Leandro Alves Figueira
Percebendo, no viver, as coisas que lhe dão prazer, as que satisfazem suas necessidades, as que lhe são úteis, Voltaire[1] nos apresenta que o homem nasce com uma tendência violenta para a dominação, as riquezas e os prazeres. A partir disso, se pode concluir que todos os homens seriam necessariamente iguais se não tivessem necessidades.
O homem carece por coisas agradáveis, que o satisfaça, tais como dinheiro, mulheres, carros etc. Por conseguinte, ele quer usufruir de todos os seus prazeres e, para isso, luta com suas estratégias para alcançar tais fins. É comum encontrarmos, na sociedade, homens que subordinam o outro, em prol do seu bem-estar. Enquadra-se aqui, no campo da política hoje por exemplo, tais homens que abusam do poder público, desviando verbas que deveriam beneficiar a sociedade em diversas áreas não pensando nas consequências de tais atitudes.
Deste modo, Voltaire nos afirma que é impossível não haver divisão de classes na sociedade.
Uma família numerosa cultivou uma terra fértil; duas famílias vizinhas, mais pequenas, possuem campos sáfaros e rudes no laborar: é preciso que as duas famílias pobres sirvam à família opulenta, ou a degolem, é bom lembrar. Uma das duas famílias indigentes vai oferecer os seus braços à família rica, para conseguir ganhar o seu pão; a outra vai atacar os ricaços e é vencida. A família serviçal dá origem à criadagem assalariada e aos operários, a família vencida dá origem aos escravos. (VOLTAIRE, 1978, p. 217)
A sociedade, em si, é dividida em duas classes, sendo uma de opressores e outra de oprimidos. Observamos homens de bens, donos de comércios que possuem renda e lutam por adquirir cada vez mais posses, como forma de manipular a classe baixa e os trabalhadores, que lutam pela sobrevivência e pela busca do alimento de cada dia. “Assim, desde cedo os homens se distinguiram em duas classes: a primeira, dos homens divinos que sacrificam seu amor-próprio ao bem público; a segunda, dos miseráveis, que só amam a si mesmos.” (VOLTAIRE, 1978, p. 79).
Infelizmente, embora haja um desejo interior no homem de participar da primeira classe, no fundo do coração, muitos pertencem à segunda, a dos miseráveis, que são aqueles que só preocupam consigo mesmo, por exemplo, os homens de bens citado acima.
“A miséria, condição agregada à nossa espécie, subordina um homem a outro homem; não é a desigualdade que é um mal real, mas a dependência.” (VOLTAIRE, 1978, p. 217).
Por ter sofrido a intolerância, as ordens e a insolência dos poderosos e também por ter coração e imaginação, foi adversário tenaz de todo fanatismo e despotismo. Por ter sido burguês e ótimo homem de negócios, admirava a constituição que, na Inglaterra, dera-se ‘uma nação de bodegueiros. (REALE; ANTISERI, 2005, p.733)
Voltaire percebeu que mesmo havendo a divisão de classes na sociedade, de um lado a dos opressores e de outro a dos oprimidos, nem todos os oprimidos são infelizes. Se observarmos bem nosso contexto, percebemos que a maioria das pessoas nasceram nesse estado; nessa condição, somente o trabalho é capaz de suavizar a dor da tamanha desigualdade presente na sociedade. Ao contrário, quando deparamos com pessoas oprimidas e, além disso, sem trabalho, sem recursos, logo surgirá os conflitos sociais.
A igualdade na perspectiva de Voltaire é vista como uma utopia. Para ele, é fácil falar em igualdade quem não almeja ter posses, acumular bens e é extremamente difícil os homens, que tem seus recursos próprios, pensar nessa temática.
Por um lado, encontramos na igualdade um ponto negativo: o homem é livre para adquirir tais bens e usufruí-los, a ponto de dominar os outros. Já por outro lado, como ponto positivo, Voltaire insiste no direito do homem de julgar-se inteiramente igual aos outros homens, assim um cozinheiro de um cardeal pode afirmar: “Sou um homem tal qual meu amo, nasci como ele a chorar; há de morrer, como eu, nas mesmas angústias e nas mesmas dores da agonia”. (VOLTAIRE, 1978, p. 218).
A igualdade para Voltaire é apresentada como um princípio segundo o qual todos os indivíduos respeitam as leis da sociedade, às quais lhe garantem a paz e a organização. Ou seja, um indivíduo tem o direito de acumular bens, desde que trate o outro, mesmo que não possua posses, da mesma forma que trata uma pessoa que as tenha.
Em suma, devemos nos questionar: há possibilidade de construir uma sociedade igualitária na contemporaneidade? Existem homens que vivem puramente de forma igualitária hoje? A realidade que se vê é que o homem luta para adquirir cada vez mais seu prestígio sem se preocupar com os outros. Voltaire nos afirma que o homem é livre para lutar em prol de seus objetivos pessoais, uma vez que o meio já o influencia. Porém, devemos estar conscientes que nessa luta pela sobrevivência deve haver respeito e harmonia no tratamento de um indivíduo para com o outro, havendo assim no meio das diversidades da sociedade, uma parcela de luta pela igualdade.
Referências
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2005. v. II.
VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. 2. ed. Trad. Marilena Chauí. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores)
[1] Voltaire nasceu em 1694 em Paris e foi educado em um colégio mantido por Jesuítas. Tendo recebido considerável herança, deixou o colégio e iniciou seus estudos de direitos. Voltaire viveu a experiência de cárcere e escreveu poemas em homenagens a reis, freqüentou a alta corte em vários países da Europa. Publicou várias obras e mesmo em idade avançada não cessou suas atividades intelectuais. Morreu aclamado e considerado pelo povo em maio de 1778. Voltaire foi curioso por toda a ciência, expunha com clareza e ironia as questões mais obscuras e exerceu, sobre os homens de sua época e posteridade, considerável influência.