Daniel Fernandes Moreira
1 Introdução
Pelo próprio nome dado ao ser humano, homo sapiens, percebemos uma inclinação para um conhecimento verdadeiro[1], para uma sabedoria. O homem sente em si a necessidade de conhecer as coisas, de procurar o verdadeiro significado e a função que cada coisa que o circunda possui, buscando até mesmo o autoconhecimento. Porém, nesta busca pelo conhecimento, muitas vezes o homem se vê preso ao erro, à confusão, enfim a um falso conhecimento. Devido a esse incômodo, muitos filósofos se preocuparam com a questão do conhecimento e de métodos para chegar a um conhecimento verdadeiro das coisas. Um exemplo clássico foi Aristóteles, que buscava um argumento, um caminho racional para se conhecer e fugir de todo e qualquer tipo de falácia. Outro exemplo bastante significativo na modernidade foi Galileu Galilei.
O presente artigo tem como objetivo investigar sinteticamente o caminho que Galilei percorre para eliminar os possíveis erros no conhecimento, através do método desenvolvido por ele e que denominamos método científico, a ligação e a repercussão deste método nas ciências.
2 O des-velamento da realidade e o método científico
Muitas vezes, para se chegar ao conhecimento de determinada situação ou coisa, procuramos nos concentrar aos fatos que nos levam àquela determinada realidade, porém, os fatos não são a realidade. Como dissemos, eles são fatos, e simplesmente isso, mesmo que tragam em si efetividade, por exemplo, quando observamos um objeto em cima de uma mesa e percebemos que ele saiu de um determinado local e foi para outro, os fatos nos apresentam que ele movimentou, porém ele continuou estático, imóvel sobre a mesa uma vez que o movimento não foi do objeto e sim da mesa; não podemos negar que os fatos possuem sua importância, pois se não houvessem nos avisado que estava acontecendo algo, algum movimento, não teríamos chegado ao verdadeiro conhecimento do acontecido.
Por si mesmo eles [os fatos] não nos dão a realidade, ao contrário, ocultam-na, isto é, nos propõem o problema da realidade. Se não houvesse fatos não haveria problemas, não haveria enigma, não haveria nada oculto que fosse preciso des-ocultar, des-cobrir (…) alétheia (GASSET, 1989, p. 25-26).
Portanto, não podemos nos prender aos fatos, eles nos impulsionam na procura do conhecimento, mas é preciso de outro momento para que encontremos o verdadeiro conhecimento, a verdade:
Segundo esse princípio, nenhuma afirmação sobre fenômenos naturais, que se pretenda científica, pode prescindir da verificação de sua legitimidade através da produção do fenômeno em determinadas circunstâncias. (PESSANHA, 1987, p. IX),
ou seja, devemos “experimentar” a realidade, reproduzi-la, criando assim uma forma de demostrar a realidade através de experimentos. Desta forma temos um novo método de investigação: o chamado método de investigação científica criado por Galileu.
Esse método científico também pode ser chamado de hipotético-dedutivo, por se tratar de observar a realidade e experimentá-la, ou nas palavras do nosso filósofo, “sensatas experiências” e “demonstrações necessárias”. Por “experiências sensatas” definimos como sendo “experiências efetuadas mediante nossos sentidos, isto é, as observações, especialmente as feitas pelos nossos olhos” (REALE; ANTISERI, 2004, p. 217), livres de todo tipo de preconceito; por “demonstrações necessárias” entendemos que sejam as “argumentações nas quais, partindo-se de uma hipótese (…) se deduzem rigorosamente as consequências (…) que depois deveriam se dar na realidade” (REALE; ANTISERI, 2004, p. 217), ou seja, criar, seja mentalmente, seja através de aparelhos, o acontecimento.
Com a criação deste método Galileu parece romper com o pensamento Aristotélico, pois enquanto este afirmava que através de métodos de averiguação de um argumento verdadeiro, poderíamos chegar à verdade, o conhecimento por completo da coisa. Para ilustrarmos melhor observemos o clássico silogismo: “Todo homem é mortal e, uma vez que Sócrates é homem, ele será, portanto, mortal”. Observemos que o silogismo apresentado parte do universal (todo homem é mortal) para um particular (Sócrates é mortal) e, por assim ser é chamado de raciocínio dedutivo.
Para Aristóteles o silogismo é a própria essência do raciocínio e ele o divide em duas classes: o silogismo e silogismo científico. Esse último, ao contrário do primeiro, que para ser verdadeiro basta que sua inferência seja correta, necessita que também as premissas sejam verdadeiras. “Além disso, devem ser ‘primeiras’, ou seja, não tendo necessidade por seu turno, de ulteriores demonstrações, mais conhecidas e anteriores, isto é, devem ser, por si mesmas, inteligíveis…” (REALE, 1990, P. 216), ou seja, elas devem ser conhecidas por si, sem precisar de outro silogismo para demonstrá-las. Mas como isso é possível, como podemos saber que as premissas são verdadeiras? Aristóteles nos apresenta que elas podem assim serem consideradas por indução[2] ou por intuição[3].
Galileu, porém, afirma que é necessária a experiência, como ele próprio diz à Fortúnio Liceti: “Entre as maneiras seguras para alcançar a verdade está o antepor a experiência a qualquer discurso (…) [uma vez que] não é possível que uma sensata experiência seja contrária ao verdadeiro” (GALILEI, 2004, p. 225), mas isso não o faz ir contra o pensamento de Aristóteles totalmente, uma vez que seu raciocínio é chamado de hipotético-dedutivo, ou seja, se mostra fiel ao raciocínio dedutivo, mas apresenta que esse raciocínio não basta para alcançarmos a verdade é preciso averiguar se esse raciocínio pode ser considerado verdadeiro. Galileu parece apresentar isso, mesmo que de forma irónica na carta citada logo acima, pois,
se Aristóteles voltasse ao mundo, ele me receberia entre seus seguidores, por causa de minhas poucas contradições (…) e quando Aristóteles visse as novidades descobertas atualmente no céu, que ele afirmou ser inalterável e imutável, porque nenhuma alteração fora até então vista, indubitavelmente, mudaria de opinião, ele diria agora o contrário; pois bem se deduz que, enquanto nos diz que o céu é inalterável, é porque não fora vista alteração, mas agora diria que é alterável, porque aí se percebe alterações (GALILEI, 2OO4, p. 226).
Fazendo uma pequena comparação entre Aristóteles e Galileu, utilizando o silogismo já apresentado, a saber: “Todo homem é mortal e, uma vez que Sócrates é homem, ele será, portanto, mortal”, poderíamos observar que enquanto para Aristóteles este silogismo é verdadeiro por si, Galileu diria que é preciso Sócrates morrer, ou ainda mais, que todos os homens morressem para comprovar que o raciocínio é verdadeiro.
Foi, portanto com esse método novo, ou então, aperfeiçoado que o nosso filósofo torna possível toda a ciência moderna principalmente no que diz respeito as que chamamos de ciência natural.
3 A possibilidade de uma nova ciência e o extremismo do método científico
Toda a física moderna e a matemática que hoje conhecemos só foi possível depois que Galileu pensou e colocou em pratica aquilo que nós chamamos de método científico. Como podemos ver, nossa sociedade está marcada pela experimentação aos moldes daquilo que disse o nosso filósofo e, para que isso seja comprovado observemos a necessidade de demonstrar a tudo que dizemos, fazemos ou pensamos para dar veracidade aos nossos argumentos. Mas nos atentemos de modo especial à física moderna.
Ao que hoje chamamos de física moderna[4], Galileu a chamava de “ciência nova e encontrada por mim desde seus primeiros princípios” (GALILEI, 2004, p.227), e sem dúvidas ela só se tornou possível após ele. Um grande exemplo disso é a célebre experiência na qual ele mostra que independente do peso de um objeto, a velocidade que atinge o chão é a mesma, isto levando em consideração o vácuo, e tantos outros experimentos realizados por ele.
Porém, este método elevado a um dogma e como única forma possível de se fazer ciência traz grandes problemas como nos alerta Aaron Ridley:
As ciladas só começaram a tornar-se mais estritas quando o próprio modelo é interpretado mais rigorosamente – de modo específico, quando é considerado uma injunção para excluir não meramente o irrelevante, seja lá o que isso possa ser, mas para excluir justamente os fatores que a ciência natural exclui. (RIDLEY, 2008, p. 14).
O escritor apresenta esta questão tendo em vista que um dos requisitos para o verdadeiro funcionamento do método científico é, exatamente, excluir toda e qualquer subjetividade. Porém para algumas ciências modernas é exatamente a subjetividade o principal objeto de estudo[5].
Mas é preciso levar em conta que o problema não se encontra no método científico, mas sim no fato de o levarmos ao extremo, afirmando e dogmatizando que o verdadeiro conhecimento vem somente através dele. Nada pode resolver tudo, pois se assim fosse, não teríamos que nos preocupar com mais nada, uma vez que tudo já estaria resolvido e conhecido tal qual o é. Cabe à ciência natural a utilização do método científico assim como outros métodos foram inventados para o estudo e a investigação em outras áreas.
4 Conclusão
Nossa sociedade deve muito a Galileu Galilei, principalmente no que diz respeito à evolução da física e toda a ciência natural, pois, sem o método científico seria impossível o surgimento da física moderna, enfim de toda sociedade moderna e contemporânea que se apoia na experimentação para comprovar e dar validade de seus argumentos. Porem, nós não podemos universalizar o método científico, o método das “sensatas experiências” e “demonstrações necessárias”, como sendo a única forma de comprovação e de conhecimento verdadeiro, pois cada ciência tem seu plano, seu caminho para encontrar os resultados esperados e procurados por ela. O método científico é um grande avanço e um dos mais importantes métodos da investigação científica, entretanto não é o único.
Referências
GALILEI, Galileu. Carta a Belisário Vinto. In: ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia: do Humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus, 2004. p. 226-227. v. 3 Título Original: Storia dela Filosofia – Volume II: Dall’Umanesismo a Kant.
______. Carta a Fortúnio Liceti. In: ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da Filosofia: do Humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus, 2004. p. 225-226. v. 3 Título Original: Storia dela Filosofia – Volume II: Dall’Umanesismo a Kant.
GASSET, Jose Ortega y. Em torno A Galileu. Petrópolis: Vozes, 1989. 191p. Título original: En torno a Galileo.
PESSANHA, José Américo Motta. Galileu: vida e obra. In GALILEI, Galileu. O ensaiador. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. VI-X. (Os pensadores).
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do Humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus, 2004. 321 p. v. 3. Título Original: Storia dela Filosofia – Volume II: Dall’Umanesismo a Kant.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: antiguidade e Idade Média. 3 ed. São Paulo: Paulus, 1990. 683 p.
RIDLEY, Aaron. A filosofia da música: tema e variações. São Paulo: Edições Loyola, 2008.260p. Título Original: The philosophy of music – Theme and variations.
[1] Sempre que nos referirmos à verdade estamos nos referindo a verdade no sentido grego, ou seja, como descobrimento, como desvelamento da realidade.
[2] Forma de conhecimento apresentada por Aristóteles como abstrativa e que parte do particular.
[3] É a capitação pura dos princípios primeiros mediante o intelecto.
[4] Também conhecida como física newtoniana, já que o grande expoente da física moderna foi Issac Newton, que além de tudo experimentava, o que mostra a importância do método científico de Galileu Galilei para a Física moderna.
[5] Como por exemplo, a recente filosofia da música apresentada por Ridley.
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Parabéns, ideias bem organizadas, fundamentada e clara. É isso aí o pensamento leva à verdade quando se deixa iluminar por boas leituras e se permite refletir.
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Parabéns!
Muito bem trabalhado.