Alex Cristiano dos Santos
Elder Alves Diniz
Introdução
Buscaremos, pelo presente artigo, apresentar uma conceituação do mal perpassando pelos pensamentos filosóficos de Agostinho, Schelling e Paul Ricoeur abrangendo, desta forma, parte do pensamento filosófico sobre o mal, perpassando pelo pensamento medieval, com Agostinho, moderno, com Schelling e contemporâneo, com Ricoeur. Tentaremos iniciar um caminho que possa nos ajudar a responder sobre a existência do mal e sua natureza, traçando parâmetros que nos permitam entender a relação entre o mal, o bem e a liberdade humana e o processo de geração do mal com a possível dependência do mal para com a ação do homem no exercício de sua liberdade.
O mal existe?
Quando pensamos no mal e em suas consequências traçando parâmetros pela realidade que nos cerca fatalmente nos faremos à seguinte pergunta: O mal existe? Se respondermos tal pergunta apenas observando a realidade em nossa volta, a violência, os crimes hediondos, a ganancia que leva um ser humano a explorar outro, fatalmente seriamos levados a responder: o mal existe e está a nossa volta. Mas é preciso analisar melhor a questão.
Segundo Agostinho o mal não existe, sendo o mal apenas a privação do bem. Para Agostinho o bem é o único princípio existente, sendo que sua suprema perfeição está em Deus, o Sumo Bem.
… o mal é a privação ou defecção do bem, das perfeições constitutivas de toda e qualquer natureza, é a ausência de ser (…) Agostinho instaura o Bem como único princípio existente – Deus – e o mal como sua simples negação. Em outras palavras, o mal, na concepção agostiniana, não tem existência ontológica, não é, portanto, um princípio de força antagonicamente equiparada ao bem… (COUTINHO, 2010)
A natureza do mal está, no próprio homem, na sua liberdade. O homem corrompe-se e tende para o mal na medida em que, como afirma Agostinho, afasta-se do Bem, ou seja, de Deus (COUTINHO, 2010). O mal é, portanto, obra da liberdade do homem, seja ele sujeito ou objeto deste mal, não existindo por si só, mas estando intrinsecamente ligada a liberdade do homem, que cria o mal quando se afasta do bem.
A visão que Agostinho tem de mal é a visão de um neo convertido que coloca na falta de moral uma das naturezas do mal, porém não só na falta de moral, mas também na condição que o homem, no exercício de sua liberdade, tem de se afastar de Deus.
Para Agostinho o mal está em afastar-se de Deus que é o Sumo Bem, pois quando o homem se priva do Bem ele comete o pecado que o torna mal. O homem tende naturalmente para o bem e o mal passa a existir a partir do momento em que o homem se corrompe afastando-se do bem.
A liberdade como causa do mal
Assim como para Agostinho, para Schelling o mal está na liberdade, mas diferente de Agostinho em que o mal é a privação do bem provocada pela livre escolha do homem, pelo afastamento de Deus, para Schelling a natureza do mal está na livre escolha do homem provocando a inversão de sua natureza.
A causa do mal está no livre arbítrio gozado pelo homem. Schelling parte do pecado original para explicar que o homem tendo a oportunidade de escolher entre o bem e o mal, escolheu o mal, provocando uma inversão na sua natureza e essa inversão o prejudicou a tal ponto que ele já não reconhece nada em seu interior que não seja psíquico tendo dificuldade de aceitar o que é divino. (PUENTE, 2010)
Para reverter o processo de corrupção do homem que, no exercício de seu livre arbítrio escolhe tender para o mal se faz necessário encontrar um mediador que seja capaz de fazer com que o homem compreenda a necessidade de refazer suas escolhas recuperando a unidade natural que tinha com Deus, ou seja, “apenas o pessoal pode curar o pessoal”, é necessário que “Deus se torne homem para que o homem retorne a Deus”, o Sumo Bem. (PUENTE, 2010)
O mal: conduta ética corrompida ou realidade pré-existente?
Segundo Paul Ricoeur, a natureza do mal está na liberdade do homem. O mal se torna existente a partir da prática do homem que o cria a partir de atitudes eticamente corrompidas. Portanto liberdade e mal são dois termos que se implicam mutuamente, sendo que o mal só passa a existir a partir da ação do homem fundada em sua liberdade.
De fato, o mal é cometido, mas também é sofrido, sentido. Ainda que o ser humano não esteja na origem do mal, a verdade é que é quem o pratica; o mal se manifesta nos seus atos existenciais e, por isso mesmo, o mal é obra da sua liberdade; confessá-lo implica assumir-se como sujeito ou como objeto do mal; consequentemente, a confissão do mal é um pressuposto fundamental da consciência da liberdade. (TAVARES, 2006)
Portanto, o mal não existe, nem preexiste, pelo menos por si só. Sua existência está ligada a ação do homem enquanto ser livre que, na sua liberdade, se afasta do bem, conforme Agostinho ou age de maneira eticamente corrompida, conforme Ricoeur, gerando o mal.
Transitoriedade do mal
O homem que, na sua liberdade, afaste-se do bem criando o mal também é capaz de fazer o caminho inverso, extinguindo o mal. Da mesma forma que a liberdade do homem permite que ele seja sujeito agente na geração do mal, a liberdade humana também permite que o homem reverta tal condição através da “purificação” de suas ações. O processo de decair do ser humano, afastando-se do bem, através da corrupção de suas ações pode ser, a qualquer momento, revertido pela liberdade humana, através do “purificar” das ações humanas, voltando o homem a aproximar-se do bem, única realidade existente e cujo ápice, segundo Agostinho, está em Deus.
“O homem que poude escolher o mal e cahir, poderá escolher o bem e subir; A liberdade explica a transitoriedade do mal e a conseqüente perfectabilidade humana”. (MELLO, 1935)
O mal: obra do livre arbítrio humano passível de reversibilidade
Não existe mal que não esteja intrinsecamente ligado ao agir humano que privasse do único principio existente – o bem – bem este que encontra sua sublimação em Deus. (COUTINHO, 2010). O mal é, portanto, obra da liberdade humana, do exercício do livre arbítrio, seja o homem, em tal processo, sujeito ou objeto do mal. (TAVARES, 2006).
Portanto, concluímos que, o mal, enquanto realidade independente da necessidade de outrem não existe. A natureza do mal está na liberdade do homem que se afasta do bem, agindo de maneira eticamente corrompida. (COUTINHO, 2010)
Todavia, o mesmo homem, que no exercício de sua liberdade, decai de partícipe do Bem Supremo que se encontra em Deus, abrindo mão de bens superiores em prol de bens inferiores, amando desordenadamente os bens temporais, pode reverter o processo, afastando-se do mal criado por ele mesmo, na medida em que volta a se aproximar do bem, ou seja, de Deus. (COUTINHO, 2010; MELLO, 1935)
Concluindo o presente ensaio, deixamos em aberto alguns questionamentos: Se a origem do mal está no exercício da liberdade humana que pode tender para o bem – através de ações moral e eticamente ilibadas, ou seja, através de ações morais e éticas – ou tender para o mal – através de ações moral e eticamente corrompidas, ou seja, através de ações imorais e antiéticas – como consideraremos o homem que tender para uma postura neutra, nem moral nem imoral, mas amoral? A neutralidade deixa o homem mais próximo do bem ou mais vulnerável a corrupção? Estaria o homem, numa posição de neutralidade, menos comprometido com ações pré-determinadas que o conduzam para determinado fim, permitindo a ele uma maior clareza de visão, colocando-o na posição de juiz de todas as coisas, inclusive da sua relação com o Bem transcendente, ou seja, com Deus? Ou a posição de juiz de todas as coisas cabe apenas ao Bem Supremo, ou seja, a Deus e cabe apenas ao homem, no exercício de seu livre arbítrio, escolher a qual caminho deve trilhar o caminho que conduz ao Bem Supremo ou o caminho que conduz a corrupção e ao mal?
Independentemente das respostas aos questionamentos levantados, concluímos que, o mal está intimamente ligado à ação do homem, que o cria quando se afasta do bem. O mal não possui existência própria, depende da livre ação humana. Assim como todas as coisas existentes no mundo, e o próprio mundo, o mal é contingente, é limitado. É contingente porque pode vir a existir ou não. É limitado porque, se existe, só existe na medida em que o homem o cria. Portanto, mais importante que preocuparmos com o mal em si, é preciso que voltemos nossos olhares para as ações do homem que, no exercício de sua liberdade torna-se fonte emanadora do bem, quando busca aproximar-se cada vez mais dele, ou do mal, quando se afasta do bem se corrompendo através de suas próprias ações.
Referências
COUTINHO, Gracielle Nascimento. O Livre-Arbítrio e o Problema do Mal em Santo Agostinho. Argumentos. s.l.: ano 2, n. 3, 2010. Disponível em: http://www.filosofia.ufc.br/argumentos/pdfs/edicao_3/16.pdf. Acesso em 01 out.2011.
KIBUUKA, Brian. Simbólica do mal. Resenhas clássicas. s.n.t.: 2011. Disponível em: http://resenhasclassicas.wordpress.com/2011/01/11/simblica-do-mal/. Acesso em 01 out. 2011
MELLO, Lydio Machado Bandeira. O problema do mal. São Paulo: Empreza Graphica da Revista dos Tribunaes, 1935. 218 p.
PUENTE, Frenando Rey. A explicação do mal: concepção teosófica do pecado original. Sophia Perennis. s.n.t.: 2010. Disponível em: http://sophia.bem-vindo.net/tiki-index.php?page=Schelling+Mal. Acesso em 01 out. 2011
TAVARES, Manuel. Fundamentos metodológicos do pensamento antropológico e ético de Paul Ricoeur: o problema do mal. Memorandum. Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 136-146. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/tavares01.pdf. Acesso em 01 out.2011
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Parabéns pela reflexão meus dois amigos,,,, Mas os questionamentos que deixo são os seguintes: É possível se falar de Deus em Schelling uma vez que ele é um filósofo ideo-naturalista?? É se a pessoa tem uma boa conduta ética na sociedade, e derepente vem uma forte chuva onde ele mora e ele perde tudo, esse fenomeno da natureza não pode ser considerado um mal??
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O artigo ficou muito bom, mas senti falta de citações diretas de obras dos filósofos citados no título do artigo, uma vez que, se elas aparecessem, tornariam o artigo mais consistente e calcados diretamente na fala dos autores e não de seus comentadores.
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Maria das Graças, agradeço à crítica e reconheço sua pertinência. Realmente o artigo ficaria melhor fundamentado citando diretamente as obras dos autores e, de preferência nos originais. Gostaria apenas de esclarecer que este artigo tratasse apenas de um brevíssimo ensaio e não um trabalho mais aprofundado, por isso preferimos trabalhar com comentadores e não propriamente com as obras dos autores, visto que isso demandaria tempo e resultaria num trabalho bem maior, o que não era o objetivo. Naturalmente, se dermos continuidade no trabalho, procuraremos aprofundá-lo através das obras dos próprios autores e, de preferencia, nos originais.
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Comungo da mesma idéia da Maria das Graças…
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Gostaria de saber se o mal é inerente ao homem, ou seja, está na sua constituição ou é apenas pelas ações que determinamos sua maldade.
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Oi… Entendi agora que se trata de um ensaio e não de um artigo… mas ainda acredito que o título faz uma promessa que o texto não consegue cumprir. Citar o nome dos filósofos no título faz-se desnecessário uma vez que suas obras diretamente não serão citadas. Deixo a dica só pra ajudar. Um ensaio, por ser mais livre, poderia ficar mais despreocupado, então, com o atrelamento dos argumentos com os pensadores, escrevendo sobre o tema e buscando indiretamente fundamentar seu pensamento neles.
Bom, para não me prolongar mais, quero dizer que minha fala aqui não é para desmotivá-los, mas para incentivá-los sempre para melhorar. Ademais, esses cuidados precisam ser tomados para não enfraquecer um blog tão bom e já tão renomado.
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O texto de vocês ficou bom, mas faço algumas ressalvas: comungo plenamente com as considerações feitas por Maria das Graças, acho que um ensaio deve ser sem dúvidas, no mínimo, fundamento ao menos com uma citação de cada filósofo, no caso do ensaio de vocês, para que texto o fique bom.
Quando um dos autores, Alex Santos, justificou a ausência das citações me pareceu que os autores não quiseram sequer ler uma das obras dos filósofos que se propuseram a pesquisar, quando isso ocorre é de boa conduta que não se faça uma publicação em qualquer meio de comunicação que seja – como ressaltou Maria das Graças – o blog que se entra tão renomado pode cair em descrédito por causa de uma dessas.
Minhas considerações são feitas com o intuito de ficarem atentos para não caírem no mesmo equívoco.
Obrigado!
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Esta discussão sobre fontes primárias e secundárias é muito relevante e eu também gostaria de ponderar a respeito. Este blog se propõe a ser um espaço de ensaios e discussões, como dito pelo Alex. A natureza do blog, diferentemente das publicações científicas, permite-nos uma maior liberdade de reflexão e de experimentação sem ter que cumprir rigorosamente as convenções acadêmicas. Neste sentido, penso que o texto dos autores tem sua validade. Claro que a citação das fontes primárias conferiria uma validade maior, mas sua ausência não o invalida. Este tipo de texto cumpre a função de divulgação do pensamento e, como tal, permite ao leitor ser apresentado a um universo de discussão. Eu destacaria que Alex e Elder fizeram uma boa seleção das fontes, mesmo que secundárias, sendo a maior parte de caráter rigorosamente científico.
Minha expectativa enquanto professor e pesquisador é que os estudantes venham a alcançar tal excelência e acredito que estamos no caminho certo. Os comentários da Maria das Graças e da Luana (leitoras assíduas deste blog) são muito pertinentes, pois nos dão parâmetros para uma autocrítica. Fiquei contente em perceber que somos lidos como “um blog tão bom e já tão renomado”, como dito pela Maria das Graças. Portanto, interpreto esta discussão como sinal de que há um potencial crescente a ser explorado neste blog e, para isso, contribuem enormemente as críticas e incentivos dos leitores, assim como a abertura dos autores em ensaiar e em dialogar.
Quem diria há três anos atrás que chegaríamos a um número de acessos, publicações e discussões tão significativo? Nem eu. Neste momento de entusiasmo com as repercussões da avaliação honrosa da FAM pelo MEC, vemo-nos diante de uma responsabilidade maior do que há alguns anos…
E o que virá depois?
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Professor Mauro, gostaria que respondesse minha pergunta, visto que o aluno parece não saber respondê-la.
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Míriam, há diferentes interpretações filosóficas sobre isso e este artigo discute três delas. A resposta depende do que se entende por “mal”. Pode ser interpretado como mal objetivo (questão da relação entre ser e não ser, predominante na filosofia clássica) ou como mal subjetivo (questão dos juízos morais, predominante na filosofia contemporânea)
Não respondendo, acrescentarei a perspectiva de Nietzsche: não há mal nem bem, pois bem e mal nada mais são do que transposições do plano subjetivo e moral (“eu acho isto bom”, “eu acho isto mau”) para um plano pretensamente objetivo e ontológico (“isto é o bem”, “isto é o mal”).