Juliano Aparecido Pinto
É possível filosofar sem a desconstrução do óbvio?
René Descartes (1596-1650) é o filósofo que inaugura o pensamento moderno. Inicialmente seu objetivo é encontrar um fundamento para o saber e para a realidade, pois percebe que as antigas concepções estão se desmoronando por causa dos avanços no campo da ciência e do surgimento de novas instâncias filosóficas. Neste período há também grande confiança no homem e no seu poder racional, diferentemente das concepções antigas e medievais que se fundamentavam em Deus ou no ser. Em Descartes o sujeito se torna o elemento mais importante no processo do conhecimento.
Descartes percebe a necessidade de um novo método para se chegar a um fundamento, ou seja, a uma idéia que seja clara e distinta para que ele possa fundamentar todo saber a partir dela. Esse, por sua vez, não partirá de um fundamento dado, mas sim em busca do mesmo.
Descartes se propõe, primeiramente, a duvidar de toda tradição que recebera como verdadeira, pois a considera inicialmente incerta visto que a mesma dá possibilidade de dúvida:
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito […]. (DESCARTES, Meditações, p. 85)
Como se percebe, ele quer desconstruir toda tradição, que até então considerava como verdadeira. Descartes quer recomeçar a partir do zero, desde os fundamentos, a reconstruir seu pensamento, mas primeiro ele precisa desconstruir o que pressupõe como verdadeiro e isto se dará a partir da dúvida utilizada como método.
No primeiro livro das Meditações, Descartes afirma que dará crédito apenas às coisas que não oferecerem a menor possibilidade de dúvida. Nesse sentido ele também ressalta que irá analisar os princípios sobre os quais estão fundamentadas todas as suas opiniões, pois se aqueles oferecerem possibilidade de dúvida tanto mais o será duvidoso o que se fundamenta neles.
Inicia afirmando que todos os conhecimentos que recebera por meio dos sentidos eram duvidosos, visto que ele já fora enganado algumas vezes por estes.
Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou alguma vez. (Meditações, p.85-86).
Dito isto pode-se dizer que Descartes coloca em dúvida tudo que o diz respeito aos sentidos. Isto é justificado quando ele supõe que está dormindo e que o seu corpo e o mundo externo não passam de ilusões.
Suponhamos, pois, agora, que estamos adormecidos e que todas essas particularidades, a saber, que abrimos os olhos, que mexemos a cabeça, que estendemos as mãos, e coisas semelhantes, não passam de falsas ilusões; e pensemos que talvez nossas mãos, assim como todo nosso corpo, não são tais como os vemos. (ibidem, p.86)
Descartes também não pode aceitar inicialmente o conhecimento que vem da experiência como verdadeiro, pois ela dá possibilidade de dúvida.
Por fim, resta Deus. A respeito deste, Descartes irá supor que há não um Deus verdadeiro, mas um gênio maligno, que por sua vez pode enganá-lo a respeito do seu corpo, do mundo, da geometria e da aritmética.
Descartes, por meio de suas reflexões, chegará à conclusão de que embora duvide de tudo, de uma coisa não poderia duvidar: de que estaria pensando. Assim, chega ao cogito ergo sum, “penso logo existo”.
Como se percebe, a dúvida cartesiana possibilita a reflexão. Mas é necessário ressaltar que em Descartes não há uma dúvida no sentido radical como queriam os céticos pirrônicos, e sim uma dúvida metódica, pois ela é tomada como método para alcançar algo de verdadeiro, que seja indubitável.
Salienta-se a importância de Descartes ter desenvolvido a dúvida como método, pois até então, devido á concepção de algumas correntes clássicas e medievais de verdade, em que havia a primazia da coisa, o sujeito ficava incapaz de duvidar, pois a verdade estava dada na coisa e o sujeito tinha apenas que interpretá-la.
Qual a importância da dúvida cartesiana hoje? A dúvida tomada nesse sentido possibilita ao filósofo exercer seu pensamento crítico, sem se limitar ao dogmatismo, ao ceticismo ou ao conhecimento superficial. O filósofo deve ser aquele que não aceita as coisas como verdadeiras porque foram impostas ou porque fazem parte dos costumes, mas porque encontrou fundamentos racionais para aceitá-las.
Pode-se dizer que Descartes revolucionou o pensamento filosófico no sentido de perceber que a verdade é uma busca constate feita pelo sujeito de pensamento livre e disposto a entrar na dinâmica filosófica. De fato, a dúvida cartesiana é um princípio para filosofar, pois ela faz com que o sujeito questione o que parece óbvio na realidade, e desse modo o faz construir seu próprio pensamento, o qual sempre terá em vista a clareza e a distinção.
Referências
DESCARTES, René. Meditações. 3.ed.São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)
REALE, G.; ANTISERI, D. Historia da Filosofia, vol. II.São Paulo: Paulus, 2004.
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Muito bem caro Juliano. Um artigo digno de quem tem levado a sério o curso de filosofia. Seu artigo ficou muito bom, bem trabalho na perspectiva cartesiana.
Continue firme! A filosofia é ardua, mas digna de uma busca sincera mediante a profundos esforços!
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parabéns juliano, seu texto ta muito bom; percebe-se idéias claras e objetivas, apresentadas com liberdade!
continue na labuta filosofica…você vai longe!
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Ler é sempre muito importante. Apreciar um trabalho melhor ainda, principalmente quando ele nos toca. Gostei do seu texto.Eu que sempre tive uma pulga atrás da orelha, cada vez mais me sinto impulsionada a conhecer o Descartes.A cada dia vou me desvelando.Até onde isso vai chegar?
Parabéns pelo trabalho! Vá em frente!
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OI foi mt bom para a minha pesquisa !! =D
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Mto bom o texto e de facil entendimento!
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mt bm pude conhecer melhor Descartes.encontrei em seu texo uma linguagem muito clara e objetiva a qual precisava obgd!!!
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parabéns,falou muito e falou bonito,isso só faz a sua luz irradiar ainda mais.bjos!
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Está escrito no texto “ele [Descartes] quer destruir toda a tradição, que até então considerava como verdadeira.” Incorreto. A questão da tradição não está posto à análise dele, no máximo a tradição é um pano de fundo para a questão epistemológica de fato. Uma afirmação como a acima citada aproxima a interpretação do texto de Descartes muito mais de seu sentido particular e histórico, ao contrário de uma interpretação, digamos, mais universal. Não há qualquer problema de tradição ao se objetivar a investigação do pensamento.
Cheguei ao site por acaso. É interessante. Boa sorte em teus estudos na Filosofia. Requer-se muita dedicação e uma rara honestidade intelectual.
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Olá William, obrigado pelas suas ponderações ao pequeno ensaio proposto. Este blog tem por objetivo problematizar, tematizar questões de cunho filosófico, neste ensejo não temos a pretensão de absolutizar nenhuma verdade, visto que o movimento ou a dinâmica do pensamento está no provocar. Foi afirmado no ensaio, que Descartes queria destruir a tradição que o antecedera, não considero esta afirmação incorreta, uma vez que, se você seguir o curso da reflexão nos moldes propostos por mim, o próprio Descartes queria a clareza e a distinção como orientação de seu pensamento. Aqui se justifica minha afirmação, inclusive está na página 85 do livro “Meditações” a pretensão do Filósofo em não dar crédito ao “pensamento” que lhe antecedera por consider´-lo incerto e duvidoso. O sentido do “destruir” está sendo posto como uma provocação. Esta palavra é de grande significado para nós, se considerarmos que ela vem do latim “pro-vocare”, aquí significa “chamar para fora”, o que no texto está sendo afirmado é a necessidade de se problematizar as respostas impostas a nós. Não é atoa que o título do ensaio seja, A dúvida como pressuposto para o filosofar, será nesta pretensão que o ensaio deverá ser interpretado por aqueles que querem compreendê-lo. No mais fica a provocação: O que seria, nos limites do ensaio, Destruir? Colocar em questão? Tematizar? Romper com a tradição? Reorientar as nossas justificações, no que refere às nossas crenças?
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eu amei o que li foi mais do que perfeito
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Olá, obrigado por ter lido o meu artigo e por deixar seu comentário. Tenho outras publicações bastantes interessantes, talvez você possa se interessar. Estão no site: Cosciencia.org, basta digitar o meu nome e buscar. Na verdade são dois ensaios, um sobre Descartes e outro Sobre Hussearl!