretanto, analisar-se-á um destes aspectos que é o tema da “Vontade de potência como vida”.
2. “Vontade de potência como vida”
2.1. A vida como fator essencial da “vontade de potência”
Dentro das várias perspectivas da “vontade de potência”, Nietzsche também a define como vida. Já na obra “Assim falava Zaratustra”, ele dizia: “(…) Só onde há vida há vontade. Não vontade de viver, mas, como eu ensino, vontade de poder (…)” (AFZ: 108). Esta perspectiva da “vontade de potência” deve ser, assim, compreendida como “vontade de durar, de crescer, de vencer, de entender e intensificar a vida” (VP: 63).
2.2. Os fatores predeterminantes da “vontade de potência como vida”
A “vontade de potência como vida” não se trata de uma vontade de viver, pois a vida é apenas um caso particular desta vontade. Segundo a definição que Nicola Abbagnano apresenta em seu “Dicionário da Filosofia”, a “vontade de potência”, no sentido empregado por Nietzsche, define-se como:
um impulso fundamental que nada tem de causação racional: ‘A vida, como caso particular, aspira ao máximo sentimento de potência possível. Aspirar a outra coisa não é senão aspirar à potência. Essa vontade é sempre o que há de mais íntimo e profundo (…)’. (ABBAGNANO, 2000: 1009-10)
Isso se confirma, principalmente, quando Nietzsche diz no Zaratustra: “(…) Há muitas coisas que o vivo aprecia mais que a própria vida. Mas na própria apreciação fala a vontade de poder (…)” (AFZ: 108).
Na verdade, a “vontade de potência” é vista como um movimento de auto-superação da própria vida e sua dinâmica corriqueira. Ela é, assim, a tendência de subir, a vitória sobre si mesma, o domínio de si mesmo ou o esforço de sempre alcançar mais potência (MACHADO, 2001: 101). Nietzsche atesta esta busca quando diz: “(…) Um pequeno obstáculo é suplantado, mas imediatamente segue-se outro que também é suplantado – esse jogo de resistências e vitórias estima ao máximo o sentimento geral de potência (…)” (VP: 248).
Nietzsche também acredita que a “vontade de potência” é uma expressão que possibilita concretizar em palavras um impulso vital, que parte do interior para o exterior. Neste sentido denota-se extravasão, aumento, dilatação (VP: 64). Percebe que o homem quer sempre algo mais, ou seja, o humilde quer ser estimado, o fraco quer ser forte. Resumindo numa palavra: é o querer, o qual equivale a querer tornar-se mais forte, querer crescer.
Sendo assim, nota-se que a vida vai ganhando mais dinamismo. Deve-se compreender que ela não é estática, mas tem o potencial de sempre “ir além”. Contudo não é um “ir além” que tem um fim, mas que sempre está em movimento, visto que esta é uma das funções da “vontade potência”, isto é, pôr tudo em movimento.
Dessa forma, nota-se que Nietzsche tem razão quando diz que todas as funções sadias do ser humano têm a necessidade de um crescimento dos sentimentos de potência: “(…) os ricos e os vivos querem a vitória, os adversários suplantados, o transbordar do sentimento de potência sobre domínios novos (…)” (VP: 247).
Um outro aspecto importante e expressivo da “vontade de potência como vida” é a sua insaciabilidade. Para Nietzsche o homem possui um insaciável desejo de mostrar potência. E a “vontade de potência” é justamente o que caracteriza este desejo. Ela é o impulso interior da força que gera o movimento.
Não é a satisfação da vontade que é a causa do prazer (- quero combater particularmente essa doutrina superficialíssima, – absurda moeda falsa psicológica das coisas próximas -), mas o fato de que a vontade quer ir avante e quer ainda assenhorear-se do que encontra em seu caminho. O sentimento de prazer reside precisamente na não-satisfação da vontade, na incapacidade da vontade em se satisfazer quando sem adversário e sem resistência .(VP: 250)
Contudo, todos os aspectos que se encontram em volta da vontade de potência como, por exemplo, o prazer de uma conquista, devem transparecer a sua presença incessante e atuante. O prazer não deve ser uma espécie de fim para ela, visto que só tem um fim, no sentido de finalidade, aquilo que é saciável e que não compreende a dinâmica dela.
O objetivo geral, então, da “vontade de potência” é continuar a “tecer a tela da vida”, de maneira que o “fio” se torne cada vez mais potente. E isso só é possível dentro de um movimento de constante busca de mais potência.
Conclusão
Ao final deste artigo, o que se pôde perceber é que a “vontade de potência” é uma característica inerente a todo ser humano. Todos possuem o desejo de alcançar sempre mais potência e ir “além” do que é dado por sua natureza, isto é, todos tendem a “transcender” seus próprios limites.
A “vontade de potência” tende a impulsionar o homem a ser criativo. Leva-o a não se contentar com o que já foi alcançado, mas a ir sempre em direção ao novo. Este novo interpela-o a estar sempre em movimento, a caminho do objetivo a ser alcançado. Contudo, cada conquista do homem deve projetá-lo a novas buscas.
Sendo assim, nota-se que “vontade de potência” é uma força que justifica e dá vivência ao dinamismo presente no ser humano. Dinamismo este que o leva a realizar suas ações.
Referências
ABBAGNANO, N. Dicionário da Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MACHADO, R.. Zaratustra: tragédia nietzschiana. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. v. 3. Trad. Benôni Lemos. 3.ed. São Paulo: Paulinas, 1983.
NIETZSCHE, F. W. Assim falava Zaratustra. Trad. Ciro Mioranza. 2. ed. São Paulo: Escala, [s.d]. *AFZ
_____. Vontade de Potência. Trad. Mário D. Ferreira Santos. Rio de Janeiro: Ediouro. [s.d.]. *VP