Tiago da Silva Gomes
Pretende-se com este artigo identificar os passos seguidos pelo filósofo italiano Gianni Vattimo (1936- ) para a afirmação do “pensamento fraco” como característica emblemática da pós-modernidade, conforme apresentado por ele no capítulo X (“Niilismo e pós-modernidade em filosofia”) de sua obra O fim da modernidade. Vattimo é considerado um dos expoentes da “fraqueza do ser” e sua interpretação de Heidegger e de Nietzsche ganha cada vez mais espaço na comunidade filosófica internacional que se ocupa com a questão da “pós-modernidade”. Suas obras principais são: O fim da modernidade, O pensamento débil; Para além do sujeito: Nietzsche, Heidegger e a hermenêutica e As aventuras da diferença, pensar depois de Nietzsche e Heidegger.
Vattimo afirma que o discurso sobre o pós-moderno deve ser dirigido por um termo introduzido por Heidegger, o de Verwindung (distorção, rimettersi). Heidegger usa essa palavra para indicar algo análogo à Überwindung (superação), mas a palavra Verwindung se distinguirá por não possuir nada da Aufhebung (suprassunção) dialética e nem de uma tendência de exclusividade do novo em contrapartida ao velho. “Ora, é precisamente a diferença entre Verwindung e Überwindung que nos pode ajudar a definir o ‘pós’ do pós-moderno em termos filosóficos” (VATTIMO, 1985: 169).
Segundo Teixeira (2006: 211-2), o termo heideggeriano tenta descrever a postura do pensamento ultrametafísico em relação com a tradição que nos transmite a metafísica. Embora Nietzsche não utilize esta palavra, Verwindung, ele é o primeiro filósofo a desenvolver um discurso nesses termos. Nesse sentido pode-se dizer que, com Nietzsche, nasce a pós-modernidade filosófica. Em “Humano, demasiado humano”, Nietzsche enfoca a possibilidade de sair da modernidade, não como superação, no sentido de criar novos conceitos, ou seja, de substituir a novidade envelhecida por novas, seguindo o espírito instável daquela, mas somente por meio da radicalização das próprias tendências que constituem a modernidade é que se sairá dela. É “superando” a própria superação, o “ultrapassamento”, já que ela é uma categoria tipicamente moderna.
Se a modernidade se define como a época da superação, da novidade que envelhece e é logo substituída por uma novidade mais nova, num movimento irrefreável que desencoraja qualquer criatividade, ao mesmo tempo que a requer e a impõe como única fonte de vida, se assim é, então não se poderá sair da modernidade pensando-se superá-la. (VATTIMO, 1985: 171)
Essa radicalização que Nietzsche propõe, ocorrerá através de uma redução química dos valores superiores da civilização aos elementos que a compõe. Contudo, essa análise química leva à conclusão de que a própria verdade é um valor que também se dissolve, pois ela como tal, é própria de épocas em que a segurança do homem é questionada, o que não mais ocorreria na sociedade atual. Com a dissolução do conceito de verdade, a verdade primeira que era Deus também se dissolve, e, portanto, Deus está morto. (TEIXEIRA, 2006: 212). Na interpretação de Vattimo:
É com esta conclusão niilista que se sai de fato da modernidade, segundo Nietzsche. Pois a noção de verdade não mais subsiste e o fundamento não mais funciona, dado que não há fundamento algum para crer no fundamento, isto é, no fato de que o pensamento deva “fundar”: não se sairá da modernidade mediante uma superação crítica, que seria um passo ainda de todo interno à própria modernidade. Fica claro, assim, que se deve buscar um caminho diferente. (VATTIMO, 1985: 173)
É nesse momento que se dá o nascimento da pós-modernidade na filosofia e surge o conceito nietzschiano do eterno retorno do igual, isto é, o fim da época da superação, uma vez que não há mais a exigência de se pensar o ser sob o signo do novum, que era produto da superação da modernidade (TEIXEIRA, 2006: 212). Este evento que se pode chamar do nascimento da pós-modernidade parte da morte de Deus anunciada no aforisma 125 da Gaia ciência, de Nietzsche, no qual ele diz: “Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos!”
Não é mais necessário remontar à ideia de fundamento, pois ela se revela totalmente dissolvida e vazia de conteúdo, já que se diz como algo tão abstrato e fora da realidade. Essa independência de qualquer fundamento na obra Humano, demasiado humano é chamada de “filosofia da manhã”, é aquela que tem o pensamento não mais orientado com base na origem ou no fundamento, mas na proximidade.
Esse pensamento da proximidade também poderia ser definido como um pensamento do erro; ou melhor ainda, da “errância”, para ressaltar que não se trata de pensar o não-verdadeiro, mas de encarar o devir das construções “falsas” da metafísica, da moral, da religião, da arte, todo esse tecido de erronias que constituem a riqueza ou, mais simplesmente, o ser da realidade. (VATTIMO, 1985: 176)
Vattimo afirma estar mais uma vez diante de um esforço para pensar a saída da metafísica numa forma não ligada à superação crítica, mas em decorrência da radicalização da análise química, viver plenamente a experiência da necessidade do erro, de vivê-lo com uma atitude diferente.
Na segunda parte do texto supracitado, Vattimo diz que a Verwindung se dá ao se permanecer com vestígios da metafísica como de uma doença ou como de uma dor, da qual deve-se resignar. Essa resignação, dada a tais significados, deve levar em consideração um outro significado que é o de distorção e que se pode lê-lo no significado da convalescença-resignação: “não se aceita a metafísica pura e simplesmente, como ninguém se dá sem reservas ao Ge-Stell (época da imposição da técnica) como sistema da imposição tecnológica; pode-se viver a metafísica e o Ge-Stell como uma chance, como a possibilidade de uma mudança […]”(VATTIMO, 1985: 180). Descobrir que é possível encontrar sentido para uma reflexão pós-moderna sem menosprezar fatores passados, isto é, repensar a partir deles.
O filósofo italiano afirma que tanto Heidegger quanto Nietzsche pensam que o fim da filosofia, em sua forma de metafísica, traz como “objeto” as errâncias desta, rememoradas numa atitude de “superação”. É a noção de rememoração da obra de Heidegger atribuído ao pensamento pós-metafísico como retomada ou repensamento, que o aproxima de Nietzsche da “filosofia da manhã”.
A “reviravolta” do pensamento de Heidegger não é só a passagem de um plano totalizante do homem ao do ser, mas também em afirmar que o esquecimento deste, que constitui a metafísica, não pode ser pensado como um erro humano, ou seja, de sua livre vontade. Enquanto a metafísica não é apenas um destino do qual pode-se somente superar; também o esquecimento do ser está contido na própria gênese do ser. “O ser nunca se pode dar todo em presença” (VATTIMO, 1985: 181). Por isso, a rememoração não deve ser entendida como apreensão do ser como da forma de um objeto dado, mas como não mais presente.
O ser se dá aqui na forma do Geschick (o conjunto do envio ou destino) e da Ueberlieferung (a transmissão). Nos termos de Nietzsche, o pensamento não remonta à origem para dela se apropriar; ele apenas torna a percorrer os caminhos da errância, que é a única riqueza, o único ser, que nos é dado. (VATTIMO, 1985: 82)
Vattimo vê uma aproximação do itinerário da reflexão de Heidegger com o de Nietzsche em que o efeito niilista da autodissolução da noção de verdade e da de fundamento, deste, tem seu paralelo na “descoberta” heideggeriana do caráter “epocal” do ser. Também para Heidegger, o ser não pode mais funcionar como fundamento, nem para as coisas, nem para o pensamento. Heidegger, para se desvencilhar definitivamente da metafísica, afirma que se deve abandonar o ser como fundamento. Não há mais fundamento, mas aberturas históricas. “O ser nada mais é que a transmissão das aberturas histórico-destinais que constituem, para cada humanidade histórica, a sua específica possibilidade de acesso ao mundo” (VATTIMO, 1985: 184).
Tendo como referência às bases de Nietzsche e Heidegger, Vattimo vai explicar, na terceira parte do texto, três caracterizações do pensamento pós-moderno. Primeiramente, é um pensamento da fruição, pelo fato de que a rememoração (Andenken) não remete a nenhum fundamento (Grund), restando somente o uso e o gozo daquilo que é imediato ao homem, e tendo como conseqüência, questões éticas ainda pendentes. É um pensamento da contaminação, ao passo que se abre a possibilidade de se exercer a empresa hermenêutica, não apenas para o passado, para a transmissão-recepção dos aspectos epocais do ser, mas também para uma contaminação em relação aos múltiplos conteúdos do saber contemporâneo, da ciência e da técnica e às artes, fragmentando assim a verdade fundacional, forte, metafísica, em várias outras verdades “fracas”, regionais e, portanto restritas. E por último, é um pensamento da superficialidade do mundo organizado pela técnica, isto é, o Ge-Stell, em que a metafísica se consuma em sua forma mais desenvolvida e em que a ontologia se torna efetivamente hermenêutica e onde as noções de realidade e de verdade-fundamento perdem peso. (TEIXEIRA, 2006: 212).
É nessa situação, segundo Vattimo, que se deve tratar de uma ontologia fraca como única possibilidade de sair da metafísica e pode ser que nisso resida, para o pensamento pós-moderno, a chance de um novo, fracamente novo, começo (VATTIMO, 1985: 184-190). Essa ontologia fraca consiste, em suma, em pensar o ser dentro da debilidade do pensamento, contextualizando-o como acontecimento histórico e nada mais.
Vattimo, a partir dos paradoxos nietzscheano e heideggeriano, mostra que, partindo-se de uma ontologia fraca, é possível uma hermenêutica fraca, ou seja, ele evidencia que, depois da dissolução da metafísica, para evitar uma reapropriação, há a possibilidade de se pensar a fraqueza do ser reinterpretando-o de forma livre. O acontecimento do ser revela a fraqueza do pensamento em si, o qual não tem estrutura nem lógica. O pensamento, assim, é herança da dialética conjugada com a diferença, que instaura o nascimento da nova hermenêutica. Para o filósofo italiano, encontram-se, tanto em Nietzsche como em Heidegger, neste último de modo especial, aberturas para a possibilidade de uma ontologia fraca, na pós-modernidade.
A fraqueza ou debilidade como atributo do pensamento (pensiero debole) pretende mostrar a fraqueza do pensamento metafísico e possibilitar a abertura de espaço para as demais formas de pensamentos não-metafísicos como o da arte e da retórica. O pensamento fraco é aquele que situado no momento histórico pensa sobre todas as questões, mas não se fecha numa interpretação única e determinística. Ele é um pensamento aberto para as possibilidades, pois é passível de questionamento. É um repensamento.
Por isso, para Vattimo, a pós-modernidade, para se diferenciar da modernidade, deve afirmar como sua característica distintiva o pensamento fraco, em que se propõe como repensamento de todas as questões sem pretender uma superação, mas sim uma sustentação. Fora de qualquer possibilidade de se absolutizar um pensamento ou tomá-lo como fundamento, o pensamento fraco se mostra sem força, unidade e predeterminação, pelo fato de querer ser ultrametafísico, ou seja, viver na consumação do niilismo.
Referências
VATTIMO, Giovanni. O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. [1985]
TEIXEIRA, Evilázio. Pós-modernidade e niilismo: um diálogo com Gianni Vattimo. Revista Alceu. Rio de Janeiro, v.7, n.13, jul/dez 2006, p.209-224.
DUARTE, André. Gianni Vattimo, intérprete de Heidegger e da pós-modernidade. Revista Alceu. Rio de Janeiro, v.7, n.13, jul/dez 2006, p.225-236.
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