Fabiano Alves Assis
Rafael Guimarães de Oliveira
A morte causa grande desassossego no homem que se propõe elaborar um pensamento acerca da mesma. Essa inquietação faz parte da história humana, devido à contingência do tema. Sabemos, a grosso modo, que um dia nos faltará o hálito da vida. Vida que aprendemos a amá-la, que temos bons motivos para estimá-la, que não queremos deixar de gozá-la. Além disso, há um enigma sobre o que acontece, ou se algo acontece, após a morte. Diante dessa certeza e das dúvidas que dela surgem, cabe ao homem se esforçar para chegar, no limite que lhe é permitido, ao entendimento do que seria morrer, e conduzir sua vida, da melhor forma possível, para esse momento.
O nosso desejo caminha nessa perspectiva. Inspirados por três pensadores, Bertrand Russell (1872-1970), Michel Montaigne (1533- 1592) e Michel Foucault (1926-1984), queremos apontar as possibilidades do pensamento sobre a morte e indicar direcionamentos cabíveis para bem vivê-la. Uma última consideração antes de iniciar nosso raciocínio, baseadas nos autores que retroindicamos: não é pretensão de nossa investigação perturbar, refutar, desvalorizar ou desacreditar o pensamento sobre a morte advinda da doutrina cristã. Apenas gostaríamos de verificar se a nossa reflexão, que foi construída a partir de três pensamentos, é possível e até que ponto.
A “vida após a morte” na perspectiva de Russell
O primeiro questionamento que propomos, na aventura de dizer algo sobre a morte, é se existe, ou se é possível, alguma atividade humana após o óbito. Para esse debate, consideramos o pensamento de Russell satisfatório[1].
O pensador inglês considera a morte como fim do processo biológico humano; que compreende o corpo, que está fadado à transformação que se encerra no falecimento, e a alma, que está relacionada à atividade mental- cerebral – e, portanto, ao corpo que morre. Nessa perspectiva, a possibilidade de sobrevivência à morte está na memória, que necessariamente deverá existir ativamente na vida de outra pessoa, especificamente no cérebro, que é capaz do gerenciamento da mesma:
Se, por conseguinte, devemos acreditar que uma pessoa sobrevive à morte, temos de acreditar que as lembranças e os hábitos que constituem a pessoa continuarão a ser exibidos num não conjunto de ocorrências. (RUSSELL, 1960, p 71).
Sendo assim, para esse nosso pensamento, baseado nessa perspectiva de Russell, a probabilidade de “vida” após a morte é mínima e dependente da memória. Devido à complexidade de continuar esse discurso, consideramos suficiente o que convencionamos até agora para pensar sobre o tema. E o nosso foco se voltará para o antes da morte, para tornar possível algo depois da morte.
Aprender a morrer é o que nos resta, Montaigne nos ajuda.
Considerando a intuição de Russell, e se ela estiver correta, como então conseguir que a nossa memória perpetue, garantindo nossa sobrevivência à morte? É necessário aprender a morrer. E para isso, é necessário aprender a viver da melhor forma possível. Quem vive bem, quando morre, não somente encerra seu processo biológico, mas garante a lembrança de sua vida. Ora, quem foi exemplo de vida, foi virtuoso, viveu bem está vivo em nossa mente: suas palavras, suas ações, seus atos, seus compromissos são docemente recordados, embora seu corpo esteja putrefato ou nem exista mais. E temos exemplos que possam comprovar isso: o pai ou a mãe, ou ainda o parente próximo que já faleceram, mas estão vivos na lembrança de seus parentes, que abriga os carinhos e os afetos que deles receberam em vida. Ainda mais, pessoas santas e virtuosas, como Dom Luciano Mendes ou Beato Karol Wojtyla, estão vivas no pensamento dos homens que têm contato com biografias excepcionais, mesmo que biologicamente estejam adormecidos pelo tempo. Esse é o aspecto antes da morte, que configura a possibilidade de Russell para depois da morte.
Mas resta-nos ainda apontar um caminho, com o auxilio das intuições de Montaigne. O caminho que nos possibilita viver bem, e a isso compreendemos como virtuosamente, não é outro senão o da Filosofia. As palavras do próprio pensador nos ajuda a entender o porque:
Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para morrer. Isso talvez (…) porque toda a sabedoria e inteligência resultam finalmente que aprendemos a não ter receio de morrer. (MONTAIGNE, 1980, p. 44)
O valor da vida em relação à morte, um apontamento de Foucault.
Depois de considerar que estamos morrendo e da possibilidade de sobrevivência à morte através da memoria e, através da Filosofia, a sua efetivação, Foucault aponta um aspecto importante para esse processo, no período antes da morte, no agora, no presente, e que encaixa no pensamento que até aqui convencionamos. Com a Filosofia, além do desenvolvimento das virtudes, é possível ao homem o alargamento de uma “consciência de si mesmo” (FOUCAULT, 2004, p. 580), que lhe mostrará o verdadeiro valor da vida e que contribuirá para uma melhor vivência, uma vida mais bem vivida, e por consequência uma melhor morte.
Portanto, o pensamento sobre a morte é que permite a retrospecção e a memorização valorativa da vida. Também aqui, como vemos, a morte não é um pensamento sobre o porvir. O exercício, o pensamento sobre a morte é (…) um meio (…) para realizar o grande circuito da memorização pelo qual totalizaremos toda a nossa vida e a faremos aparecer como ela é. É o julgamento sobre o presente e a valorização do passado que se realizam neste pensamento sobre a morte, que justamente não deve ser um pensamento sobre o porvir, mas um pensamento sobre mim mesmo enquanto estou morrendo” (FOCAULT, 2004, p 582).
Para isso é necessário ao homem retornar, através da memória, ao passado e perceber o que ele construiu até então. E observar o que há de positivo ou negativo, e se for oportuno, reconstruir. Sendo assim, desde a vida ele poderá construir uma memória de qualidade, virtuosa, que o ensinará a morrer e que garantirá a sobrevivência à morte.
Considerações Finais
Após a exposição de nossas intuições, a partir da leitura desses três pensamentos sobre a morte, podemos compreender, se nosso caminho estiver correto, que: a morte é um processo biológico que encerra a transformação do corpo, que abriga, no cérebro, a alma, que é relacionada com a função mental. Daí podemos perceber que a única possibilidade de atividade humana após o óbito é a memória, que deve se repetir em outra vida. Para garantir essa continuidade é necessário saber morrer. Para saber morrer é necessário saber viver. E para saber viver é necessário filosofar. Filosofia garante uma vida virtuosa, que garantirá, por sua vez, a perpetuidade da existência do homem. Além disso, a Filosofia permite ao homem iniciar esse processo de morte em vida, quando se aproxima de sua história, através da própria memória, no passado e no presente para construir sua possibilidade de continuidade existencial após a morte, no futuro. Essa é a nossa reflexão sobre a morte e a forma com que acreditamos pensa-la tomando como base os textos de Bertrand Russell, Michel Montaigne e Michel Focault. Diante da leitura e interpretação dos mesmos, consideramos possível, nessas condições, trilhar um caminho que nos permite provar a morte de uma forma sublimada.
Referências
FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. Tradução Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MONTAIGNE, Michel Eyquem de. Ensaios. Tradução Sérgio Milliet. 2ª Ed. São Paulo: Abril Cutural, 1980.
RUSSELL, Bertrand. Por que não sou cristãoe outros ensaios sôbre a religião e assuntos correlatos. Tradução Brenno Silvera. São Paulo: Exposição do Livro, 1960.
[1] As suas considerações são mais verificáveis e menos otimistas, em relação à doutrina cristã. Essa, por sua vez, se quiséssemos tomá-la como base não conseguiríamos progresso neste propósito, pois teríamos que definir e abstrair o que ela quer dizer com “vida” após a morte, e esse seria um tema para outro artigo.
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Parabéns pelo ensaio!!!
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Ficou bom, conseguiram discutir muito bem o tema.
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Prezados Rosemar e 1000ione, somente hoje pude perceber o comentário que os senhores realizaram em meu artigo. Agradeço-vos o apreço pelo presente trabalho e faço votos que que logremos êxito juntos em nossos trabalhos filosóficos.