Joel Santos de Marselha
Não existe Deus, há uma ausência de fundamento, de um ser absoluto, de uma verdade absoluta, de um sentido para a vida, não há arqué nem télos. O que vigora é somente o esquecimento do ser e a morte de Deus. Com base nesse niilismo proposto por Heidegger e Nietzsche, este artigo tem como objetivo demonstrar como é possível pensar a pós-modernidade, segundo Gianni Vattimo, e a primeira questão a ser colocada é a seguinte: Seria possível falar de uma pós-modernidade?
Para Vattimo, a modernidade consiste na centralização do cogito. E, nesse sentido, Vattimo propõe uma crítica, sobretudo a Descartes – que é o pai do pensamento moderno – com base na reinterpretação da ontologia de Heidegger à luz do niilismo de Nietzsche, o que lhe possibilita falar em uma pós-modernidade, que é uma conseqüência deste fenômeno constatado por este filósofo alemão.
Vattimo, em comunhão com o pensamento de Heidegger, afirma que o niilismo pode ser resumido na expressão ”Deus está morto”, posto que esse evento, que atingiu o pensamento ocidental a partir do legado nietzschiano, coloca, em xeque, a necessidade de um fundamento último, de um arqué de um télos (PECORARO, 2009, p. 391.).
Segundo Nietzsche, esse hóspede da Modernidade – niilismo – tem várias interfaces, podendo ele se apresentar como negativo, passivo, reativo e ativo (NIETZSCHE apud GOMES, 2004, p. 166). O niilismo negativo, que é de onde os demais surgem, tem sua origem com o platonismo e com o cristianismo. Além de ter sua base na desvalorização e na dissolução dos valores supremos tradicionais e propor novos valores no lugar destes, consiste na negação do mundo sensível, perene, em prol da afirmação do mundo ideal, supra-sensível, o que deixa evidente que, nesse primeiro tipo de niilismo, o homem deseja se desvincular do tempo, para se tornar infinito.
O niilismo passivo é crença na idéia de que a vida não tem mais valor e de que o ser humano está só e desamparado no universo. É a vontade de nada, já que é um sinal de fraqueza do espírito, pois o indivíduo, na etapa niilista, reconhece os valores antigos como falsos, mas não se tem a força para destruí-los e muito menos para instaurar novos valores (GOMES, 2004, p. 166).
O reativo se manifesta como ocultamento do transcendente – de Deus, dado que é uma “reação explícita aos valores superiores instaurados pela criação do Deus cristão” (GOMES, 2004, p. 166), o que deixa explícito a noção de morte de Deus e de toda dimensão da transcendência.
Já o niilismo ativo é a transvaloração dos valores, pois: “Aqui, a vontade de poder assume seu poder de ação e destruição” (GOMES, 2004, p. 166) e, através dela, o homem cria os seus valores e afirma sua existência, i. é, por meio desse desapego de Deus, o homem afirma a sua vontade de potência, o que faz com que emirja a responsabilidade do ser humano de ter que se construir por si só ( PECORARO, 2009, p. 391).
Já quanto ao niilismo de Heidegger, Vattimo vai dizer que ele segue a linha do nietzschiano, porém com a seguinte distinção: se, para Nietzsche, o niilismo consiste na desvalorização dos valores supremos, para Heidegger, ele é o esquecimento do ser – “confusão” entre ente e ser; sua categorização e presentificação, mas deixa claro, assim como Nietzsche, que se deve buscar algo para além do niilismo (PECORARO, 2009, p.392).
Perante este esquecimento do ser, Heidegger propõe uma nova maneira de pensá-lo, que é através da ontologia, ou seja, pensando-o a partir do Dasein – o ser-aí: único ente capaz de se perguntar pelo sentido do ser (ROBERTO, 2009).
De acordo com Nietzsche e Heidegger, a modernidade pode se caracterizar pelo fato de que ela se baseia na apropriação dos “fundamentos”, que freqüentemente são pensados também como as “origens”, de modo que as revoluções teóricas e práticas da história ocidental se apresentam e se legitimam, na maioria das vezes, como “recuperações”, renascimento, retorno (VATTIMO, 1996, p. VI).
A modernidade se alicerça em fundamentos, que dá consistência ao seu pensamento filosófico, mas, quando se constata a anulação desses fundamentos – o niilismo, é que se torna possível se falar, aos olhos de Vattimo, da gênese da pós-modernidade, pois:
É com esta conclusão niilista que se sai de fato da modernidade, segundo Nietzsche. Pois a noção de verdade não mais subsiste e o fundamento não mais funciona, dado que não há fundamento algum para crer no fundamento, isto é, no fato de que o pensamento deva “fundar”: não se sairá da modernidade mediante uma superação crítica, que seria um passo ainda de todo interno à própria modernidade. Fica claro, assim, que se deve buscar um caminho diferente. (VATTIMO, 1996, p. 173)
A pós-modernidade, segundo Vattimo, para se diferenciar da modernidade, deve afirmar, como sua característica, o pensamento fraco, que é se propor o repensamento de todas as questões sem pretender uma superação, mas sim uma sustentação dos mesmos. Fora de qualquer possibilidade de se absolutizar um pensamento ou tomá-lo como fundamento, o pensamento fraco se mostra sem força, unidade e predeterminação, pelo fato de querer ser ultrametafísico, ou seja, viver na consumação do niilismo (GOMES, 2009).
Chegando ao final deste artigo, deve-se destacar que grande é a contribuição de Vattimo para a filosofia pós-moderna, posto que anuncia o seu surgimento a partir de sua análise do pensamento nietzschiano e heideggeriano, vê que o niilismo é a base para o emergir da era pós-moderna, cuja marca principal é a ausência de um fundamento, de um arqué ou télos, pois é uma luta contra a absolutização da razão e de todo tipo de meta-discurso.
Referências
GOMES, Elizeu Donisete de Paiva. Uma leitura do niilismo nietzschiano como história do Ocidente. In: Provocações: ensaios filosóficos. Mariana: Dom Viçoso, 2004. p.145-191.
GOMES, Tiago da silva. O “pensamento fraco” como característica emblemática da pós-modernidade. Pensamento extemporâneo, Mariana, 2009. Disponível em: <http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2009/10/24/o-%E2%80%9Cpensamento-fraco%E2%80%9D-como-caracteristica-emblematica-da-pos-modernidade/>. Acesso em: 31 maio 2011.
PECORARO, Rossano. Os filósofos: clássicos da filosofia. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUC – Rio, 2009. V. III.
ROBERTO, Luciano da Silva. Os modos de ser do “Dasein” a partir da analítica existencial heideggeriana. Pensamento extemporâneo, Mariana, 2009. Disponível em: <http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2009/08/15/os-modos-de-ser-do-%e2%80%9cdasein%e2%80%9d-a-partir-da-analitica-existencial-heideggeriana/>. Acesso em: 31 maio 2011.
VATTIMO, Giovanni. O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. [1985]
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Olá Joel… parabéns pelo artigo… gostei dele, particularmente gosto do pensamento de Nietzsche, Heidegger e Vattimo… a proposta de reflexáo deles é bacana… Mas penso que vc poderia ter explorado mais questóes ai, tipo falado um pouco mais da niilismo reativo e da morte de Deus. Porém, isso nao tira o brilhantismo do seu trabalho… continue firme… SApere aude!!! hehehe