Rodrigo Artur Medeiros da Silva
O período histórico denominado idade moderna – enquanto filosofia – é dividido em três fases: a fase do renascimento, que se compreende do século XV ao século XVI, a do racionalismo e a do empirismo, compreendidas no século XVII; fases estas respectivamente marcadas pela religiosidade, pelo privilégio das verdades da razão bem como das experiências sensíveis como pontos fundamentais na formação do sujeito cognoscente. Com base nesta perspectiva é que Blaise Pascal (1623-1662), em seus pensamentos, escreve a sua concepção filosófica acerca do conceito de milagres.
Para Pascal, lei divina (doutrina) e milagres não podem ser considerados como distintos, visto que ambos, mutuamente, ajudam-se no amadurecimento e na compreensão dos referidos conceitos. Há os falsos e os verdadeiros milagres, sendo estes guardados pela Igreja (PASCAL, 1979 p. 250-257); porém tanto os falsos quanto os verdadeiros milagres não podem ser considerados como fundamentos inúteis, e sim como fundamentos de fé; daí a necessidade de conhecê-los e, posteriormente, distingui-los de forma sistemática. Aliás, é a existência dos falsos milagres, de acordo com o pensamento pascaliano, que faz com que o ser humano não aja em sua vida por meio da certeza, e sim da razão.
O milagre é um efeito que excede a força natural dos meios, que nele se emprega, e o não-milagre é um efeito que não excede a força natural dos meios, que nele se emprega. Assim, os que curam por invocação do diabo não fazem um milagre, por isso não excedem a força natural do diabo (PASCAL, 1979 p. 249)
O ser humano é o instrumento por meio do qual os milagres infundem-se nos próprios seres humanos; porém os milagres, para que sejam considerados como verdadeiros, devem exceder a força natural dos meios, tendo estes que invocar o ser capaz de tal ato: Deus. Pascal concebe milagre como um fundamento sobrenatural que atinge o ser humano por intermédio da graça divina. Acredita também que os milagres existem para fazer com que o ser humano, por meio de sua fragilidade, aproxime-se de Deus e este, através da infusão de sua graça, se achegue de modo místico aos seres humanos; uma conversa íntima entre o criador e suas criaturas. Ora, Jesus comprova que é o Messias devido aos seus milagres, através dos quais Ele consegue colocar a sua doutrina em prática.
Apesar dos profetas falarem em nome de Deus, suas profecias não podem ser consideradas como milagres, pois a graça de Deus não age no instante exato na pessoa profetizada; não se pode dizer, também, que são premunições, visto que a graça de Deus age nos profetas no momento de suas palavras.
Daí pode-se dizer que Pascal muito contribui com a religiosidade atual, uma vez que, de acordo com sua concepção, somente as profecias não dão subsídios para provar a existência de Jesus Cristo durante sua vida. Outra contribuição pascaliana, outrora advinda que se pode ser inferida na atualidade, é a de que não basta aderir o seguimento a Cristo apenas para ser um mero milagreiro ou profeta.
O seguimento a Cristo deve ser movido somente pela fé por meio da qual Ele se faz conhecedor das moléstias espirituais dos seres humanos e infunde seus milagres nos mesmos, por total compaixão da fraqueza humana. Caso contrário, seguir o Messias “seria apenas fazer da ação da graça uma adulação ao amor-próprio do homem corrompido, quando na realidade a graça só eleva o homem humilhando-o”. Esta é uma pedagogia divina que Pascal não concebe, visto que é o homem quem se humilha diante da graça de Deus. (PASCAL, 1979 p. 183-184)
Pascal defende a tese de que somente quando o ser humano reconhece-se como miserável – enquanto ser da espécie animal, movido por paixões, instintos, desejos – consegue encontrar no infinito algo maior, ou seja, Deus. A condição miserável do humano é que o dificulta chegar à verdade (Deus), mas ao mesmo tempo sua condição acena para uma grandeza que lhe ultrapassa. Segundo a concepção pascaliana, há uma insuficiência, uma incapacidade da razão humana em conjeturar o absoluto. Porém, se for capaz de superar esta incapacidade da razão, poderá regozijar de uma grandeza: o reconhecer-se miserável diante da grandeza de Deus, implica a grandeza do homem, isto é, a grandeza do pensamento e do auto-conhecimento.
Diante da insuficiência da razão, Pascal propõe uma aposta na existência de Deus, mediante a qual “vencendo, ganhareis tudo e perdendo, não perdereis nada”, ou seja, se o homem após a morte conseguir contemplar Deus, ganhará por ter apostado neste em vida; caso contrário, não haverá nenhuma perda, pois a aposta num absoluto não lhe terá feito mal algum, ao contrário, terá ainda lhe oferecido referências morais. Trata-se de uma aposta de cunho racional que visa auxiliar a fé.
Diante dos pontos aqui discorridos, fica perceptível que, no pensamento de Pascal, para haver uma relação maturada entre Deus e o imanente – o divino e o humano – é necessário ao homem apenas abraçar a sua condição humana e assumir para si a primazia de Deus. Este talvez seja um dos grandes problemas para a filosofia atual.
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Referências
BRANCO, Daniel Artur Emídio. A relação entre o humano e o divino. Disponível em: www.consciencia.org/a-relacao-entre-o-humano-e-o-divino-em-blaise-pascal. Acesso em: 07.abr. 2010.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. 2.ed. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores)
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Petrópolis: Vozes, 2006. V. 4.
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Meu filho, fico feliz e ao mesmo tempo me julgo com uma responsabilidade enorme em comentar um artigo filosófico, pois trata-se de um assunto complexo; mas ainda assim, digo-lhe que assumir a condição humana para muitas pessoas é coisa difícil; principalmente diante de tantos fatos desagradáveis que temos notícia e se não abraçarmos a condição humana, não assumiremos a primazia de Deus.
Deus precisa ser entendido como a condição fundamnental para nos tornarmos seres humanos melhores.