Philipe Fernandes Nogueira
Ao se pensar filosofia contemporânea, alguns autores ficam evidenciados por causa da grandeza de seus pensamentos. Dentre estes, destaca-se Friedrich Wilhelm Nietzsche, um dos mais importantes e conhecidos expoentes da reflexão filosófica contemporânea. Este pensador, geralmente, é conhecido pelo senso comum por tratar em suas obras de temas intrigantes e polêmicos que geram grandes discussões nos grupos que debatem filosofia.
A polemicidade do pensamento de Nietzsche ocorre principalmente porque este autor vai na contramão dos pilares do pensamento ocidental ao expor suas idéias. Ele acentua a dimensão “irracional” do ser humano (na abordagem do apolíneo e dionisíaco, dando destaque ao segundo), constata a morte de Deus e depara-se com o niilismo. E é justamente este último que se buscará aprofundar neste artigo acadêmico.
Ao longo da História da Filosofia alguns autores já abordaram o tema do niilismo em seus escritos. No entanto, a abordagem desta temática nem sempre é tão simples quanto a princípio pode parecer. Na reflexão sobre o niilismo uma das dificuldades que se encontra são os mais diversos significados que são dados a este termo e que às vezes afastam-se do que ele significa realmente.
Em Nietzsche, o niilismo tem sua gênese com a constatação da morte de Deus. Esta se comprova no seguinte fragmento da obra Gaia Ciência (fragmento 125, p.147-148):
Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – Gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! (…) Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodressem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob nossos punhais – quem nos limpará este sangue?”
A partir do momento que se “tira Deus de cena”, os valores que eram prezados pela civilização ocidental perdem o seu sentido, tornando-se ultrapassados. Como conseqüência disto o homem contemporâneo vê-se diante do mais sinistro de todos os hóspedes: o niilismo, que gera a ausência de sentido para a vida.
O mal dos próximos dois séculos. É assim que Nietzsche vê o niilismo em sua obra Frammenti postumi, como se relata na seguinte passagem:
Descrevo aquilo que virá: o advento do niilismo. Posso descrevê-lo agora porque agora se produz algo necessário – e os sinais desse estão em toda a parte, para vê-los faltam apenas os olhos. Aqui não comemoro nem lamento que isso aconteça: acredito que, mesmo na maior crise, deve haver um momento em que o homem se volta para si mesmo de uma forma mais profunda; que o homem consiga restabelecer-se depois, que consiga sair dessas crises, é uma questão de força: é possível… (…) O que estou relatando é a história dos dois próximos séculos. (apud GOMES, Uma leitura do niilismo nietzschiano…, p.155)
Afirmando o niilismo, Nietzsche está constatando uma realidade que se fazia presente na Europa na época em que ele vivia. Esse “hóspede sinistro” é resultado de um processo histórico-cultural do Ocidente iniciado com Platão, fruto da dicotomia entre mundo sensível (transitório e aparente) e mundo supra-sensível (verdadeiro e almejado). O primeiro é venerado e o segundo, onde ocorre a existência humana, é deixado de lado (ib., p. 156). A respeito disto, diz Roberto Machado: “Se a religião judaico-cristã e a metafísica socrático-platônica são por natureza niilistas é porque julgam e desvalorizam a vida temporal a partir do mundo supra-sensível e eterno considerado bom e verdadeiro” (MACHADO, Deus, Homem, Super homem, p.24).
Para o filósofo alemão, inventar um outro mundo como fez o platonismo – mundo do bem e da verdade – é caluniar a vida. Por isso o seu intuito é superar o niilismo iniciado com o platonismo. Do contrário, caso não consiga desvencilhar-se da dicotomia mundo supra-sensível e mundo sensível preconizado por Platão, que influenciou a cultura ocidental, o mundo será sem valor e sentido.
O niilismo acarretaria, na visão nietzschiana, sérias consequências para a sociedade. A mais grave delas seria a extrema forma do niilismo: o nada (o “sem sentido”) eterno! Com a presença deste mal haveria uma carência de ideais, a perda de valores outrora considerados supremos e por fim uma ausência de Deus como lugar dos valores mais elevados. Diz Nietzsche (Sobre o Niilismo e o Eterno Retorno, p. 380):
A conseqüência niilista (a crença na ausência de valor) como decorrência da estimativa moral de valor: perdemos o gosto pelo egoístico (mesmo depois da compreensão da impossibilidade de um liberum arbitrium e de uma “liberdade inteligível”). Vemos que não alcançamos a esfera em que pusemos nossos valores – com isso a outra esfera – em que vivemos, de nenhum modo ainda ganhou em valor: ao contrário, estamos cansados porque perdemos o estímulo principal. “Foi em vão até agora!”
Tudo isso levaria o homem a deparar-se com a sensação de vazio, sem que ele encontre uma finalidade para sua existência.
Nietzsche também aponta em suas obras o niilismo como “estado psicológico” sob três formas. Um primeiro tipo ocorre quando se procura em algo um sentido que não existe neste algo. Desta feita, o que ocorre é um desperdício de força, um sentimento de sentir-se enganado, pois de certa forma houve um desperdício de tempo. Há uma busca de algo que deve ser alcançado, mas não o é.
Uma outra forma de niilismo apresentada por ele como estado psicológico pode ser constatada quando “se tiver colocado uma totalidade, uma sistematização, ou mesmo uma organização em todo acontecer e debaixo de todo acontecer” (ib., p. 38o). O autor alemão completa:
“O bem do universal exige o abandono do indivíduo” …mas, vede, não há um tal universal! No fundo, o homem perdeu a crença em seu valor, quando através dele não atua um todo infinitamente valioso: isto é, ele concebeu um tal todo, para poder acreditar em seu valor. (ib., p. 380-1)
A terceira e última forma de niilismo como estado psicológico apresentada por Nietzsche é a seguinte:
Tão logo, porém, o homem descobre como somente por necessidades psicológicas esse mundo foi montado e como não tem absolutamente nenhum direito a ele, surge a última forma de niilismo, que encerra em si a descrença em um mundo metafísico, que se proíbe a crença em um mundo verdadeiro. Desse ponto de vista admite-se a realidade do vir-a-ser como única realidade, proíbe-se a si toda espécie de via dissimulada que leve a ultramundos e falsas divindades – mas não se suporta esse mundo, que já não se pode negar… (ib., p. 382)
Na tentativa de escapar destes tipos de niilismo, o alemão propõe que se condene o mundo do vir-a-ser como ilusão e que se invente um mundo que esteja para além dele como verdadeiro mundo. No intuito de superar o niilismo, o que Nietzsche propõe é a transvaloração de todos os valores completada pela vontade de potência, seguindo o caminho árduo e solitário da grandeza que leva ao “Além-Homem”. Isto se confirma na passagem da obra Assim Falava Zaratustra (p. 18-19):
Eu vos ensino o Além-Homem. O homem é algo que deve ser superado. (…) Tal deve ser o homem para o Além-Homem: uma irrisão ou uma vergonha. (…) Eis, eu vos ensino o Além-Homem. O Além-Homem é o sentido da terra. Assim fale a vossa vontade: possa o Além-Homem tornar-se o sentido da terra! Exorto-vos ó meus irmãos, a permanecerdes fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperança supraterrestre. (…) Blasfemar contra Deus era outrora a maior das blasfêmias; mas Deus morreu, e com ele mortos são os blasfemadores. Agora o crime mais espantoso é blasfemar da terra, e dar mais valor às entranhas do insondável do que ao sentir da terra.
O Além-Homem, como vê Roberto Machado, é todo aquele que supera as oposições terrestre-além, sensível-espiritual, corpo-alma; é todo aquele que supera a ilusão do mundo do além e se volta para a terra. O Além-Homem é, assim, superação, ultrapassagem do homem do passado e sua crença em Deus. Ele é a superação do homem, um novo modo de sentir, pensar, avaliar, uma nova forma de vida. Em resumo é aquele que tem uma vontade viva (MACHADO, Deus, Homem, Super homem, p.24).
Percebeu-se, portanto, que o tema do niilismo no pensamento nietzschiano veio constatar que com a ausência de Deus, o pensamento é instigado a buscar novos rumos para si mesmo, uma vez que o sentido e o fundamento das coisas, dos objetos do pensar são colocados em descrédito. Consequentemente há um profundo vazio. Contudo, Nietzsche mais a frente irá desenvolver uma temática tendo em vista a superação do niilismo, o qual já foi citado neste trabalho como início do mesmo com a transvaloração de todos os valores e a valorização do Além-Homem. Entretanto, este trabalho se limitou a refletir um dos possíveis caminhos de superação do niilismo, uma vez que os seguintes são conteúdos para outros possíveis artigos.
Referências
GOMES, Eliseu Donizete de Paiva. Uma leitura do niilismo nietzschiano como história do ocidente. Mariana: Instituto de Filosofia São José, 2004. (TCC em Filosofia).
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. Trad. Paulo César de Souza. 2. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2001.
_____. Assim Falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad. Mário Ferreira dos Santos. Petrópolis: Vozes, 2007.
_____. Sobre o Niilismo e o Eterno Retorno. In: Obras Incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores).
MACHADO, Roberto Cabral de Melo. “Deus, Homem, Super homem”. Revista Kriterion 89 – volume 35, Belo Horizonte, 1994, p.21-32.
#
Olá Philipe
fiquei contente em ver sua publicação, desde já parabenizo os organizadores do blog.
Continue se dedicando, escrevendo e transmitindo conhcecimento, escrever e deixar guardado não ajuda ninguém, por isso divulgue além de aumentar seus conhecimentos na pesquisa poderá contribuir com outras pessoas e fazer a diferença na sociedade.
Felicidades futuro Bacharel.
#
oh, parabéns pelo texto, não tem nenhuma heresia não.
fico muito feliz em ver que as reflexões filosóficas têm dado bons frutos!
a dedicação faz com que nos aproximemos cada vez mais da perfeição, mesmo sabendo que jamais a alcançaremos!
avante!!!
abraços filosóficos!
#
Parabéns pelo texto e pela organização do blog.
O tema do niilismo nietzschiano não é dos mais fáceis, principalmente porque não se trata de uma criação sua. Ao contrário, ele é uma realidade existencial profunda, que marca a história do Ocidente. Nietzsche, pensador extemporâneo, com grande “visão” foi capaz de detectar que o “hóspede sinistro” não era fruto da sociedade da sua época, mas apenas consequencia de uma visão deturpada do mundo, que o dividia em duas realidades opostas e excludentes: o mundo sensível e o insensível. Isso criou graves sequelas, entre elas aquele, que segundo Nietzsche seria o pior dos males. Diante deste terrível quadro, ele nos aponta uma saída: só uma geração livre, forte e amante da vida, poderá superar o niilismo. Forte abraço, continue filosofando e amando a vida. Fiquei mto honrado em vc ter citado o meu trabalho monográfico sobre o tema em questão.
#
Vcs filosofos são todos doidos sem ideia. mais doido ainda e quem estuda a filosofia.
#
Oi, boa noite.
Li seu texto; que por vez é um belo trabalho, estou escrevendo um trabalho sobre um assunto relativo ao abordado no seu trabalho. Permitiria-me usar alguns trechos trechos para completar meu trabalho? Logo, será referenciado para que não haja plágio. Gostaria de acrescentar que seria enriquecedor para o meu projeto, se pudesse me fornecer mais materiais, alem dos citados neste trabalho. Segue meu e-mail pra um possível contato: izakcamposrodrigues@hotmail.com
Obrigado!
#
A oposição entre o natural e o supranatural vinha já com as ideias dos filósofos e teólogos maniqueus, que depreciavam completamente o mundo material criando uma oposição onde o sobrenatural seria a luz e o material seria as trevas. Este tipo de pensamento perdurou por muito tempo e ainda hoje no meio filosófico e sociológico parece permanecer vivo. Creio, por experiência pessoal, que o caminho para a cura do homem contemporâneo não esteja em ele abandonar o supranatural e se focar só no material, pois o efeito seria o mesmo( seria um maniqueísmo às avessas, onde o supranatural é depreciado em prol do material ). Creio que o caminho para o sentido seja o equilíbrio entre a vida mundana e a vida espiritual, entre aquelas verdades que se creem eternas e as temporalidades da vida. Acreditando ou não no Eterno, o ser humano necessita de uma base que dê sentido à sua vida.
Por outro lado, se há quem acredite que basear o sentido da vida em algo supranatural é apenas auto-engano subjetivista, se nos voltarmos ao puramente material percebemos coisa parecida, pois a inconstância das coisas temporais e a falta de algo “fixo” que nos sirva de base para nossa vida faz parecer que tudo se trata de uma ilusão, e no final não sobra nada mais que o desespero. Vemos isto em nossa realidade, onde o subjetivismo, tanto religioso quanto ateu, domina. Vivemos no mundo do “eu acho”, onde não importa a verdade, pois crê-se que a mesma não existe, sendo a falta de crença na verdade a única verdade que impera!
E vejo que entre pessoas espiritualistas e mundanas, o problema da falta de sentido se apresenta da seguinte forma:
1) Há aquele homem espiritual que radicalmente se opõe ao mundo material( como um maniqueísta ), e por isso sofre, por causa da falta de equilíbrio, ainda que o supranatural seja base para sua vida. Isto porque ele apresenta uma visão pessimista e negativa a respeito do material, e acaba pondo a si mesmo sob um julgo pesado, acreditando estar sobre o julgo do espírito, mas na verdade está é sobre o julgo de um pensamento negativo. Por conseguinte, pode acontecer de ele entrar em colapso e então cair na descrença, “matando” o espiritual.
2) Há aquele homem mundano que radicalmente se opõe ao mundo supranatural, e por isso sofre, pois na falta de uma base fixa para sua vida, resta-lhe o desespero, e restando-lhe o desespero o homem tenta suprir este vácuo de sentido entregando-se cada vez mais aos prazeres do mundo, e com isto destrói sua mente nos vícios e outras coisas, ou então entrega-se ao suicídio( neste ponto o homem já não tem esperança nem no espiritual nem no material, restando-lhe a morte ). Este também sofre da falta de equilíbrio que o faz cair no niilismo.
O sentido da vida, humildemente creio eu, só pode ser encontrado uma vez que se tenha estabelecido um equilíbrio entre o mundano e espiritual, daí seus olhos estarão mais atentos e sua mente mais aberta para encontrar o caminho. Ou seja, é ter em mente que nem tudo no mundo é um “diabo a ser destruído” e que o usufruto de todos os prazeres mundanos como modo de preencher o vazio não levará a nada a não ser autodestruição. Tudo deve estar em equilíbrio e harmonia!